O ar denso e úmido da favela filtrava-se pelas janelas quebradas daquela precária habitação. Eu, com o cabelo negro ensanguentado, me arrastava pelo chão de cimento rachado, deixando atrás de mim um rastro carmesim. Meus olhos, que normalmente brilhavam com um tom âmbar sobrenatural, estavam nublados pela dor e pelas lágrimas. Álvaro permanecia de pé. Em sua mão direita segurava um frasco de veneno, enquanto com a esquerda tinha um embrulho.
— Álvaro, deixa que eu leve a menina, por favor! —suplicava, tentando conter a hemorragia com uma mão trêmula. — Você não vai levá-la! —rugiu ele, com raiva e terror—. Quero que você se vá, você é um monstro! Me enganou todos esses anos! Tentei me levantar, mas minhas pernas cederam. O cheiro de sangue impregnava o ambiente, fazendo com que meus sentidos lupinos se agudizassem dolorosamente. — Amor, você é minha metade! —gemia, enquanto minhas unhas começavam a se alongar involuntariamente contra o chão—. Eu te amo, mais do que a ninguém neste mundo! Por favor, não seja assim! — Você me enganou! —a voz de Álvaro se quebrou, revelando a dor profunda por trás da sua ira—. Fez-me me apaixonar por você, sem me dizer o que você é! Um monstro! Saia! Vou avisar os caçadores! Os últimos raios de sol se refletiam nas lágrimas que corriam pelas minhas bochechas, enquanto o som distante das crianças brincando na favela criava um contraste brutal com a cena de horror que se desenrolava naquela pequena casa. — A menina, ela é igual a mim, amor —disse com a pouca força que me restava, tentando que me entregasse minha filhinha—. Deixe que eu a leve, por favor. Ela não pode viver entre os humanos. — Você não levará minha filha a lugar nenhum! Ela viverá como uma humana; nunca vou dizer a ela que é um monstro como você —gritou Álvaro sem saber o que dizia. Estava claro para mim que ele não sabia nada sobre os licantropos. — Onde está? Onde você a escondeu? —perguntei desesperada, vendo como ele recuava—. É minha filha! Me dá ela! Álvaro colocou as mãos na cabeça, cheio de fúria e medo. Eu podiam sentir, esse terror tão humano que o paralisava e o tornava mais irracional a cada palavra que pronunciava. Ele dava passos desajeitados para trás, tentando manter distância de mim. Eu não lhe faria mal, mas estava fraca devido ao parto e ao veneno que ele me fez ingerir. — Basta, Vera! Não se aproxime! —exclamou, quase gritando. — Não vou te dizer! Saia, é meu último aviso! —gritou, parado na porta—. Vou sair! Quando voltar, não quero te ver aqui, ou juro que te matarei com minhas próprias mãos. Vejo-o sair batendo a porta. Me movo com dificuldade. Estou muito fraca pelo veneno letal que me fez engolir. Tentei me pôr de pé, mas caí novamente no chão. — Meu bebê, meu filhinha. Onde estará? —murmuro entre soluços. O barulho da porta se abrindo faz com que eu olhe nessa direção. Um homem bonito está parado ali. Ao me ver, corre para o meu lado. — Vera, irmã! O que aconteceu? Desculpe ter chegado tão tarde! —diz, enquanto me levanta do chão e me coloca em uma cadeira. — Fabio, irmão, obrigado por vir —digo, respirando aliviada com minhas últimas forças—. Precisamos ir agora. Você tem que me carregar, não tenho forças. — O que aconteceu? Por que você está assim? O que você tem? E o bebê? —me enche de perguntas Fabio, olhando ao redor. Sei que não podemos nos demorar; as ameaças de Álvaro eram sérias. Nesta área há muitos caçadores de lobos que estariam felizes em nos pegar. Seus olhos, tão parecidos com os meus, brilham sob a luz tênue do crepúsculo filtrada pelas janelas. Está evidente que está desesperado, mas não permite que o pânico o domine. — Vera —diz, apertando suavemente minhas mãos—, me diga agora, o que Álvaro fez? Onde está o bebê? Meus lábios tremem enquanto tento falar. A fraqueza me consome e sinto minha voz se quebrar a cada palavra. Quase não consigo me manter acordada. — Fabio, ele a escondeu... —paro, uma punhalada atravessa meu peito—. Ele a escondeu porque sabe que ela é como nós. Não quer aceitar. Ele me deu veneno, tentou me matar... Irmão, não temos tempo a perder. No caminho, te conto tudo. Vamos embora agora, por favor. Fabio reprime um gruñido. Sua mandíbula se tensa e seus olhos brilham com ira. Embora sempre tenha sido o mais sereno da família, agora posso ver o lobo nele, espreitando sob a superfície e pronto para sair. — Não devia ter esperado tanto —diz, enquanto se levanta e começa a examinar rapidamente a casa—. Vou buscá-la, Vera. Não importa onde a tenha escondido, eu vou encontrá-la. Mas primeiro preciso tirar você daqui. — Fabio, escute —digo, esforçando-me para ficar acordada—. Álvaro disse que voltaria. Se nos encontrar aqui, ele fará algo, tenho certeza. Há muitos rogues nesta favela. Além disso, você precisa me levar à bruxa da matilha, estou muito mal. Fabio assente e se aproxima de mim novamente, inclinando-se para me pegar nos braços. Embora eu saiba que sou um fardo, sua força sobrenatural mal parece notar meu peso. Ele me levanta com facilidade, protegendo-me como se eu fosse uma criança ferida. — Não se preocupe, irmã —diz calmamente—. Não vou permitir que ele te faça mais mal. Venha, tenho o carro lá fora. Quer que eu pegue algo? — Só aquela mala, com as coisas do bebê. —E lhe indico a bolsa, jogada em um canto.FABIO:
Coletou a bolsa e corre para pegar a minha irmã Vera, justo a tempo para que ela não caia no chão ao perder a consciência. Saio com ela e vou direto para minha matilha. Ao chegar, a levo à bruxa, que a examina. Ela sai com o rosto muito preocupado.
— Fabio, sua irmã foi envenenada. Não foi tão grave; se não fosse pelo fato de que ela acaba de ter seu filhotinho —me explica com a expressão carregada—. Fiz tudo o que pude, agora só nos resta esperar. — Obrigado, Graciela —digo pensativo, sentindo a culpa por não ter chegado na noite passada como ela me pediu. — Você não precisa se preocupar com isso —responde a bruxa—. E o filhote, onde está? — Não sei. Vera me ligou na noite passada, que fosse urgente, que estava em trabalho de parto, mas só hoje consegui chegar e a encontrei nesse estado —explico, querendo sair com urgência—. Ela não me disse onde estava o bebê, nem o que havia acontecido. Nem sabia que estava morando na cidade. Acho que o humano o levou. — Ela saiu há alguns meses, dizendo que ia trabalhar na cidade. Ninguém sabia para onde —me informa a bruxa, semicerrando os olhos—. Não voltou a ter contato com ninguém. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para salvá-la. Você deveria encontrar um rastreador para ver se conseguem achar o filhote. Lembre-se de que seu poder é muito valorizado pelos vampiros. — Sim, farei isso —digo, afirmo—. A deixo em suas mãos, Graciela. Muito obrigado por tudo. Volto para o quartinho onde peguei minha irmã, apenas para encontrar que tudo foi consumido pelas chamas. Olho desalentado para todos. Tentam descobrir se minha irmã estava relacionada com alguém, mas ninguém consegue me dizer nada. Volto triste para a matilha. Minha irmã continua igual e o filhote..., está perdido.