CAPÍTULO 1

CAPÍTULO 1

"Experiência é o nome que alguns dão aos seus próprios erros..."

(OSCAR WILDE)

JOÃO CARLOS ESTAVA EM SUA MESA olhando incrédulo para a montanha de papéis à sua frente quando ouviu baterem na porta.

     - Pode entrar – disse ele rudemente.

     - Desculpa, senhor João – disse sua secretária amistosamente –, mas o senhor tem uma reunião agora com o presidente, quer que eu avise que o senhor vai se atrasar alguns instantes?

     João colocou as mãos sobre a cabeça num completo ato de desespero e bufou de raiva tentando conter a bronca que precisava dar a si mesmo.

     Que droga viu...

     - Puxa vida, tinha me esquecido completamente dessa bendita reunião, por gentileza, avise sim, diga que já estou a caminho.

     Ele respirou fundo tentando manter o pouco de sanidade que ainda lhe restara.

     - Preciso que ligue para minha esposa também e diga que vou me atrasar um pouco para o jantar, tinha me esquecido dessa reunião.

     - Claro, senhor, será feito.

JOÃO ESTAVA CORRENDO E PERCEBEU que um de seus funcionários sentado chorando.

     - E aí, alguém está errado aqui, não acha?

     - Desculpa, senhor... eu...

     - Meu querido, não temos tempo de chorar, vivemos de resultados, já não é a primeira vez que vejo o senhor pelos cantos chorando, se não está feliz aqui, as portas estão abertas,  pode chorar a vontade,  desde que seja longe daqui.

     Francisco virou as costas e foi caminhando lentamente, o que deixou João ainda mais fulo da vida com o homem. Ele pegou seu telefone celular.

     - Alô, sim, senhorita Marquese, por gentileza, peça para o RH preparar a papelada do chorão, não... já cansei, sei que ele tem problemas, mas todo mundo tem problemas, só que ele tem se tornado o meu problema, só faça o que estou pedindo, por favor... obrigado.

JOÃO CARLOS ENTROU NA SALA de reuniões e percebeu que havia sido o último a chegar e viu o presidente sorrindo e todos os outros gerentes sorriam junto com ele.

     - Desculpa, senhor Hernandes - antecipou João Carlos – estava resolvendo alguns assuntos urgentes.

     - Claro, João – disse o presidente sorridente e aparentemente despreocupado, Estevão Hernandes, dono da empresa em que João trabalhava -, entendo perfeitamente como é isso, sente-se e vamos começar a reunião.

- COMO TODOS SABEM – COMEÇOU O PRESIDENTE – o mundo financeiro passa por um momento difícil e quer bater à porta de todas as empresas, mas acredito no poder da inovação e criatividade em momentos assim, essa não é a primeira crise e nem será a última...

     João não ouviu uma única palavra do que seu chefe dizia, até que começou a vez dos diretores executivos das unidades falarem. Um a um João Carlos foi passando a palavra.

     O senhor Hernandes discutia um-a-um vendo o lado positivo e negativo das ideias, e todos, unânimes, concordavam com suas ideias, não porque ele era o chefe e queriam agradá-lo, mas porque realmente ele estava certo e tinha a visão exata para cada empreendimento sob seu controle.

     Todos falaram até chegar a vez de João Carlos.

     - João?

     Ele sentiu um companheiro lhe cutucar por baixo da mesa e saiu de seu transe.

     - Hã? Desculpe, senhor Hernandes, não ouvi o que o senhor perguntou.

     O presidente sorriu gentilmente, juntou entrelaçando os dedos sobre o rosto num total ato de curiosidade e repetiu a pergunta.

     - Perguntei qual estratégia criativa tem a nos oferecer para que possamos continuar crescendo nesse momento de crise econômica mundial, acredito que estava pensando em algo relacionado a isso, não é mesmo?

     - Claro – mentiu ele – podemos trabalhar mais forte no mercado dos cosméticos, é uma área que cresce cada vez mais indiferente da crise, as pessoas precisam se sentirem bonitas mesmo quando passam por problemas.

     - E você se sente bonito nesse momento, João?

     Todos seguraram o riso.

     - Claro, porque não me sentiria, senhor?

     O senhor Hernandes sorriu novamente.

     - Peço a todos que se retirem, a reunião está encerrada, agradeço a todos pela cooperação, foi importantíssima a colaboração de vocês, só peço a atenção do senhor João Carlos por mais alguns instantes.

     Todos se levantaram e se retiraram, ficando apenas o presidente e João na sala.

     O presidente subiu na mesa e sorriu para ele.

     - Então, senhor João, se sente bonito hoje?

     - Desculpa, senhor... mas...

     - Sabe o que significa a palavra "criatividade"?

     - Claro, trazer algo novo, uma coisa que ninguém pensou.

     - Quase isso - disse ele sorrindo -, criatividade é você sonhar com algo e realizá-lo primeiro que os outros.

     O presidente continuava o fitando.

~~~

“Criatividade é você sonhar com algo e realizá-lo primeiro que os outros...”

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     - Quantas matérias você leu para isso na reunião?

     Ele pensou por um milésimo de segundos, mas preferiu falar a verdade.

     - Nenhuma, senhor, disse a primeira coisa que me veio à mente.

     - Falar sem pensar é como disparar uma arma de fogo sem mirar no alvo, dificilmente você atinge o alvo e se atingir foi por pura sorte, e como não acredito na sorte no mundo dos negócios, então já sabe, não é?

     - Entendi, senhor, não acontecerá novamente.

     - Claro que não acontecerá, você é um jovem muito esperto e inteligente, tem um futuro maravilhoso pela frente, desde que agilize seus papéis em sua mesa e esqueça um pouco o que aprendeu na faculdade.

     - Desculpa, senhor, até avisei minha esposa que chegarei um pouco mais tarde por causa disso.

     - João, existem coisas importantes na vida de um homem, mas nada pode ser mais importante que sua família, você já jogou Tetris, por acaso?

     - Claro, quem nunca jogou Tetris?

     - Não... digo jogar para vencer, são duas coisas completamente diferentes.

     - O que o senhor está querendo dizer com isso?

     - O segredo do sucesso segue a mesma regra do jogo, se você deixar acumular as peças, você perde, mas a partir do momento que você elimina as peças que impedem seu sucesso, vence. A vitória é o objetivo de qualquer pessoa em um jogo, na vida pessoal ou no mundo dos negócios, mas para isso precisa encaixá-las no lugar certo, exige inteligência e estratégia, quando temos essas duas ferramentas essenciais para um líder, você não apenas elimina as fileiras desejadas, mas consegue eliminar duas, três até quatro problemas com uma jogada só, isso é estratégia de uma pessoa que está no jogo para vencer, e isso independe das peças que a vida nos dá, pois ela nem sempre nos dá as peças que mais precisamos, às vezes parece até que foi tarde demais quando ela chega.

     - Nunca tinha pensado por esse ângulo.

     - Claro que não, e xadrez, você joga?

     - Nunca tive interesse em jogos de tabuleiro.

     O Chefe deu risada.

     - Um líder tem a obrigação de jogar xadrez, João, você precisa pensar rápido, formular as jogadas com inteligência, para um líder não existe a possibilidade de derrota, muito menos a possibilidade de que cada jogada não seja de sua responsabilidade, seu foco é o sucesso pessoal juntamente com o coletivo, e se ele precisar escolher um dos dois que seja o coletivo, pois ele faz parte do todo, sendo assim, vai ser vitorioso da mesma maneira.

     João nunca tinha pensado daquela maneira, tinha achado que somente sua faculdade de administração já lhe garantiria o sucesso que estava precisando na vida.

     - O que vejo em você é um excelente administrador financeiro, João, você domina os números como se fossem seus escravos, e isso é um talento admirável, mas a meu ver, as pessoas não são números, são seres individuais, repletas de talentos extraordinários e fracassos consertáveis, um chefe sabe ver quem é bom ou ruim e exclui os "ruins", mas o líder sabe desenvolver sentimentos positivos, transformam as pessoas não tão boas em excelentes, isso se chama "estímulo", e uma pessoa estimulada, ou motivada como queira entender, faz coisas impossíveis acontecerem nos corações de seus liderados, o que tem te estimulado ultimamente, João?

     João engoliu a saliva seca em sua boca e continuou mudo.

     - Como pensei, por ser seu chefe, acredito que nessa parte sou o grande responsável por você não estar tão estimulado como deveria estar.

     - Não senhor, muito pelo contrário, o senhor é um líder maravilhoso.

     - Não, João, todos nós somos responsáveis uns pelos outros, se alguém abaixo de você não está estimulado da maneira correta, a culpa é sua também, e eu assumo a minha culpa e quero resolver isso.

     - Desculpa, senhor, mas...

     - Vamos mudar o foco da nossa conversa por enquanto, senão vamos sentar e começar a chorar aqui por causa das nossas imensas falhas, e não é isso que queremos, como está sua família?

     João não sabia explicar, mas naquele momento veio à sua memória o funcionário que vivia chorando pelos cantos.

     - Está bem – disse ele voltando seus pensamentos para a conversa –, senhor, tenho uma esposa maravilhosa, amorosa, compreensiva, inteligente, bonita... e um filho que só posso agradecer à Deus pela vida dele, ele supera todas as minhas expectativas.

     - Sabe por que você sabe reconhecer as qualidades de sua esposa?

     - Porque a amo...

     - Isso mesmo, João, o amor em um relacionamento faz com que você veja coisas boas nas pessoas e releve suas falhas sem que isso atrapalhe em nada no processo, mas vou deixar essa lição para depois, só quero que você entenda superficialmente no momento o que deve ser importante para um líder, esse relacionamento interpessoal... simplificando, amar as pessoas que são seus liderados...

     - Sim senhor.

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“O amor em um relacionamento faz com que você veja coisas boas nas pessoas...”

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     - Isso me faz lembrar uma história, já ouviu falar sobre a parábola dos talentos?

     João negou com a cabeça.

      "Resumindo diz assim... um dia, o presidente de uma determinada empresa iria fazer uma viagem e chamou três de seus empregados e lhes deu uma determinada quantia em dinheiro segundo sua capacidade, o que recebeu a maior quantia assim que estava com o valor em mãos saiu correndo para multiplicar esse valor, o que recebeu um valor mediano fez a mesma coisa, mas aquele que recebeu menos que os outros dois pegou o valor e o enterrou com medo de multiplicá-lo... depois de um tempo o presidente voltou e os chamou. O que ganhou mais apresentou o valor multiplicado e o presidente se alegrou muito dele e o recompensou. Da mesma maneira aconteceu com o segundo, mas o terceiro chegou repleto de desculpas, então o presidente da empresa pediu para tirar dele o valor e dar para o que havia conquistado mais e lhe tirar tudo o que possuía..."

     "O que quero dizer com essa parábola, João? É que todos nós temos talentos em nossas mãos para administrar, uns mais, outros menos, mas todos temos algo, temos literalmente valor, ninguém nasceu para ser um inútil nessa vida (apesar de alguns se esforçarem em querer demonstrar que são), o que muda é a disposição em querermos usar as oportunidades que a vida nos oferece para transformar nossa história em algo melhor, quem pega seus talentos e corre multiplica-los tem sucesso garantido na vida, quem enterra perde a própria vida, pois o tempo passa e nem sempre teremos uma segunda chance de fazermos algo que traga um futuro reconfortante..."

     "Vou te propor alguns desafios – continuou o senhor Hernandes –, o que acha?"

     - Desafios? Quais tipos de desafios?

     - No momento você não precisa saber quais especificamente, mas estou disposto a compartilhar com você os segredos de um líder de sucesso, e o melhor de tudo, o segredo da felicidade de um líder.

     - Claro – disse ele um tanto quanto incrédulo.

     - Ótimo, tenho aqui dois ingressos para o circo, quero que leve seu filho lá hoje à noite, somente ele, quero que dê uma folga para sua esposa, vocês dois vão adorar.

     - Desculpe, senhor, mas...

     - Não discuta, apenas faça o que estou pedindo, ok?

     - Sim senhor, mas como vou explicar para minha esposa que ela não pode ir?

     - Você dará um jeito, sei disso.

     O velho deu risada e, de repente, deu um salto sobre João Carlos e caiu no chão rolando com uma cambalhota.

     - O senhor está bem?

     O velho deu uma gargalhada.

     - Estou ótimo, e lembre-se, hein! Vemo-nos hoje à noite no circo.

     - Claro senhor.

     O chefe saiu andando com as mãos no bolso e assoviando uma música antiga e deu um salto e bateu os dois calcanhares.

JOÃO ESTAVA ACOMPANHADO da senhorita Marquese ainda resolvendo alguns assuntos enquanto seguia para a saída do prédio, quando percebeu que o funcionário chorão estava o esperando sentado na recepção. João pegou o telefone celular e fingiu estar falando com alguém em tom de urgência e viu que na mesma hora o homem desistiu de falar com ele.

     Menos mal, um problema a menos para resolver...

JOÃO CARLOS CHEGOU EM SUA CASA e sua família estava à mesa jantando.

     - Papai – gritou o filho entusiasmado.

     - Olá, filho, está tudo bem?

     - Claro, o senhor vai jantar conosco, não é?

     - Vou sim, mas você tem que comer rapidinho, eu e você temos um compromisso.

     - Compromisso? – disse a esposa estranhando a atitude do marido que sempre chega cansado em casa por causa do trabalho.

     - Claro, amor, depois te conto com mais detalhes, é que meu chefe me deu dois ingressos para o circo, ele quer que eu leve nosso filho, é uma espécie de desafio, ele está querendo me formar um líder.

     - Você já é um líder.

     - Estava pensando exatamente isso e descobri que não sou não, sou apenas um simples chefe.

     - Mas um chefe é um líder.

     - Pior que não, não sei te explicar exatamente porque penso assim, mas acho que meu chefe tem razão, sou um bom administrador, mas meu relacionamento interpessoal com as pessoas é quase zero, meu único interesse com eles são números, e isso faz de mim um chefe, no conceito errado da coisa, talvez um daqueles bem medíocres, porque só consigo obter lucros financeiros, porém, meus resultados acabam deixando a desejar quando o crescimento pessoal está envolvido, talvez se eu pedisse um copo de água, só o fizessem se os ameaçasse mandá-los embora.

     - Mas então, o que mais seu chefe está querendo?

     - Acho que você vai rir de mim, mas ele quer que obtenhamos lucro e ainda assim façamos os empregados gostarem disso, serem felizes trabalhando conosco, para ele isso é liderança, o lucro é consequência do crescimento pessoal e não vice-versa.

     - É, não deixa de estar errado, quando alguém gosta do que faz, o prazer naquilo torna-se um estímulo.

     - Estava pensando exatamente nisso...

     Qual o meu estímulo?

     Ele olhou para seu filho e em um súbito momento percebeu o que seu chefe queria dizer.

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