Pela enésima vez, Penélope Teixeira verificou sua imagem no grande espelho do salão principal da mansão Freitas. Apesar de o cabelo estar perfeitamente penteado e cortado na altura dos ombros, deslizou os dedos pelos fios marrons ajeitando-o. A maquiagem leve e o blush não conseguiam disfarçar sua palidez, nem o receio refletido em seus olhos cor de avelã.
Não queria transparecer o quanto o retorno do filho de Roberto Freitas a abalava, no entanto, a cada segundo, a cada tique-taque do enorme relógio próximo à porta de madeira maciça, suas mãos suavam. A expectativa e o medo lhe causavam náuseas.
Oito anos. Não via e nem falava com Diego há oito anos, mas parecia que se passara somente uma semana. O olhar furioso e ressentido de Diego a assombrava em muitos de seus pesadelos. O pior é que não era só as lembranças ruins daquele encontro que a preocupava...
O celular em seu bolso a despertou do redemoinho de lembranças sugando-a, transportando-a para um tempo que era melhor esquecer.
— Alô!
— Oi, amor!
— Lucas?!
— Quem mais seria? — Lucas, seu namorado, questionou com riso na voz.
Penélope censurou-se por sua estupidez e distração.
— Perdão. A correria com a recepção do filho do senhor Freitas e com a festa de aniversário, estão me enlouquecendo — justificou caminhando até a sala de estar e sentando na beira do grande sofá branco.
— Com tanto dinheiro, por que não contrataram alguém?
— Contratou. Estou apenas supervisionando o trabalho. Sabe como o senhor Freitas é... — Procurou mentalmente a palavra certa para descrever a obsessão por controle e perfeição de Roberto Freitas sem ofendê-lo. Apesar das diferenças que tinham, e do que passou por culpa dele, lhe devia muito e tentava não critica-lo pelas costas. — Preocupado que tudo saia perfeito — completou por fim.
— Ele é um canalha que abusa da sua bondade.
— Não é bem assim — retrucou, girando e esfregando distraída o pingente de flor de seu colar, último presente de sua falecida mãe.
— É sim. Você que não se deu conta.
Penélope mordeu o lábio inferior, contendo a vontade de defender Roberto. Lucas odiava quando fazia isso. No entanto, ele não sabia o real motivo que a fazia agir assim, sua gratidão e – como Lucas acusava – submissão aos pedidos do Freitas. E, mesmo que soubesse, duvidava que mudasse de opinião.
Carla, governanta da mansão, uma senhora baixinha de cabelo alvo preso em um coque alto, a chamou.
— Lucas, tenho de desligar — disse levantando-se, mentalmente agradecendo a interrupção. Odiava essas discussões sem sentido com o namorado.
— Entendo. Te vejo na exposição. Lembre-se que preciso de você ao meu lado — disse com voz manhosa antes de encerrar a ligação.
Com um suspiro melancólico, Penélope guardou o celular. Também precisava de Lucas ao seu lado para aliviar a pressão em seu coração apavorado. Porém, jamais mostraria fraqueza a ele ou a quem quer que fosse. Prometeu isso a sua mãe no leito de morte e cumpriria a qualquer custo.
— Penélope, ele chegou — informou a governanta aguardando sua volta para o salão da entrada.
Inspirou profundamente e expeliu o ar devagar, secou as mãos no vestido floral, de alças finas e decote coração que terminava acima dos joelhos, e as uniu em um aperto forte frente ao corpo.
Tensa, andou hesitante até o salão e se posicionou de costas para as escadas, que levavam ao segundo piso, e de frente para a grande porta da entrada. A mesma que Diego fechara há oito anos com o coração mergulhado em ódio.
Tantos anos deveriam prepará-la para aquele reencontro. Deveriam, mas não prepararam. Quando seus olhos encontraram com os de Diego, sentiu como se fosse lançada em uma máquina do tempo, direto para o primeiro encontro deles.
~*~
Comemorando seus recentes dezesseis anos, Ana Vieira ganhara do namorado cinco anos mais velho, Pedro, identidades falsas para ela e suas melhores amigas. Assim, Penélope e Jéssica Castro, poderiam acompanhá-la em uma boate na capital de São Paulo.
De início, Penélope e Jéssica se negaram a aceitar o documento falso, por medo da reação dos pais, mas a persistência e choramingo de Ana acabaram por vencê-las. Ana tinha argumentos para cada contestação, a mais eficiente era que, com os pais delas trabalhando no turno noturno da fábrica de porcelana Freitas & Mendez, dificilmente seriam descobertas se voltassem antes das quatro da manhã, fim do expediente deles.
Ana estivera preparada para aquela situação, que a motivara a incluir as amigas, em especial Penélope. Seu plano era ela e Jéssica pedirem aos pais para passarem aquela noite na casa da amiga, a única que morava somente com a mãe. E, melhor ainda, Paloma, mãe de Penny, trabalhava como secretária do exigente Roberto Freitas e do filho mais velho dele, que nos últimos dias viravam a madrugada na fábrica. Paloma seria a última a retornar para casa e não notaria que a filha e as amigas tinham passado a noite fora.
Resistências vencidas, à noite, Ana levara algumas mudas de roupas a casa das Teixeira. Penélope e Jéssica tinham somente roupas simples e o uniforme da escola, preferindo calças e camisetas, no lugar de vestidos chamativos como os oferecidos pela aniversariante. Também foi Ana a encarregada das maquiagens, caprichando para aumentar a verdadeira idade das três.
— E se ligarem para a casa da Penny? — questionou Jéssica puxando a saia preta de lycra para baixo, o que não adiantou muito, pois o tecido voltou ao lugar, vergonhosamente pouco abaixo das nádegas. — Meu pai vai me matar se me vir assim... — murmurou ao descer do carro de Pedro, namorado de Ana e funcionário da boate Artêmis, que as deixou em frente à longa fila para entrar. — Quantas pessoas!
Assim como Jéssica, o medo de Penélope aumentou ao chegar ao local, mas, deslumbrada, não pensava em voltar correndo para casa. Se soubesse o caos que sua vida se transformaria por causa daquela noite, teria fugido na mesma hora.
— É, e nós temos passe livre — informou Ana mostrando três cartões verdes com o logo da boate e a palavra VIP em destaque. — Relaxe e curta essa noite. A primeira de muitas. — prometeu com um sorriso brilhante, voltando-se para plantar um beijo estalado na boca do namorado.Despedindo-se de Pedro, Ana tomou a frente das amigas e as levou até a área VIP da festa, mostrando os crachás que recebera do namorado. Tinha a sorte do namorado conseguir a vaga para dividir com outro DJ a mesa de mixagem da boate, posicionada acima do lugar em que estavam. Assim que ele ocupou o lugar do outro rapaz, Ana gritou seu nome e balançou os braços no ar para chamar sua atenção. Se ele notou a festa da namorada, não demonstrou.Voltaram à atenção para as pessoas dançando na pista, a maioria nenhuma delas conhecia, em parte por serem meras estudantes, e também pelo mais óbvio: Só pessoas com muita grana ou influência podia entrar no Artêmis. Faziam parte da classe trabalhadora, não pertenciam aquele mund
O estranho só afastou seu toque flamejante quando se acomodaram em volta de uma mesa escolhida por Ana.O alívio durou pouco. No lugar havia um sofá em forma de U de seis lugares e uma mesa de vidro, enorme o suficiente para Penélope manter distância do atraente homem, mas Ana fez com que se senta-se ao lado dele. Estavam tão próximos que seu braço nu roçava o dele causando uma sensação gostosa que, ao mesmo tempo, a confundia. Era como se uma força invisível a atraísse para ele, envolvendo-a em um calor aconchegante, acelerando seus batimentos e fazendo-a desejar se aninhar a ele.— Oh, que cabeça a minha! Nem me apresentei. — Ana estendeu a mão com sua alegria esfuziante, sem vergonha alguma em dizer o sobrenome falso que estampava as identidades. — Sou Ana Waldorf. — O sujeito sorriu minimamente e aceitou o cumprimento, enquanto Ana terminava as apresentações. — Essas são minhas primas, Penélope e Jéssica.Penélope suava frio, com medo de ele associar o sobrenome falso ao da estrel
Na ocasião os olhos escuros brilhavam de excitação, uma promessa muda de que voltariam em ser ver em breve. Naquele momento, apresentavam uma frieza e desprezo que apagaram imediatamente o sorriso amigável de boas vindas de Penélope.Ele a odiava, não havia a menor dúvida e nem esforço em ocultar esse fato.Aprumou o corpo, passando as mãos nervosamente por sua roupa, fazendo o seu melhor para que ele não percebesse o quanto o tratamento frio a afetava. Não era mais uma adolescente tola e sonhadora, era uma mulher realista e decidida, não o deixaria atingir seu coração novamente.— Que bom revê-lo, Diego — cumprimentou com educação, esperando que esse gesto o fizesse corresponder da mesma forma.Ledo engano. Ele ignorou totalmente a cortesia, fazendo questão de demonstrar isso com corpo, gesto e olhos.Contra a sua vontade e desgosto, estremeceu quando o olhar glacial percorreu seu corpo de baixo para cima, a boca retorcida de desdém.— Não posso dizer o mesmo — ele devolveu antes de
Bateu com firmeza na porta do quarto de Roberto e, após receber permissão, entrou devagar no recinto, crispando o rosto ao encontrar o ambiente na penumbra, as pesadas cortinas marrons cerradas, o ar pesado. Sem aguardar autorização, afastou as cortinas, deixando a luminosidade do fim de tarde irradiar sobre cada parte do dormitório, e abriu a porta dupla que dava passagem para uma pequena varanda.— Feche-as! — ordenou a voz severa que em outros tempos a fazia tremer de medo.— O senhor precisa de ar puro e luz — informou firme antes de sentar em uma das cadeiras acolchoadas da mesa de café próxima da cama. — Isso é um quarto, não um túmulo.— Esse é o seu ponto de vista — ele resmungou amargurado.Apesar de compadecida com a crescente fragilidade dele, Penélope ocultava seus reais sentimentos e o tratava com severidade. Roberto abominava sentimentalismos e cobrava o mesmo das pessoas ao seu redor, embora recorresse a eles desde o diagnóstico.Roberto sucumbira ao tom mórbido após a
Diego passou horas andando pela mansão, recordando em cada canto algo que o fazia sorrir ou entristecer. As conversas descontraídas, as brigas e birras com o irmão mais velho, Luiz, pareciam alojadas em seu quarto e no dele. As broncas carinhosas de sua mãe refletiam em cada objeto frágil, no corrimão de madeira e na janela com grades ao fim do corredor dos dormitórios. Sorriu ao tocar uma barra de ferro. Lembrando a época que não existia nada para impedir que pulasse por ela e quebrasse o braço na queda.Em alguns momentos amargurou o que podia ter sido e não foi. Os planos de Luiz para o futuro da fábrica, levitando pelo escritório principal. Os seus planos recepcionando-o na porta de entrada...Adiou ao máximo, mas no fim acabou parado em frente ao quarto de seu pai, sendo engolfado pelo fantasma de uma união que parecia indissolúvel. Sorrisos, lágrimas, carinhos e acusações, estavam trancados naquela quarto.Mergulhado em lembranças, moveu a cabeça devagar em direção as escadas ao
Diego nunca imaginou ter que odiar uma pessoa tão pequena, mas era isso que se cobrava ao olhar para o menino, fruto do caso extraconjugal de seu pai com a mãe de Penélope. Era uma criança, de redondos olhos inocentes, uma doçura latente em seu sorriso, no entanto, Diego não queria e nem podia simpatizar com o garoto. Por isso, no lugar de segurar a pequena mão estendida, cerrou a sua, negando-se a demonstrar qualquer sinal de que aceitava a presença do garoto em sua casa.— Diego — Roberto resmungou, encarando-o com advertência.O aviso na voz e o olhar imperioso de Roberto forçaram Diego a apertar a mão infantil. No entanto, não respondeu o cumprimento. Fazia muito não revelando que o homem que Samuel chamava de vovô, na verdade, era pai de ambos.— Senhor Freitas, Samuel precisa tomar banho e jantar — interveio Penélope levantando. Não suportava quando alguém destratava Samuel na sua frente. Era preferível retirar o irmão daquele quarto ao invés de socar o herdeiro do Freitas.Leve
Esse intenso desejo fez com que, após duas noites aguardando a volta de Penélope, Diego utilizou a amizade com o dono da Artêmis e o nome dado por Ana para alcançar seu propósito, conseguindo a informação de que Pedro, o novo DJ, pediu os crachás VIPs para a namorada e suas amigas. Assim que Pedro terminou o serviço na boate, Diego o abordou e pediu o telefone de Penélope. Ciente que se descobrissem a idade da jovem perderia o emprego, Pedro se negou com a desculpa de que não sabia. Persistente, Diego o convenceu a pedir para Ana ajuda-lo a encontrar Penélope. Com medo das mentiras serem descobertas, a princípio, Penélope se negou a encontrar Diego. Só que Ana choramingou tanto em seu ouvido que o namorado perderia o emprego, que terminou por aceitar. Não se perdoaria se um inocente se prejudicasse por sua causa. Seu ponto fraco era a consciência. No dia combinado, empapou o rosto de maquiagem, para parecer mais velha. O humor piorando a cada pincelada de sombra, blush e produtos q
Penélope admitia que foi uma jovem ingênua, cega pela beleza e galanteios de um homem, recordou Penélope com desgosto. Diego transpirava poder e sensualidade, seu toque - até o mais sutil - a arrepiava da cabeça aos pés, e seu olhar a deixara cativa. Foi educado, inteligente, o oposto dos caras de sua idade e, ao final do encontro - esquecendo seu propósito inicial - prometeu encontrá-lo dias depois.Com o passar dos dias o encantamento deu lugar ao amor. Tola, pensou que o desejo de Diego também se transformara em um sentimento mais profundo, caindo nas malhas do destino, cujas consequências só lhe causaram – e causavam – sofrimento.— Amor!Sobressaltou-se ao ter a cintura envolvida pelo abraço de Lucas. Não percebendo a tensão que a dominava, ele a beijou rapidamente nos lábios e a conduziu em direção a dois homens e uma mulher.— Venha! Quero lhe apresentar a uns amigos.Penélope se deixou levar. Sorriu, conversou e ouviu tudo com a mente dispersa. Nada que os demais notassem. Com