Capítulo 2

Leon Sangred

Passei a noite inteira no hospital com o Miguel. Eu não consegui pregar os olhos. Fiquei ali, ao lado daquela cama fria, vendo o corpo pequeno dele conectado a fios e máquinas. Toda vez que recebo uma ligação dizendo que ele piorou, algo dentro de mim quebra. A verdade? Eu morro um pouco por dentro cada vez que acho que vou perdê-lo.

Tenho tanto medo. Um medo que me devora por dentro. Um medo que me faz querer fugir... Mas eu não fujo. Porque ele me tem. E eu... Eu sou tudo o que ele tem.

— Titio? — ele me chamou, com a vozinha rouca, fraca, quase um sussurro.

Meus olhos se encheram de lágrimas no mesmo instante.

— Oi, campeão... tô aqui, não fui a lugar nenhum — falei, apertando sua mãozinha gelada, como se eu pudesse aquecê-lo com o meu amor.

— Sonhei com a gente, titio... — ele disse, sorrindo pequeno. — A gente tava num jardim... tinha flores e borboletas... o senhor me levava pra brincar... Vai me levar pra brincar num parque bem bonito quando eu melhorar?

Senti um nó na garganta. Meus lábios tremiam. Que mundo é esse em que uma criança de cinco anos precisa sonhar com liberdade porque a vida real dói demais?

— Vou sim, campeão. Prometo que vou fazer tudo que puder pra te ver correndo, rindo, sendo livre... como toda criança merece — sussurrei, beijando sua testa.

Ele fechou os olhos de novo. A expressão dele relaxou. Talvez o efeito dos remédios... talvez o conforto de saber que eu estava ali. Continuei sentado ao lado dele, fazendo vigília como um cavaleiro silencioso. Ele era meu sobrinho... mas era como um filho. Era o meu mundo inteiro.

Minutos depois, ouvi a porta se abrir. Era o Daniel.

Ele entrou com os ombros caídos e o olhar preocupado. Sentou-se na mesinha do canto, passando as mãos pelos cabelos com exaustão.

— Como tá o nosso pequeno guerreiro? — perguntou baixinho.

— Está... estável. Mas você sabe... sem o transplante... — minha voz falhou. Baixei os olhos. — As chances são mínimas. E eu... Dan, eu tô apavorado. Eu não consigo nem imaginar minha vida sem ele.

Daniel assentiu, com o olhar pesado. Ele me conhece como ninguém. Crescemos juntos, dividimos tudo — até os silêncios. Ele é mais que amigo. É meu irmão de alma.

— Eu sei, Leon. Mas você tá fazendo tudo certo. A gente vai dar um jeito. Vai aparecer um doador. Acredita nisso comigo, irmão. Não solta agora.

Tentei respirar fundo. Me acalmar. Mas ele mudou de assunto repentinamente, como quem tenta aliviar o clima:

— Agora me conta... quem era aquela garota? — perguntou com aquele sorriso safado que só ele sabe dar.

Mas antes que eu pudesse responder, olhei o relógio na parede e me assustei.

— Daniel... diz que aquele relógio tá errado. Por favor.

Ele olhou e não conseguiu conter a risada.

— Se você quiser, eu minto. Mas o meu também marca 8h50. Você tá lascado, irmão.

— Merda! Eu tenho uma reunião em vinte minutos com os escoceses! — pulei da cadeira, procurando meu celular, que estava desligado há horas.

— Agora sim o fogo no parquinho vai pegar fogo — Daniel gargalhou, me zoando como sempre.

— Tchau, Dan! E para de dar moral pra esses sites de fofoca! — resmunguei, saindo correndo.

Entrei no carro com o coração acelerado. O corpo cansado queria parar, mas a vida me empurrava. Dez minutos depois, cheguei à sede da Love Wines. O prédio parecia ainda mais imponente naquela manhã difícil. Entrei e já senti os olhares. Comentários murmurados. Roupas amassadas, cabelo desgrenhado, olheiras marcando o cansaço e o peso da vida real.

Ignorando tudo e todos, entrei direto na minha sala. Nem cumprimentei a secretária. Fui direto pro banheiro. Liguei o chuveiro e deixei a água cair no rosto como se pudesse lavar o desespero, o medo, a exaustão... a culpa.

Quando saí, ainda enxugando o rosto, levei um susto: meu pai estava sentado na minha cadeira.

Terno impecável, postura rígida, olhos frios. Um rei no seu trono. Ou, melhor dizendo, um general pronto para condenar o soldado rebelde.

Respirei fundo. Nossas conversas nunca foram fáceis. Ele sempre me quis moldado à imagem dele: duro, implacável, “homem de verdade”. Quantas vezes ouvi dele que carinho demais “amolece o menino”? Que “homem criado com moleza vira viado”? Como se o amor pudesse corromper alguém.

Mesmo eu dizendo inúmeras vezes que gostava de mulher, ele nunca acreditava por completo. Medo. Ele tem medo do que eu sou. Do que eu posso ser. Medo do amor — o único sentimento que ele nunca soube dar.

— Eu disse que não aceitaria desculpas, León! — ele disse, em voz alta, ficando de pé com a autoridade de um juiz. — Venha cá. Agora.

— Pai... eu tive um imprevisto...

Pensei no Miguel. No que ele significava. Mas não podia usar isso como justificativa. Não com aquele homem que acharia tudo uma fraqueza.

— Eu sei. Assim como todo o país sabe. — Ele jogou um jornal sobre a mesa.

A manchete me fez congelar:

> "GRÁVIDA! Será que o milionário Leon Sangred vai ser papai?

Quem é a nova queridinha do bilionário?"

A foto... era a moça do hospital. E eu.

— Você prestou atenção agora? — ele cuspiu as palavras com nojo. — Ou você limpa essa imagem ridícula em até três meses... ou estará deserdado. Esqueça a herança, esqueça a empresa, esqueça o sobrenome.

Agora, já que essa mulher é tão importante a ponto de te fazer me desafiar... espero que ela sirva ao menos pra ser sua esposa. Você vai se casar com ela, León. Tem três meses. Ou tá fora.

Fiquei em silêncio. O mundo girava. O coração do Miguel ecoava dentro de mim. O amor dele. O amor que meu pai nunca foi capaz de dar. E agora... o peso de uma escolha.

– Então vai ficar aí calado? Espero que obedeça. Para mim, você já sabe: Bela é a melhor opção. Ela é a esposa ideal para você, meu filho. Uma jovem de boa família, e vocês já namoraram. Não seria tão ruim assim.

Meu pai sempre tentava me empurrar para os braços de Bela Peralta. Filha de um de seus grandes amigos, ela era linda, mas superficial. Eu nunca gostei dela, e não ia me casar só porque o pai dela prometeu a mão dela para mim.

– Então quem é essa moça? E o que vocês estavam fazendo no hospital? É melhor ser sincero, porque senão eu resolvo tudo entre você e a Bela.

– Ela não está grávida. Até preferia que fosse... – soltei, sem pensar.

Meu pai suavizou o olhar por um instante, mas logo a surpresa tomou conta de seu rosto. Respirei fundo antes de continuar.

– O pai dela não resistiu à cirurgia e faleceu.

Lembrei daqueles olhos tristes, que me deixaram arrasado junto com o cansaço. Eu não estava bem. E, pelo olhar do meu pai, ele também não sabia como reagir.

– Você tem três meses para se casar. Se não assumir esse caso até sexta, vai ter que desposar Bela Peralta. E não tente me desafiar. Já cansei da imagem que você está passando. Esta é sua última chance: ou você casa, ou perde tudo.

Ele saiu do escritório, deixando-me só com o eco de suas palavras na cabeça. Respirei fundo. Precisava ir para a reunião, mas não conseguia me concentrar em nada.

A moça do hospital era minha única salvação. Mas eu nem sabia o nome dela. Duvidava que ela aceitaria qualquer proposta de um cara que só viu uma vez. Aquele olhar dela... Com certeza, ela não era do tipo para um lance casual.

Ao chegar em casa, dei de cara com Daniel jogado no sofá, folgado como sempre.

– Olha só, o pai do ano! – ele zombou, revirando os olhos. – Tentei falar com você sobre as fofocas, mas não atendeu.

– Esqueci o celular desligado. – Peguei o aparelho do bolso e vi a tela preta. – Está descarregado.

Coloquei-o para carregar enquanto Dan ria da minha cara.

– Sério, cara? Com esse celular, nem parece que você tem o dinheiro que tem.

Nem liguei. Meu celular quebrou, e eu não estava com disposição para comprar outro. Tive um dia agitado e só peguei o que tinha guardado. Além disso, minha vida toda estava ali.

– Você não vai acreditar. Meu pai apareceu no escritório hoje e adivinha a novidade? Me deu um ultimato: ou caso em três meses, ou ele me deserda e toma a empresa.

– Tá ruim, hein? – Dan se ajeitou no sofá, e eu revirei os olhos antes de me sentar.

– Se eu não anunciar um relacionamento até sexta, terei que me casar com Bela Peralta.

– Você não suporta ela! – Dan riu, mas depois ficou sério. – Pode me achar louco, mas... por que não inventa um relacionamento falso?

– Como assim?

– Você procuraria uma mulher disposta a entrar nessa farsa. Um ano seria tempo suficiente para seu pai cair fora. Vocês se casariam, ficariam juntos um tempo e depois se separariam. Ela ganharia muito com isso, e você ficaria livre. Afinal, não é sua culpa se um casamento não dá certo.

Parei para pensar. A ideia não era tão maluca. Um casamento falso poderia ser a solução. Só havia um problema: meu pai acreditava que eu estava apaixonado pela moça do hospital. Se eu aparecesse com outra, ele nunca aceitaria.

– Até que não é uma má ideia. Mas tem um detalhe: depois de ontem, meu pai só aceitaria ela.

Um sorriso se formou nos lábios de Dan.

– A queridinha do hospital?

– Exatamente. E eu nem sei o nome dela, muito menos se ela aceitaria uma proposta dessas.

– Ainda bem que sou seu amigo, né? – ele respondeu, orgulhoso. – O nome dela é Luiza Ramos. Não poderia te dizer antes, mas... acho que ela está precisando de dinheiro. Ficou devendo ao hospital. Talvez precise de um emprego.

Aquela notícia me deixou um pouco animado. Não porque ela estivesse em dificuldades, mas porque aumentava as chances de ela aceitar.

– Então precisamos encontrá-la. Dá para pegar o endereço dela nas fichas médicas?

Dan revirou os olhos. Eu sabia que ele não podia fazer isso, mas não custava tentar.

Como esperado, não deu certo. Passamos a tarde pesquisando Luiza Ramos em redes sociais, mas sem sucesso. Havia milhares delas, e nenhuma era a certa. Será que ela não tinha redes sociais? Ou usava um nome diferente?

Não sei em que momento, mas o cansaço me venceu. Acabei dormindo em cima do notebook na mesa da sala. Só acordei quando ouvi uma voz ao longe.

– Acorda, Bela Adormecida! Seu fado padrinho chegou!

Esfreguei os olhos, a visão ainda embaçada, e vi Dan fazendo uma dancinha ridícula.

– O que foi, Dan?

– Encontrei sua queridinha! – ele respondeu, mostrando meu celular com uma foto dela.

– Nossa, é ela mesmo! Por que colocou a foto dela como meu papel de parede?

– Não fui eu. Uma tal de Gabriela mandou uma mensagem com o endereço onde elas estarão amanhã, num grupo de mensagens.

Sorri, sem entender como meu celular tinha trocado de mãos, mas agradeci pelo acaso. Ao olhar aquela foto, meu coração acelerou. Ela era realmente linda.

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