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   Ao acordar, a primeira coisa que sinto são as dores no meu tornozelo, a cada fisgada, faço uma careta de dor. Com muito cuidado sento-me na cama, verificando se enquanto eu dormia um pedaço do teto tinha caído no pé, só assim explica a dor que eu sentia. Mas, para minha sorte ou não, o teto estava no lugar, o problema era que o tornozelo parecia estar o dobro do tamanho, em vários tons de roxo.

 Passei alguns minutos pensando no que eu ia fazer, não tinha como levantar sozinha com meu pé naquela condição, só de mexer meus dedinhos a dor aumentava. Mantive-me imóvel, a espera que alguma idéia brilhante surgisse me dando uma luz do que fazer naquele momento, com o quarto todo escuro, e sem ter a menor idéia de que horas seria, esperei por você.

 Após não sei quanto tempo um barulho vindo do corredor me assustou, olhei na direção da porta, ansiosa para saber quem havia vindo ao meu resgate. Alguém adentrou cantarolando uma canção que não conseguia identificar, a melodia parecia algum pop recente ou até mesmo uma canção de ninar. Uma garota que aparentava ter a mesma idade que eu, um pouco mais alta com olhar expressivo cor de amêndoas, cabelo cheios de cachos emolduravam seu rosto delicado, seu sorriso se ampliou ao me ver , ela parou no meio do quarto, quando percebeu que eu a fitava a todo momento.

- Desculpa, não queria acordá-la. Só vim ver se a senhorita precisava de alguma coisa. Chamo-me Angel, trabalho para o Sr. Reed. – Ela disse com uma voz delicada e gentil, se aproximando para perto da cama.

- Prazer, sou Ayla. – respondi, receosa por não conhecê-la. 

- Vim mais cedo vê-la, mas a senhorita dormia tranquilamente. – seu jeito meigo me transparecia calma, o que ajudou a não entrar em pânico por saber que ela esteve no quarto sem que eu percebesse.

 Bem nesse momento meu tornozelo resolveu dar sinal de vida, senti uma pontada que parecia rasgar minha perna. Como forma de tentar amenizar a dor, coloquei a mão sobre a coxa, com uma expressão de agonia, segurando um gemido de dor.

- Tudo bem? – Angel se aproximou preocupada, olhando de mim para minha perna sem notar o meu pé do tamanho de uma bola de basquete.

- Meu tornozelo dói muito, principalmente quando movo minha perna, enquanto eu dormia, ao que parece, dobrou de tamanho. – expliquei enquanto alisava a perna na esperança da dor cessar. - O Chris mandou você ver se eu já tinha acordado?

 Pelo o tanto que eu tinha dormido, provavelmente o dia todo, você já deveria estar se perguntando quando eu iria embora da sua casa.

- O Sr. Reed não se encontra em casa, teve que ir cedo para Boston. Tudo o que ele nos informou foi que tinha uma hóspede e deveríamos estar a sua disposição caso você precisasse. – Ela dizia me olhando, como se esperasse alguma instrução da minha parte, eu não sabia o que fazer, era muita gentileza sua se preocupar com meu bem estar.

- Preciso de um banho. – falei mais pra mim do que pra ela. Mas em segundos ela se dispôs a me ajudar a ir para banheiro.

- Vamos com cuidado para não machucar seu pé. – com todo cuidado do mundo, Angel me ajudou a sentar da cama.

 Firmei o pé esquerdo no chão, coloquei todo o peso do corpo sobre o mesmo, enquanto recebia apoio do lado direito de Angel desconhecida. Ela liderou o caminho, já que eu não fazia idéia de onde ficava o banheiro, não até perceber que não iríamos sair do quarto, é claro que era uma suíte com seu próprio banheiro. Entramos em uma porta que dava para o que imaginava ser um closet muito espaçoso, meio escondido, havia outra porta de correr que dava para o banheiro, não vou mentir meu queixo foi parar no chão. Primeiro reparo na imensa banheira no centro com a parede espelhada próxima ao Box, na bancada da pia havia um espelho grande sobre a mesma, tudo em tons neutros contrastando com tons de cinza.

  Apoiando-me na bancada, retirei o sobretudo, apenas de lingerie preta  indecente da noite anterior, observo que Angel me encara confusa, possivelmente pela minha vestimenta, imaginei o que ela pensava sobre que tipo de pessoa eu era vestida daquele jeito. Ignorando seja lá o que se passava em sua mente, retirei as últimas peças de roupa, nua na frente de Angel, segui para o Box.

- Precisa de ajuda para entrar no Box? – Angel perguntou preocupada.

- Não, eu consigo sozinha. – falei sem querer aproveitar de sua boa vontade.

 Quando senti a água quente escorrer pelo meu corpo esqueci a dor junto com todos os meus problemas, relaxando pela primeira vez desde que deixei a boate. Lavei meu cabelo, o enxaguando em seguida, retirei toda a sujeira e suor do meu corpo, o cheiro fétido de bebida e cigarros, após o banho me sentia renovada.

 Angel me entregou um roupão de banho, o vesti e enxuguei meu cabelo, o enrolando em uma toalha. Com sua ajuda novamente voltamos para o quarto, sentei na cama esticando minha perna machucada, que voltou a doer com força total pelo meu esforço durante o banho.

- Vou levar sua roupa para lavar, assim você não precisa ficar nua. Imagino que esteja com fome? – Assenti levemente, com a mão sobre o rosto, quase chorando de dor.

 Angel entrou no banheiro, saindo com minhas roupas em seguida. Sozinha novamente, pensei no que seria da minha vida sem saber para onde iria, sentia-me pedida como há seis anos. Talvez pudesse ser a minha chance de reconstruir minha vida da forma que eu sempre quis, sem medo de ser eu mesma, trabalhar na profissão que sempre sonhei, ir atrás dos meus sonhos e objetivos que foram tirados de mim. Era o que eu devia fazer, não era? Perdi tudo desde muito nova, perdi minha liberdade quando adulta, e quando enfim fugi de uma vida que não escolhi, ainda assim, as coisas se tornaram difíceis, quase inalcançáveis... encarei o teto desejando que essa nova chance, um caminho mais maleável, eu merecia ao menos isso, depois de tudo que havia passado.

 Naquele momento eu não tinha idéia do quanto eu estava errada, não sobre ter uma nova chance. Mas que era a minha última, que desperdicei de todas as formas possíveis.

 Encaro a parede, observando o verde desbotado, penso onde você está agora. Será que você encontrou um novo amor e me esqueceu? Eu não quero pensar nessa possibilidade, pois ela me destrói, esmagando meu coração de todas as formas possíveis. Vou parar com minhas lamentações e retornar de onde parei, para o momento que eu me sentia livre.

 Enquanto eu comia meu sanduíche com peito de peru, diferente do que eu comia alguns dias atrás, Angel ajeitava a bolsa de gelo no meu pé, anestesiando a dor, essa garota é realmente um anjo.

- Você avisou sua família sobre onde você está e que se encontra machucada? – Ela dizia, ainda atenta no que fazia, notei que sua pergunta vinha de sua preocupação com meu estado, e não de uma simples curiosidade.

- Não há ninguém para quem eu deva avisar. – Na verdade, só tinha a Miriam, mas eu não sabia se era seguro entrar em contato com ela. Não queria por ela em perigo, se Jacob soubesse que foi ela quem me avisou sobre seus planos, não queria imaginar o que ela faria a ela.

Jamais iria me perdoar se ele a machucasse por minha causa.

- Você não tem família? – Angel levantou a cabeça, deixando de lado a bolsa de gelo, me encarando de forma assustada.

- Não há ninguém para se preocupar com o que acontece comigo. - Minhas palavras saíram carregadas de tristeza e sei que ela percebeu, pois não fez mais perguntas.

 Angel permaneceu comigo pelo resto da tarde, conversamos bastante sobre assuntos banais, sua companhia me distraiu da confusão em que eu estava, e da vontade estranha que sentia de te ver de novo. Descobri que ela trabalhava em sua casa desde que terminou o colegial, como perdeu o pai, sua mãe precisou de ajuda em casa, ela desistiu de fazer faculdade e foi trabalhar para ajudar a mãe a criar suas duas irmãs mais novas. Quando você soube de sua história se prontificou a ajudá-la, pagando sua faculdade de Direito, que já está no último ano e se formará logo, podendo exercer a profissão que escolheu, continuando a ajudar em casa e proporcionar a suas irmãs um futuro melhor.

Admirei a bondade de Angel, de como desistiu de seus sonhos para o bem estar de sua família, e acabou sendo recompensada por seu coração gentil.

 Passei a admirá-la por sua força de vontade e determinação, nunca se esquecendo de sua família, E admiro você, por te dado a ela uma chance de conquistar seus sonhos, seu gesto deu para Angel muito mais que um futuro, mas uma chance às irmãs que poderão ter a mesma chance que a irmã teve. Seu coração bondoso é imenso, e você tentou fazer o mesmo por mim, mas, diferente de Angel, que se agarrou a chance que colocaram em sua frente, eu desperdicei a minha, a única que eu tinha.

 Como todos os dias, Angel saía mais cedo para a faculdade, mas antes trouxe minhas roupas limpas. Vesti somente a lingerie, deitando-me novamente, pois não poderia ficar muito tempo em pé, a dor e o inchaço só aumentavam. Enquanto eu jantava, apreciando aquele delicioso manjar dos deuses, Angel colocava outra bolsa de gelo sobre meu tornozelo.

- Tenho que ir agora, espero que amanhã você esteja melhor. – Nos despedimos, quando ela estava quase à porta se virou em minha direção. – Já ia me esquecendo, o Sr. Reed ligou avisando que só voltará amanhã e perguntou por você. Mas como não fui eu que atendi, a Nina disse que estava tudo bem com você.

  Sabe o quanto eu fiquei feliz por saber que mesmo longe você se preocupava comigo, apenas uma estranha. Eu estava nas nuvens, mesmo que meu mundo deteriorava a cada segundo da minha triste existência.

 Naquela mesma noite, quase de madrugada, meu celular tocou dentro da bolsa pela vigésima vez desde que eu tinha acordado pela manhã, em todas as ligações, era Jacob. Com medo de ser ele de novo ignorei a chamada, cinco minutos depois o celular tocou, peguei-o pronta para desligá-lo quando vi que era Miriam que me ligava, com os dedos trêmulos, com o pavor que talvez algo tenha acontecido com ela, atendi a chamada com o coração aos pulos.

- Miriam? - Perguntei com medo de que talvez fosse Jacob se passando por ela, na tentativa de conseguir falar comigo.

- Graças a Deus. Pensei que jamais conseguiria falar com você novamente, esperei passar um dia para ter certeza que era seguro te ligar. Como você está? 

 Levou algum tempo para que eu explicasse a Miriam minha aventura,  de como escapei dos brutamontes e que em alguns momentos pensei que eu iria morrer se eu não conseguisse fugir deles. Da loucura que fiz de correr pelo cruzamento e que quase fui atropelada, por sorte um anjo me salvou.

- Que loucura, Ayla. Entrei em pânico quando Jacob descobriu que você fugiu. Não sabe como ele ficou furioso, expulsou todo mundo da boate, mandou todos os seguranças te procurar pela redondeza. Todas as garotas só foram liberadas depois que Nathan voltou junto com os outros, o segurança que deixou você escapar novamente não teve um final nada bom. Você sabe o que eu quero dizer, não é?

 Como eu sabia, sinto-me mal por ele, mas naquele momento era eu ou ele. E se o Edu tivesse conseguido me levar de volta, ele não iria se importar com que acontecesse comigo.

- Jacob desconfiou que foi você quem contou de seus planos? – Esse era um dos meus piores medos.

- Não, depois que você saiu para o camarim, voltei para o bar. Quando Jacob perguntou onde eu estava no momento que você sumiu, a Livie confirmou que eu estive com ela o tempo todo a ajudando.

- Me sinto aliviada que não a coloquei em perigo.

- Não se preocupe comigo, você ainda tem que sair de Nova York antes que ele descubra onde você está escondida.

- Eu sei, mas com meu tornozelo no estado que se encontra, não tem a menor chance de fugir.

- O lugar que você está é seguro? – olhei ao redor do quarto em que eu me encontrava, desejando que o Jacob não pudesse chegar até a mim. Como não pude sair do quarto, não sei como é a segurança da casa, mas, sendo quem você era, imaginei que era um lugar seguro para se esconder do meu algoz.  

- Enquanto eu estiver aqui, sim. Mas não sei até quando poderei ficar, o Chris viajou, mas retorna amanhã e com certeza terei que ir embora assim que ele estiver em casa.

- Talvez ele não te mande ir embora estando machucada. – me agarrei a essa esperança.

- Não sei, sinto que estou abusando de sua gentileza. Talvez seja seguro voltar para minha casa, posso permanecer lá até meu tornozelo melhorar.

-Não é uma boa idéia, Jacob mandou Natham monitorar o prédio.

- Perfeito, estou sem saída. Minha única opção é que Chris tenha pena de mim e me deixe ficar mais alguns dias.

- Vamos rezar para sim.

   Passei o resto da madrugada analisando minhas alternativas, que eram quase nulas, por um momento pensei em me entregar a Jacob e acabar com o meu sofrimento.

  Analisando agora minha atual situação, talvez aquela idéia não tenha sido de toda ruim, eu teria evitado muito sofrimento desnecessário causado pela minha covardia estúpida. 

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