Nelly
As aulas passam rápido, logo é hora ir embora, eu espero que todo mundo deixe a sala para que eu possa fazer o mesmo. Ando em passos apressados pelo corredor, pedindo em minha mente que Tião, o motorista da minha mãe, já esteja lá fora me esperando.
Os dias se passaram rápido e estávamos adentrando o segundo mês de aula, tenho me mantido camuflada todo esse tempo, tentando passar despercebida entre o aglomerado de alunos da escola Carmen Lúcia. Embora, Alice insista uma proximidade constantemente e eu sinta que suas intenções são verdadeiras, me mantenho afastada, não acredito que alguém como ela queira ser minha amiga de fato.
Quer dizer, olha para mim?
Gorda e Feia.
Ninguém realmente gostaria de ser visto comigo.
Apresso meus passos, apertando a alça da mochila quando passo pelo grupinho de Edu, felizmente em alguns momentos como agora eles ignoram a minha presença.
Em alguns momentos.
Minha felicidade dura pouco, três passos de distância e Carlota finalmente nota minha presença, chamando pelo meu nome em uma voz fingida.
Ânsia se apodera de mim e não paro, praticamente correndo pelo corredor ainda tumultuado.
—Hey, garota... — Ela volta a me chamar.
Um
Dois
Três...
Apenas mais alguns passos e estarei segura em sua sala de aula.
Apenas mais alguns passos, Nelly. Só alguns passos.
Vozes continuam a me chamar, ainda existem alunos andando de um lado para outro, no entanto, consigo sentir a presença de Carlota bem atrás de mim, se tornando cada vez mais próxima e difícil de ignorar.
Uma mão agarra meu ombro e me vira com brutalidade, fazendo com que um lado do meu casaco desça pelo meu ombro e minhas costas batam no armário. Minha respiração está irregular quando foco nos olhos afiados da garota.
— Você não me ouviu chamar? — Sua voz parece irritada, mas ainda controlada.
Mordo a parte interna do meu lábio inferior, não conseguindo desviar dos olhos cinzentos.
— Desculpe... — Sussurro, incerta do que responder.
Ela empina mais o nariz e olha ao nosso redor como se estivesse checando algo, me olhando de volta quando termina sua inspeção, sorrindo para um piada interna. Sinto minha boca ressecar e tento forçar o cuspe pela minha bíli, ouvindo meus batimentos cardíacos aumentarem a cada segundo que ela continua a me olhar em silêncio.
O segundo sinal toca e os alunos começam a se dissipar, esvaziando o corredor e começo a me desesperar.
— Temos que ir. — Falo, retomando o caminho para aula de História quando a garota me segura pelo braço, ainda em silêncio.
Meu corpo congela e começo a temer por minha segurança.
Carlota é como uma abelha rainha, atraindo toda a atenção e nunca sendo desafiada, mas eu a desafiei quando não respondi ao seu chamado.
— Car... — Começo a falar, mas sou empurrada contra os armários.
Fecho os olhos, sabendo que isso era só questão de tempo.
— Quando eu chamo, você vem até mim. — Ela diz, próxima ao meu rosto e tudo que faço é assentir.
— Abra os olhos. — Diz, usando uma tonalidade suave, quase fraternal.
Faço o que pede, percebendo só então que se não fosse pelo seu pequeno grupo ainda afastados, estaríamos sozinhas.
— Sabe, Nelly. Você é bonita. — Ela diz, acariciando minhas bochechas com as costas de suas mãos.
Um calafrio percorre minha coluna cervical.
— Obri...Obrigado. — Digo.
Ela sorrir.
— Mas não o suficiente para ele ou qualquer outro.
Ele?
A garota percebe minha confusão, pois esclarece em seguida:
— Eu sei o seu segredo.
SEGREDO.
Eu ainda não sei do que ela está falando, mas percebo pelo canto do olho quando suas amigas se aproximam de onde estamos, deixando Eduardo e outro garoto para trás, embora a atenção deles esteja focada no que está acontecendo aqui.
Lágrimas começam a descer pelos meus olhos e não posso controlar o medo que se apodera de mim, continuo encarando os dois garotos, esperando que eles interviam em algum momento.
— O que nós vamos fazer com ela? — Uma das meninas pergunta, mas não as encaro para identificar qual delas falou.
Continuo olhando para o menino que achei ser bom.
— Vamos ensiná-la sobre respeito. — Identifico a voz de Carlota, evidenciando a maldade em seu tom e me encolho ainda mais.
As garotas me rodeiam, cobrindo toda minha visão.
Soluço, já temendo pelo pior.
Um tapa me acerta em cheio, fazendo meu rosto queimar.
— Não olhe pra ele de forma apaixonada nunca mais. — Carlota ruge.
Céus, de quem ela está falando?
Até que uma luz ilumina meus pensamentos.
Ele.
Eduardo?
Ela está falando dele?
— ELE É MEU! — Outro tapa, dessa vez mais forte e tombo a cabeça pro lado.
Tento cobrir meu rosto, sair do meio delas, mas sou impedida por tantos braços que acabo desistindo.
Outros t***s surgem, vindo de todos os lugares, tento me defender da melhor forma que consigo, mas são muitas.
Começo a me sentir fraca, cansada e perco o controle de meu corpo. Deixando cair lentamente de encontro ao chão. Algumas garotas passam a puxar meu cabelo e minhas roupas, rasgando metade da minha blusa.
— Não. — Gemo, cobrindo meu sutiã quando uma delas tenta o puxar.
— O que está acontecendo aqui? — Uma voz grave fala e tudo que posso sentir é as garotas se afastarem.
— Socorro... — Gemo, um pouco mais baixo do que eu queria.
— Porra! O que raios vocês estão fazendo? — A voz masculina ruge, parecendo furioso e finalmente consigo vê—lo.
Parado me olhando com incredulidade e raiva, está David Bragança, meu professor de história e agora, herói.
— Saiam do meio, caralho. — Diz, empurrando os corpos magros das garotas.
Ele me pega no colo, de forma protetora.
Vejo seu pomo de Adão subir e descer, enquanto vistoria meus machucados de perto. Não sei como estou parecendo, elas não tiveram muito tempo antes dele chegar, mas minha pele está ardendo e meu coro cabeludo lateja pelos puxões.
— Tudo bem, querida. Você está segura agora. — Seus lábios mergulham na minha testa e um beijo casto, mas reconfortante é deixado lá.
Assinto, acreditando firmemente em suas palavras.
— Eu vou ligar para os pais de vocês, farei de tudo para que sejam expulsas. Agora me digam o nome da líder. — Esbraveja, olhando uma por uma.
Nenhuma delas diz nada.
— Você. — Aponta para Carlota. — Quem fez isso?
— Não sei. — Diz, de forma meiga e fingida.
David ruge, parecendo impaciente enquanto me aperta em seus braços.
— Então, você estava passando pra ir ao banheiro bem na hora que eu passei, não é? — Ele diz de forma debochada.
— Exatamente isso.
Ele volta a rugir.
— O caralho que foi! Todas para a sala da direção, AGORA! — Grita, fazendo com que a garota trema.
Ela ajeita sua postura, não abaixando a cabeça quando o encara. É quase imperceptível, mas posso notar que existe algo mais na maneira que ela o olha.
É quase como obsessão e mágoa.
Como se eles fossem iguais e ele não devesse falar assim com ela.
— VÁ! — Ele volta a gritar.
E assim, ela sai, levando todas as outras consigo, mas sem demonstrar medo ou insegurança.
— Desculpe por não ter percebido antes, Nelly. Prometo proteger você enquanto estiver aqui.
E então, olhando fundo em seus olhos e ouvindo suas palavras, eu senti. Eu soube naquele momento que David Bragança era meu anjo da guarda, os seus braços me trouxeram a proteção e segurança que nunca encontrei nos braços de qualquer outra pessoa.