XII - Mamãe coruja

Sky rolara preguiçosamente na cama, os olhos ameaçavam entreabrir, mas o sono era mais forte. Quando o celular tocara pela quinta vez, a escritora abrira a boca em um bocejo matinal, como costumava chamar, cedo demais para seus padrões de autora baladeira com fama de acordar tarde.

Finalmente, quando o smartphone tocara pela vigésima vez, a garota voltara a face na direção do criado mudo. Parte de seus cabelos lhe caíra sobre o rosto, cobrindo os olhos, o nariz e a boca. Ao respirar, a ruiva engolira uma das mechas acobreadas inteira, engasgando e dessa vez, despertando de mau humor.

Ainda que ninguém a visse, Sky arqueara as sobrancelhas, torcera os lábios e estreitara o olhar, interpretando da melhor forma possível a expressão de vilã que sempre via em animações da Disney. Adoraria ter alguém por perto naquele momento para canalizar suas energias. Mas estava só.

 Logo o telefone parara de tocar, mas a garota sequer mudara de posição na cama. Desde que se mudara da pacata Little River, sua terra natal, uma única pessoa em sua extensa lista de contatos tinha a ousadia de lhe ligar dezenas de vezes pela manhã. E não retornaria as ligações naquele momento.

A verdade era que Sky estava tendo um sonho maravilhoso quando aqueles toques no celular a despertaram. E mesmo sendo interrompida, cada detalhe da cena intensa e excitante que vivia em sua mente continuava nítida.

No sonho, Sky se via em uma praia ensolarada, sob a sombra de palmeiras, sentindo o frescor da brisa salgada vindo do mar lhe tocar o corpo todo enquanto transara com Jordan. De olhos fechados, a ruiva mordera de leve o lábio inferior, desejando poder dormir e voltar ao mesmo ponto onde acordara.

Estava excitada, a calcinha encharcada de tanto tesão. Precisava foder logo com aquele homem, não importava como ou onde, desde que fosse rápido. Não havia como negar a conexão que havia entre eles. Sentira a química logo quando se esbarraram pela primeira vez. Foderia com aquele sujeito onde ele quisesse, em qualquer hotel, motel, no cais, em seu barco, em um bar, no carro.

Não hesitaria em o apresentar à sua cama quente e convidativa.

Era impossível negar, Ricardo tinha sido perfeito considerando a foda rápida que tinha acontecido, mas não passava de um aperitivo. Jordan estava destinado a ser o prato principal. Definitivamente seria.

De repente Sky abrira os olhos, surpresa com seus próprios pensamentos. Sabia exatamente o que precisava fazer para colocar seus sonhos molhados em prática. Claro, exigiria um pouco de ousadia, algo que tinha de sobra e envolvia alguns riscos. Mas as melhores coisas no mundo nunca vinham sem riscos.

Rolando na cama, a ruiva esticara o braço e abrira a gaveta do criado mudo.

Lá estava o Sexy Notes com suas letras douradas brilhando para ela. Sorrira, apenas observar aquele caderno fazia com que mil histórias surgissem em sua mente criativa e atrevida. Via centenas de personagens levando suas vidas como se estivessem vivos, interagindo, sentindo, descobrindo coisas. Transando.

Esse último item era justamente seu propósito.

Se esticara como uma gata manhosa espreguiçando e tocara o objeto com a ponta dos dedos. Sentira um formigamento com o toque, como um choque que começara nos dedos, correndo por seu braço, lhe atravessando o corpo todo.

Era um sentimento bom. Estava relaxada e dessa vez tinha certeza que teria o total controle de tudo. Ninguém era melhor que ela para interpretar regras. Sem perder tempo, erguera o caderno com as duas mãos e o abrira. Sabia que suas páginas estariam em branco, mas era outro detalhe que a interessava.

Os personagens aqui criados serão mais que simples imaginação.

Escreva se tiver coragem. E encare as consequências.

Os personagens aqui criados… – lera em voz alta para ter certeza de que não estava apenas sonhando – Eu criei Ricardo? Como pode ser possível?

De qualquer forma, não estava preocupada com Ricardo no momento. Sua memória não a traía, como sempre. Inicialmente pensara que aquela anotação tinha sido feita por Ben como uma brincadeira na intenção de pregar uma peça em alguém, mas depois dos últimos eventos, pensava diferente.

Ben havia começado a beber e a balbuciar pelas ruas, alegando estar sendo perseguido pelos monstros de seus livros. Ela escrevera sobre Ricardo e o galã surgira em sua porta, a procurando. Talvez Ben não estivesse tão louco quanto todos pensavam, afinal de contas. O que ele teria criado com aquele caderno?

Descobriria depois, lendo seus livros. No momento, aquela informação era irrelevante. A única coisa que importava era a brecha que vira nas regras, brecha que usaria a seu favor sem pensar duas vezes.

—Os personagens aqui criados… – repetira em um sussurro para si mesma.

Jordan não era um personagem, era uma pessoa real. E tudo que precisava era de uma oportunidade. Por sorte, tinha experiência em desenvolver cenas de sexo e não mediria esforços ao planejar sua própria foda com o gostosão.

Precisava pensar no que tinha à mão, o cenário perfeito para aquela ocasião parecer casual e natural ao mesmo tempo. E já sabia onde aconteceria.

Sky já havia posicionado o caderno sobre a cama e apanhado a caneta. A escrita começaria naquele instante, não fosse por um pequeno detalhe. A telinha do smart sobre o criado mudo se acendera novamente enquanto o som de Man! I feel like a Woman começara a tocar. A ruiva sabia que não conseguiria escrever com aquelas chamadas tocando. E sabia que seriam de dez a vinte chamadas.

—Alô, mãe – dissera a moça, apanhando o telefone e se levantando – Bom dia. Sabe que horas são? – emendara se queixando pela ligação ao raiar do dia.

—Precisamente seis e quarenta e cinco. Acabei de fazer minha sessão de yoga e pensei em saber como você está. Não dá notícias já tem duas semanas. Está na casa nova? Como está indo com a mudança? – dissera Joana.

Sky colocara os fones de ouvido e abrira o guarda-roupa, varrendo o espaço com o olhar. Precisava de algo leve, quente e confortável para uma caminhada. Não podia relaxar com os exercícios ou aquele corpinho maravilhoso deixaria de ser o que todos os homens que conhecia amavam. E gostava de saber que era totalmente desejada por onde passava.

—A casa é perfeita… – começara Sky, separando as calças sobre a cama –Totalmente mobiliada e tem aquele ar nostálgico que tanto ama. Ainda não tive a oportunidade de conferir todos os aposentos, é coisa demais. Mas pretendo ir à cidade essa semana e contratar alguém para fazer os reparos e alguma mulher que possa me ajudar a coordenar uma faxina.

Alguém para fazer os reparos já estava garantido. A faxina seria complicado, pois Melody certamente iria vir para conferir as peças de mobiliário e selecionar o que gostaria de levar, caso a ruiva optasse por se desfazer.

—Estou pensando em lhe fazer uma visita em duas semanas. Seu pai estará palestrando em um seminário – Joana e Sebastian Sinclair, pais de Sky, haviam sido hippies quando adolescentes e posteriormente ativistas de grupos naturalistas. Após o nascimento da filha, o pai passara a dedicar seu tempo aos estudos, se formando em Microbiologia e Biologia Marinha. A mãe começara a estudar após Sky completar seus quinze anos e era formada em Letras – Vou aproveitar e tirar alguns dias para lhe fazer companhia e poder conhecer seu novo lar. Ouvi dizer que Camden é uma linda cidade.

Não havia escapatória. Quando Melody se convidava para alguma coisa, ninguém ficava em seu caminho e Sky sabia bem disso. Felizmente, a ajuda da mãe significava poupar gastos com organização e limpeza, além de que, embora não admitisse, sentia falta dos pais quase sempre.

—A cidade é linda, posso lhe garantir – respondera a garota – Confesso que me apaixonei pela natureza e pela paz desse lugar. Vou anotar alguns pontos turísticos para visitarmos quando estiver aqui. Apenas me avise com alguns dias de antecedência para que possa me organizar e deixar a agenda livre para passarmos um tempo de garotas, só nós duas.

—Fico feliz em ouvir isso. Sinto sua falta…

—Também sinto sua falta.

Por um momento, mãe e filha ficaram em silêncio. Sky sabia que Melody sempre dava um jeito de arrancar a verdade dela e estender aquela conversa não resultaria em bons frutos. Não queria contar sobre Ricardo, sobre o FBI e muito menos sua tara por Jordan.

Alguns segredos eram melhores se mantidos para si própria.

—Na verdade… – continuara Joana antes que Sky encontrasse alguma forma de se despedir e desligar a ligação – Tenho sentido que algo ruim está para acontecer. E como não a tenho por perto, me preocupo com você. Tem certeza de que está tudo bem?

Pronto. Lá estava a bomba, como sempre. O radar de Joana Sinclair era perfeito e rastreava problemas há quilômetros de distância. Sky se lembrava de cada vez que tivera problemas na escola e lá estava a mãe, antes mesmo que ela percebesse a enrascada na qual estava envolvida.

—Eu… – começara a moça, ponderando quais palavras usar. Era quase impossível para ela mentir para Melody. Felizmente, a verdade tinha muitas faces diferentes – Conheci alguém no dia em que cheguei aqui. A questão é que não se tratava de uma boa pessoa, entende?

Perfeito. Não havia uma descrição precisa dos eventos, mas não deixava de ser a verdade, em sua versão mais simples e pura.

—O que quer dizer? Ele fez algo com você? – indagara a mulher no outro lado da linha. Agora Melody certamente adiantaria sua viagem.

—Não fez nada, estou ótima – explicara a garota, convincente – Vamos dizer que estou falando de um homem extremamente cavalheiro, charmoso, elegante e muito educado. Fiquei chocada quando a polícia apareceu e o prendeu. Mas está tudo bem agora, estou focada na casa. Digamos que há muita coisa para ser consertada, mas já me apaixonei pelo lugar.

Houve um breve momento de silêncio na linha. Sky sabia da regra, não dizer nada enquanto Melody ponderava sobre o que estavam falando. Tudo que disser poderá e será usado contra você no tribunal. E no tribunal de Joana Sinclair, ela era o juiz, júri e executor. Mas a filha sabia lidar com as neuras da mãe.

—Se você está feliz, estou feliz também – dissera Melody com a voz calma.

Sem sermão ou advertências? Nenhuma dica de prevenção?

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