Vanessa parou por um instante, surpresa ao perceber quem lhe chamava. Era um antigo parceiro de negócios, alguém que sempre insistia para conseguir trabalhar com seu pai, Hugo Rocha. Um suspiro baixo escapou do peito dela.
Seu único desejo era passar despercebida, manter sua identidade em segredo. Mas, antes que pudesse pensar em uma desculpa convincente, um dos amigos que seguia Frederico deixou claro, com um olhar crítico, que não acreditava no que via. Em seguida, ele zombou abertamente:
— Que história de Srta. Vanessa? Olha para essa roupa... custou mais de trezentos reais? Falar que essa aí é alguma garota rica? Só pode ser piada.
Imediatamente, risadinhas ácidas ressoaram pelo grupo, ecoando ofensas sem receio algum. Eles não falaram francês desta vez, Vanessa entendeu perfeitamente o tom de deboche, mas seu rosto permaneceu sereno, como se nada a afetasse.
Quem demonstrou incômodo, no entanto, foi Frederico. Com um olhar frio e cortante, enviou um aviso mudo ao amigo, que, constrangido, diminuiu o riso e recuou em sua postura. Captando o recado, os outros logo se aquietaram, e o ambiente mergulhou num silêncio desconfortável.
Assim auqela pessoa desisitiu e Vanessa seguiu quieta atrás de Frederico o caminho inteiro de volta para casa. Ao entrarem, ele pendurou o casaco no cabide e, só então, quebrou o silêncio.
— Amor, acho melhor você não ir mais comigo nesse tipo de encontro. — Disse ele, com uma voz baixa.
Ela manteve o semblante sereno, como se a rejeição não a tocasse, encarando-o sem mostrar abalo algum. Ela se limitou a perguntar, num tom neutro:
— Está com vergonha de mim?
Frederico soltou um riso surpreso, quase sem graça, e instintivamente tentou afagar os cabelos dela, mas Vanessa desviou com delicadeza, se justificou então:
— Não é isso que você está pensando. Só não quero ver você sendo maltratada desse jeito.
— Mas nós temos uma diferença de status. Um dia, isso sempre vai voltar à tona. Sua família nunca te pressionou por um casamento arranjado? — Vanessa olhou para ele com atenção, na esperança de encontrar alguma hesitação ou incerteza.
Por um breve instante, a expressão de Frederico endureceu com menção à palavra "casamento arranjado". Mas logo ele retomou o tom habitual, carinhoso, e respondeu, com firmeza:
— Vanessa, só importa que é você quem eu amo. Todo o resto, eu dou um jeito. Pode confiar.
Se ela não estivesse prestando tanta atenção, talvez nem percebesse aquela fissura minúscula na fachada dele.
Depois dessa conversa, Frederico seguiu para o banheiro. Vanessa ficou observando sua silhueta se afastando sem dizer mais nada — mas, dentro de si, uma pergunta martelava:
"O tal dar um jeito dele... Não seria simplesmente aceitar um casamento que agrade à família e manter outra mulher em segredo?", pensou ela, amargamente.
De repente, o barulho de uma notificação a tirou do transe. Era o celular de Frederico, esquecido no criado-mudo. A senha, que ele nunca ocultava dela, permitiu acesso fácil. Vanessa leu rapidamente a mais recente mensagem. Vinha de Amanda: [Fred, amanhã será o encontro das famílias. Se você não dormir aqui hoje, será que os pais da gente não vão desconfiar que esse nosso casamento é só fachada? Eu sei que você ama sua namorada, mas pelo menos por esses dias, me ajude a manter as aparências, por favor?]
Apesar do modo suplicante, Vanessa captou o verdadeiro objetivo de Amanda. Primeiro, usava a reunião das famílias como pretexto para forçar convivência, mas, com o tempo, aquela desculpa só ganharia força e espaço, até tudo ultrapassar qualquer limite.
Nada disso, contudo, importava mais para Vanessa. Ela já tinha decidido que seguiria outro caminho.
Com esses pensamentos, marcou a mensagem como "não lida" e recolocou o aparelho no mesmo lugar, como se nada tivesse acontecido. Pouco depois, Frederico saiu do banho, lançando um olhar meio apressado para ela antes de pegar o celular. Logo percebeu a notificação e, num reflexo, ergueu os olhos, pedindo desculpas:
— Vanessa, surgiu um problema urgente na empresa. Vou ter que sair agora, não volto hoje. Descanse, está bem?
Ele saiu apressadamente, nem reparando que Vanessa, ao contrário do habitual, não o acompanhou até a porta e tampouco insistiu para que ele ficasse. Ela se limitou a olhar o distanciamento dele, cada vez maior, como se, a cada passo, a distância entre eles se tornasse irreversível.
Assim que Frederico saiu, mal tinha passado alguns minutos, o celular de Vanessa vibrou com uma nova mensagem.
[Só preciso dizer uma palavra, e Fred volta correndo para mim. Amanhã já vamos conhecer as famílias. Quando estivermos casados de verdade, quem é você, afinal? Uma amante que ninguém pode saber que existe?]
As palavras de Amanda eram cruéis, mas o que realmente fazia o peito de Vanessa doer era perceber que a faca usada para feri-la havia sido entregue, de bom grado, pelo homem a quem ela um dia achou seguro entregar o coração.
Provavelmente Frederico não sabia que mesmo se Vanessa nunca tivesse visto aquele convite, o segredo do casamento logo viria à tona. Afinal, no dia seguinte à descoberta do convite, Amanda já a tinha adicionado nas redes sociais. E, desde então, não parou de enviar fotos ao lado de Frederico experimentando vestidos de noiva, escolhendo alianças, visitando o salão da cerimônia.
Foto após foto, tudo foi destruindo pouco a pouco qualquer resquício do que Vanessa sentia por ele.
Naquela noite, Frederico não voltou para casa. Vanessa, porém, sequer se importou.
Na manhã seguinte, sem dramas ou hesitação, ela apenas lavou o rosto, olhou pra frente e foi até a empresa pedir demissão. Fez questão de resolver toda a papelada no próprio dia.
Durante o horário do almoço, foi comer com colegas no restaurante da esquina. Quando contou que já estava oficialmente desligada da empresa, uma das companheiras, mais próxima, não perdeu a chance de brincar:
— Ultimamente, tenho visto vídeos online dizendo que um colega que pediu demissão repentinamente voltou para herdar o negócio da família. Está voltando para assumir fortuna da família, né, Vanessa? Você foi tão decidida. Vai dizer que é isso mesmo?
Vanessa deu um sorriso enigmático e acenou com a cabeça.
— É, vou lá cuidar da herança.
Todos caíram na gargalhada, achando aquilo só uma piada despretensiosa.
Ela riu junto, não fez questão alguma de explicar. Quando a refeição terminou, juntou seus poucos pertences na caixa, e saiu carregando a nova vida nos braços.
Chegando em casa, quem abriu a porta foi Frederico. Ele estranhou na hora a cena dela com aquela caixa e indagou:
— Você pediu demissão?
Vanessa só confirmou com a cabeça, seguindo para o quarto. Frederico franziu a testa e insistiu:
— Mas você gostava tanto do seu trabalho. Por que sair assim, de repente?
O passo de Vanessa hesitou, mas ela se virou apenas para oferecer um sorriso calmo, carregando firmeza nos olhos.
— Porque agora tenho algo bem mais importante que quero fazer.