Mundo de ficçãoIniciar sessãoCapítulo 5
Dolores ficou quieta observando. Zacky ocupou a cadeira ao lado. Maurício apareceu primeiro, abrindo um sorriso simpático ao vê-la. — Boa noite, dona Dolores. Ela devolveu o sorriso. — Boa noite. Logo atrás vieram outros três funcionários. Cada um, ao vê-la sentada à mesa de jantar da família Carter, fez exatamente o mesmo: endireitaram a postura, tiraram o chapéu e a cumprimentaram. — Bem-vinda — disse Pedro. — É um prazer tê-la conosco, senhora — acrescentou Tião. Billy nem tentou esconder o encantamento. — Uau... quer dizer... boa noite, senhora — tentou corrigir, ficando vermelho. Dolores riu baixinho, achando aquilo adorável. Zacky, por outro lado, soltou apenas um resmungo. — Maurício, pede pro Pedro avisar quando a comida estiver pronta. Eles ficam conversando e o jantar atrasa. — Já pedi, patrão — respondeu Maurício, sentando-se no canto da mesa. — É que a presença nova aqui deixou o povo animado. Zacky ergueu uma sobrancelha. — Animado não. Distraído. Dolores inclinou a cabeça. — Se eu estiver atrapalhando, posso jantar em outro lugar. Silêncio. Zacky virou-se para ela, sério. — Ninguém disse que você tá atrapalhando. — Você ficou bem perto de dizer isso — ela rebateu, com calma. O maxilar dele travou. Maurício disfarçou um sorriso, dando uma cotovelada leve no Billy, que quase engasgou tentando conter a risada. Pedro apareceu na porta da cozinha com um pano no ombro. — O jantar está pronto! Dolores respirou fundo, tentando manter-se firme. Olhou para o cowboy de soslaio. Ele também olhou. Então Pedro colocou as travessas na mesa, quebrando o momento. Aos poucos, todos começaram a conversar, sobre o dia de trabalho, sobre os cavalos, sobre a chuva que devia chegar na madrugada. E Dolores percebeu que aqueles homens eram duros, grandes, fortes… mas também gentis, leais e diferentes de tudo o que ela conhecia. Dolores perguntou, curiosa: — Mulheres não trabalham na fazenda? Billy, que estava mastigando um pedaço enorme de pão, quase se engasgou tentando responder depressa. — Trabalham sim, senhora! A dona Noêmia cuida da limpeza da casa. Ana e Ester são responsáveis pelos morangos… e tem também a veterinária que vem dia sim e dia sim… Maurício ergueu as sobrancelhas, sabendo o que vinha a seguir. Billy completou com naturalidade: — …pra ver o Maurício. Todos riram e Maurício chutou o tornozelo do rapaz por debaixo da mesa. — Para ver o gado, Billy. O gado. — Ah, é… o gado — repetiu Billy, corado. Dolores não conseguiu conter o riso. Zacky apenas balançou a cabeça, escondendo, ou tentando esconder, um sorriso de canto. As horas foram passando e, um a um, todos acabaram se recolhendo, até restarem apenas Zacky e Dolores à mesa, conversando baixinho. Antes de se despedir, Pedro colocou uma tigela cheia de carne no canto da cozinha e saiu, fechando a porta atrás de si. Assim que o silêncio tomou conta do cômodo, Nyra entrou, farejando o ar. Aproximou-se da tigela devagar, os olhos brilhando, pronta para se alimentar. Dolores ainda não estava acostumada com aquele animal exótico, mas admitia para si mesma que Nyra parecia surpreendentemente calma… e muito esperta. Ela desviou a atenção para Zacky, observando-o virar mais uma taça de vinho enquanto encarava o luar pela janela, os ombros largos iluminados pela luz da lua. — Deve estar cansada — ele murmurou, sem olhar diretamente para ela. Ergueu a taça na direção de Dolores. — Quer uma? — Eu aceito. Zacky abriu outra garrafa com movimentos tranquilos e a serviu. O aroma da bebida se misturou ao silêncio confortável que havia se instalado entre eles. Depois de terminar a primeira taça, sentindo a coragem suavemente aquecida pelo vinho, Dolores respirou fundo e tentou retomar o assunto do terreno. — Sobre o terreno… — ela começou suavemente. Mas Zacky ergueu a mão, interrompendo-a antes que concluísse a frase. — Não quero falar sobre isso. Você vai ter que esperar eu virar cinco litros antes de me ver discutindo um assunto que, para mim, já está finalizado antes mesmo de começar. Ele bebeu mais um gole e completou, sem desviar o olhar da janela: — Podemos conversar sobre qualquer coisa… menos isso. Dolores sentiu o peito afundar. Era a segunda vez que tentava, e novamente batia na muralha dele. Para disfarçar a frustração, passou os dedos longos pelos fios soltos ao lado da orelha. Zacky reparou. Reparou demais. A taça parou a meio caminho da boca. Por um momento, ele não pensou em terrenos, contratos ou aborrecimentos. Pensou naqueles dedos delicados. Pensou onde mais eles poderiam tocar. Ele respirou fundo, irritado consigo mesmo, e mudou de assunto: — O que você faz da vida, Dolores? — Tenho uma loja de roupas… uma boutique. — Agora entendo como você conseguiu juntar dinheiro. Tem mais alguma empresa? — Não, apenas essa. — É um começo. Você pode pegar o dinheiro que juntou e abrir uma filial. Dolores soltou o ar devagar. — Não é essa minha intenção. Outro trovão. A janela tremeu. Zacky ouviu, levantou-se e pegou duas garrafas. — Vamos entrar. Vai cair o mundo hoje. Ele colocou as garrafas na sala, serviu mais vinho e se recostou no sofá. Dolores sentou-se. Então, tudo apagou. — Droga… — O que aconteceu? — Não se mexe. Já volto. Ele retornou com um lampião. A chama iluminou o rosto dele, a sala ganhou um brilho íntimo. A tempestade desabou, violenta. Dolores se encolheu. Zacky percebeu. — Medo de tempestade? — Não… imagina… Outro estrondo. Ela apertou o braço da poltrona, os olhos fechados. — Dolores… está tudo bem? — Eu… eu não gosto desse barulho… Mais um trovão. Ela levou a mão ao peito. Zacky se aproximou. — Quer que eu fique aqui perto? Ela assentiu. — Quero. Ele puxou a poltrona para junto da dela, sentando-se a poucos centímetros.






