capítulo 4
— E se a gente deixasse o passado pra trás e começasse de novo? — A voz de Juliana era doce, envolvente. — Renzo, eu não me importo com o fato de você já ter tido uma luna. E espero que você também não se importe por eu ter me afastado.

— Nós dois sabemos que isso nunca foi uma traição. Nós ainda nos amamos. Sempre fomos feitos um pro outro.

Ela sabia exatamente como agradar Renzo.

E eu? Mesmo que implorasse de joelhos, mesmo que fizesse tudo certo, ele nunca me dava nem um olhar.

Era óbvio quem tinha o coração dele. Eu é que me agarrei, até a morte, a migalhas de carinho que hoje pareciam tão falsas.

Toda a ternura, toda a paciência... ele guardava pra Juliana. O que sobrava pra mim era frieza, desprezo e raiva.

Pensar nisso, doía tanto, que se tornara uma dor sem forma, sem fim. Um vazio.

Tanto faz. Juliana podia continuar me acusando, Renzo podia continuar me odiando. Eu não queria sentir mais nada.

— Agora não é hora pra isso. — Disse Renzo, empurrando-a com suavidade. — Descanse um pouco.

Ele se afastou, e não viu o olhar cheio de ciúme e ódio que Juliana lançou nas costas dele.

Renzo voltou pra casa onde morávamos juntos.

O lugar estava completamente escuro.

Desde que me tornei luna, eu sempre deixava uma luz acesa, não importava o horário. Era minha forma de dizer: "aqui é o seu lar".

Ele franziu a testa. Abriu a porta devagar, mas não me viu. Meu cheiro tinha sumido há dias. O ar estava pesado com o pó de um espaço abandonado.

Ele parou, confuso. E então, gritou em direção ao meu quarto:

— Liana, tá querendo fazer birra comigo agora?

— Você devia ter dado o antídoto pra Juliana sem reclamar! Se ela se envenenou, foi por sua culpa! Você armou isso tudo, e agora quer se fazer de vítima?

— Tá pagando pelo que fez. E merece cada segundo!

Até agora, até depois de tudo, ele ainda falava comigo com aquele tom amargo, cheio de desprezo.

Flutuando atrás dele, soltei um riso frio.

Cinco anos vivendo sob o mesmo teto. Cinco anos sendo sua luna. E, ainda assim, ele preferia acreditar na versão inventada de mim que ouviu da boca dos outros.

Hoje ele teve coragem de arrancar de mim as ervas que encontrei com tanto esforço. Amanhã, não duvido que exigisse um rim. E no dia seguinte, arrancaria o que sobrasse de mim pedaço por pedaço.

Felizmente, eu já estava morta. Aqueles dias de esperar em silêncio, consumida pelo desespero, tinham acabado.

Renzo começou a me procurar pela casa.

Claro que ele não ia me encontrar. Tudo o que achou foi a comida que eu tinha deixado pra ele, um mês atrás.

Estava podre, irreconhecível. Nem eu lembrava mais o que era.

A única coisa daquele dia que ficou gravada na minha mente foi o momento em que os guerreiros do clã arrombaram a porta, me amordaçaram e me amarraram.

Era o dia da nossa marcação. Agora, virou o dia da minha morte.

Também foi o renascimento de Juliana, livre da Lycotoxina, sob aplausos e promessas.

Enquanto eu era arrastada e presa sob garras, Renzo provavelmente segurava a mão dela, dizendo que tudo ficaria bem.

Enquanto eu gritava de dor, envenenada, ele pressionava a curandeira: Juliana precisava viver.

— E eu? O que eu era pra ele?

Renzo me chamou várias vezes.

Inclusive fechou os olhos e tentou abrir um elo mental — algo que raramente fazia. Na verdade, ele só usava esse vínculo quando era extremamente necessário, por alguma urgência do clã.

Mas agora ele esperava uma resposta minha. Só que ela não viria.

Seus olhos mudaram de cor. O lobo dentro dele tentou assumir o controle por um instante, mas não conseguiu me encontrar.

Havia inquietação em seu rosto, mas ele a sufocou depressa. Cerrou os lábios e pegou um papel, onde escreveu:

"Se você ler isso depois, quero que saiba como me senti ao voltar pra essa casa suja e vazia: com raiva."

"Fugir não vai resolver nada, Liana. Se continuar me testando assim, pode esperar, eu vou rejeitar você!"

Rejeição?

Talvez tivesse sido melhor assim. Se eu tivesse entendido mais cedo que meu alfa nunca me amou, não teria morrido de forma tão miserável.

Renzo chamou um lobo do clã pra entregar a carta. No mesmo momento, o mensageiro trouxe uma notícia de Juliana:

— Ela disse que esqueceu algo na ala de tratamento. Pediu pro alpha ir buscar pra ela.

Renzo concordou sem hesitar. E, ao cruzar a porta, virou-se por um breve segundo, olhando a casa vazia.

Aquele instante de hesitação não mudou nada. Ele saiu mesmo assim.

Preferiu sair no meio da noite pra buscar as coisas de Juliana, a sequer perguntar por mim.

Renzo foi até a ala pública de tratamento. Lá, cruzou o caminho com um assistente — o antigo curandeiro que ele próprio havia destituído.

A minha morte, causada pela Lycotoxina, havia provado que o curandeiro dizia a verdade. Ainda assim, só permitiram que ele voltasse como ajudante.

Ao ver Renzo, ele não conseguiu esconder o desprezo no olhar.

— Só agora resolveu se lembrar da sua luna morta? Pode relaxar. O corpo já foi levado. Você não vai precisar enterrá-la.

Renzo paralisou. Os olhos se moveram lentamente, fixos no rosto do assistente.

— Quem você disse que morreu?

O assistante revirou os olhos, exausto da encenação.

— Sua luna. Liana. A não ser, é claro, que você já tenha rejeitado ela. Aí, esquece o que eu disse. A Lycotoxina tinha se alojado nos ossos dela, e mesmo assim, você tirou dela o antídoto que ela encontrou com tanto esforço.

Após um breve silêncio, o assistente continuou:

— Queria outra companheira? Tudo bem. Era só falar. Não precisava ser tão cruel.

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