O pior geminiano
O pior geminiano
Por: Ludmila Bahia
Capítulo 1

Eu desejo que Marcelo F. Moreira morra!

O meu chefe é o cara mais idiota do mundo. Eu não deveria estar fazendo o papel de babá dele, não importa o quanto ele diga que irá me pagar por esse "favor", que não é o primeiro que tenho que fazer fora do horário de meu expediente, já que esse idiota não pode ver uma mulher linda e gostosa.

Eu tenho certeza que o “F” abreviado no cartão de visitas dele não é de Farias, mas sim de filho da puta.

— Obrigada — agradeço à motorista do Uber, reforçando o pedido para que ela me espere.

Parece que meu chefe não entende que não possuo uma carteira de motorista e muito menos tenho um veículo para ficar andando para cima e para baixo atrás dele. Para falar a verdade, tenho muito medo de direção desde a morte de um primo em um acidente de carro, por isso não tirei a carteira e nem me preocupei em comprar um.  

— Ok, respire fundo, Ana Luísa — repito para mim mesma mentalmente pela décima vez, antes de caminhar até o prédio glamoroso em frente à praia da Barra da Tijuca.

Fico feliz em ver que Marcelo está do lado de fora, pois assim não vou precisar subir pelo elevador de serviços.

— Conseguiu se livrar dessa antes que eu chegasse? Estamos evoluindo aqui? — pergunto debochadamente.

O sol está de matar e mesmo assim ele está de terno e gravata. Provavelmente, o happy hour da noite passada se estendeu além do desejado. Marcelo detesta terno e gravata, mas precisou usar no dia anterior para uma apresentação da empresa.

— Se você não tivesse deixado claro o quanto odeia fazer isso, juro que acharia que você está se divertindo, Ana Luísa — diz Marcelo cinicamente, abrindo seu famoso sorriso que derrete qualquer mulher, porém, sou imune a ele.

Pois é, parece que sempre tive uma imunidade dirigida a homens egoístas e babacas. Me orgulho muito disso.

— Claro que eu me divirto tendo que buscar meu chefe quase no horário do meu expediente, após ele ter pernoitado do outro lado da cidade.

Enquanto caminhamos até o carro, pergunto:

— Você sabe que eu tive que vir de Santa Tereza para cá, não é?

O silêncio dele, para mim, é uma resposta. Porém, ele se vira e abre a porra da boca:

— Não é como se fosse algo feito de graça. Eu te pago, e muito bem, pelos seus favores todas as vezes que preciso de algum. Pare de reclamar e entre no carro. — Ele abre a porta traseira para que eu me acomode.

Sem mais palavras, deslizo para o banco e ele senta ao meu lado, para a frustração da motorista que está babando por Marcelo.

O cara faz o tipo de muitas mulheres. Quando o conheci, há dois anos, seus cabelos eram curtos, mas agora os fios não passam de uma mistura de castanho claro com loiro que caem sobre os ombros. A barba é cuidada e aparada, quase que milimetricamente, emoldurando o largo sorriso, doce e caloroso, que ele entrega a todos com os olhos cor de mel fechando o pacote de sedução. E ela, a motorista, ainda não o tinha visto com roupas normais, mas pela moldura do terno em seu corpo, já dá para notar que Marcelo malha, e não é pouco.

No bolso do terno, o celular de Marcelo toca. Vejo-o relutar para atender. Assim que Marcelo pega o aparelho, noto na tela o nome que sempre causa dor de cabeça: Felipe Camargo.

Marcelo ignora a ligação.

***

Olho para o meu visual em frente ao prédio espelhado. Tudo ok, nem as duas horas que levamos no trânsito conseguiu estragá-lo. Eu caprichei, afinal hoje é um dia importante para a empresa. Marcelo havia trabalhado em um grande projeto para um dos nossos principais clientes, conseguindo dobrar o investimento e o tamanho da campanha. Hoje será o dia de ele mostrar cada etapa deste trabalho que esteve supervisionando de perto.

Eu estou orgulhosa desse idiota.

Ele é bom no que faz. Mas passar a noite com uma mulher que mal sabe o nome e estar com o mesmo terno que havia usado na noite anterior me deixa possessa. Ele não podia ser só um pouquinho mais responsável? Não importa que tenha tomado banho no local onde passou a noite, ele ainda está com a roupa do dia anterior quando deveria estar impecável para apresentar um projeto que dependia inteiramente dele.

 Enfim, agora já era. Chegamos ao luxuoso saguão do prédio onde fica o nosso escritório. É um lugar lindo, nunca canso de admirá-lo. Quatro dos quinze andares são dedicados à nossa empresa. É estranho eu dizer isso, já que sou apenas um membro da equipe e não a dona ou coisa do tipo, mas me sinto parte desse lugar. O corredor até o moderno elevador está vazio. Quando entramos, não tem ninguém para subir junto com a gente, por isso me distancio ao máximo de Marcelo.

— Teremos um longo dia hoje, Ana Luísa — Marcelo fala enquanto ajeita o relógio no pulso.

Essa informalidade me mata. Entretanto, meu chefe insiste para que mantenhamos na empresa esse ambiente "amigável", descontraído. Contudo, isso não impede que, por outros diversos motivos, ele mande várias pessoas para o olho da rua. É difícil termos uma equipe unida, não demora muito para que ele enjoe do trabalho de algum dos designers ou encontre problemas "sérios" em alguém do administrativo. Marcelo gosta de um trabalho extremamente bem feito.  Felizmente, principalmente para ele, eu exerço minhas tarefas com grande profissionalismo e excelência.

— Com certeza. Porém, estamos com certa vantagem de tempo. Consegui terminar as planilhas do projeto dos HausGo anteontem e como remarcamos as provas das embalagens finais, podemos sair um pouco mais cedo hoje.

— Isso é maravilhoso, Ana Luísa. Me envie as planilhas...  

— Eu já enviei, senhor Moreira — digo enfatizando a formalidade enquanto ele me envia um olhar sério, mas logo seus lábios se abrem em um sorriso.

— Odeio quando você me chama de senhor Moreira, parece que está falando do meu pai — comenta ele com um sorriso ainda mais largo.

— Sério, senhor Moreira? Nesses anos de trabalho eu nunca percebi que o senhor não gostava. — Mudo o tom de voz, fazendo-a soar anasalada.

Ele gargalha.

Estou imitando Larissa, namorada insuportável de Felipe Camargo. Tão insuportável quanto o próprio. Eu consigo imitar com perfeição a voz extremamente anasalada e irritante dessa vaca.

A porta do elevador se abre e mais algumas pessoas entram. O nosso andar é o próximo.

Saímos como um furacão e é aqui, no andar principal, que nos separamos. Vou para minha, quase, confortável cadeira enquanto Marcelo entra em sua sala com cadeira presidencial. Não sem antes dizer obrigado.

Abro minha pasta e retiro minha checklist do dia. Preciso verificar vários aspectos da viagem que Marcelo precisará fazer em três dias. Um saco, mas é meu trabalho e eu gosto que tudo esteja bem feito. Aliás, minha mesa está uma bagunça, mas antes que eu possa começar a arrumá-la, meu celular toca. Destravo a tela e abro o aplicativo do WhatsApp. É Adriana, minha irmã:

"Alerta do trânsito Planetário para Gêmeos: Tendência a ocorrer brigas por motivos fúteis. Desarmonia entre o céu e a Lua do mapa astral. Cuidado redobrado com discussões com pessoas que estão no seu círculo social, mas, principalmente, no trabalho.”

 Quer que eu veja o seu trânsito também? :)

Não sei por que fui falar o signo de Marcelo para ela e, o pior, ela fez com que eu conseguisse tirar dele dados suficientes para montar um mapa astral! Imagine como foi super normal perguntar para o chefe em que horário ele nasceu. A sorte é que Marcelo adora falar sobre si mesmo, ainda mais se isso lhe der em troca algumas informações sobre mim. Então, acabou sendo uma troca divertida. Agora, isso de signo de gêmeos, céu e lua... Adriana acha que pode dizer algo sério para mim usando o horóscopo? Não acredito nessas besteiras.

"Me deixe em paz!

Obrigada por avisar, mas você sabe que não acredito em nada disso. Manda um beijo para a Mãe. Irei visitar vocês em breve.

Beijos, vacuda, estou no horário de serviço."

Era só o que me faltava, signos!

Acabo esquecendo a mensagem da minha irmã até o fim da reunião quando checo o celular novamente e vejo que recebi um emoticon de coração em resposta ao que havia dito. Por falar em reunião, que desastre! Sim, eu posso culpar Marcelo, pois sua paciência parece não existir. Ele estava irredutível sobre qualquer mudança em seu projeto. Por mais que a nossa empresa tenha nome, que os clientes confiem plenamente em nossas decisões e em sua maioria aprovem os projetos de primeira, com esse não rolou. Nesses casos as coisas deveriam ser bem simples: é só ver se as mudanças são viáveis.

E sim, eram!

O problema estava sobre quem sugeriu as alterações. Tinha que vir do — juro que estou tentando não falar palavrão — idiota do Felipe Camargo. Sim, eu tenho certeza de que isso foi apenas para se mostrar na frente do Sr. Edson Salles Moreira, pai do Marcelo e dono da empresa.

Enquanto penso em tudo o que ocorreu na reunião, o telefone sobre minha mesa toca:

— Venha até minha sala, agora! — Do outro lado da linha, a voz de Marcelo soa sem nenhuma delicadeza. Também pudera, graças a todas as alterações que ele se negou a fazer, o Sr. Edson transferiu o projeto para as mãos de Felipe. Ele não está com raiva, ele está com ódio de tudo e todos. E isso me inclui, mas se ele alterar a voz de novo para mim, juro que o ponho no lugar.

Levanto da minha mesa e ajeito minha saia lápis cor vinho.

"Ok, respire Ana Luísa."

Abro a porta de madeira e caminho rapidamente até sua mesa acompanhada do barulho desconcertante de meus saltos batendo no piso. Estou com a agenda aberta e a caneta pronta.

— Não é justo — Marcelo diz, de repente. É possível sentir seu ódio e sua dor em cada palavra. Ele está mal. — Eu trabalhei que nem um louco nesse projeto. Praticamente escravizei todos vocês e a mim também, eu me dediquei em cada fase e momento, e agora pedem uma alteração ridícula dessas? Isso é coisa do Felipe, ele sempre está tentando acabar com os meus planos.

Ok, ainda não estamos na fase de cancelar todos os compromissos do dia para ele sair para beber com os amigos, como já aconteceu algumas vezes.

— Concordo, eu também não acho que seja justo — digo, atraindo o seu olhar para mim. — Assim como não foi justo você ficar insistindo nessa questão, era só fazer a alteração.

— Eu sei o que é melhor para esse projeto — ele afirma.

— Eu não tenho dúvidas disso, contudo, quem está pagando pelo projeto não é você. Esse é um cliente importantíssimo. Se ele pedir para fazer uma alteração para colocar um pênis em uma embalagem de refrigerante, você simplesmente deveria fazê-lo ou, de uma maneira madura, tentar persuadi-lo. Às vezes me simpatizo com o Marcelo, por isso é que lhe dou conselhos. Ele logo entende o que eu quero dizer e abre um sorriso.

— Então, marque um jantar informal com o CEO para hoje mesmo...

— Não seria melhor para amanhã? — bem, confesso que a mensagem da minha irmã mexeu comigo. Quando vi a reunião inteira, planejada há semanas por mim, ir por água abaixo, deduzi que somente isso poderia explicar os acontecimentos de hoje. Até comigo Marcelo está arisco. “Círculo Social e no trabalho” isso estava se repetido centenas de vezes na minha cabeça. — Hoje você está muito sobrecarregado. Posso verificar se ele tem disponibilidade para um almoço com você amanhã.

— Um almoço. É algo bem descompromissado. Vou confiar isso a você. Verifique a minha agenda e marque.

— Tudo bem, farei isso. Mais alguma coisa, Sr. Moreira?

— Que tal fazermos um happy hour hoje? Sei que você está feliz de poder sair cedo, mas acho que seria bom. Sabe, para o clima na empresa. — Ele pega um elástico na sua gaveta e prende o cabelo em um coque.

— Por mais que eu adore confraternizar — mentira, eu odeio fortemente quando se trata de colegas de trabalho —, não é uma boa ideia fazer isso hoje, mas no fim de semana seria perfeito.

“Teu signo disse que sociabilidade não seria bom hoje, sossega o facho homem!”

— Nos fins de semana estou sempre ocupado. Fica para uma próxima, então — ele declara com um sorriso simpático, mas que me diz que não existirá uma próxima enquanto ele se lembrar desse “não”.

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