X - Monstros imaginários

Embora o clima continuasse frio e chuvoso como no dia anterior, para a ruiva era como uma manhã ensolarada em um domingo de festa. Levantara da cama em um salto, abrira os braços e girara o corpo no lugar erguendo um dos joelhos como uma bailarina. Sorrira se encarando no espelho e se dando bom dia.

Sem perder tempo, apanhara toalhas e xampus e correra para o banheiro. O dia não espera para começar – costumava dizer Melody e a jovem aprendera desde pequena a despertar com o raiar do sol, mesmo quando não havia sol.

Pouco tempo depois, lá estava a ruiva saindo pela porta da cozinha. Checara os status do sistema de segurança pelo celular e conferira as horas, seis e vinte da manhã. Desativara o alarme do SUV e enfiara a mão direita no bolso da blusa, retirando dela uma touca de lã.

Sky vestira uma cacharrel de cor rosa sob uma jaqueta de couro marrom. A calça jeans justa realçava suas curvas e a bota quase da mesma cor da jaqueta subia até quase alcançar os joelhos. A touca branca e preta tinha um ar infantil, simulando a cabeça de um panda com os olhos e nariz estampados na frente e as orelhas adicionadas no alto.

Após arrumar os cabelos, a ruiva esticara o braço segurando o celular e tirara uma selfie próxima à porta do veículo. Adicionara a hashtag #Començandoodia e publicara no I*******m. Finalmente entrara e dera a partida pensando em seu próximo ponto de parada, o Armazém Scothfield.

Enquanto dirigia pela estrada, Sky via, por entre as árvores da reserva, a luz de um novo dia nascendo. A chuva havia parado, mas ainda havia neblina e uma garoa leve. O frio, por outro lado, continuava e a jovem dizia a si mesma que não tinha escolhas senão se acostumar com aquele clima.

Em sua mente de escritora, a inspiração voltava a agir e a garota imaginava o vento dançando entre as árvores da montanha, os pequenos animais de tocaia em seus refúgios escondidos do frio e da chuva e pequenas musas a observá-la enquanto ela passava por ali.

Era bom sentir que estava apta a escrever novamente.

Não era tão bom se lembrar os resultados de escrever no dia anterior.

Dessa vez, encontrara uma vaga e estacionara bem em frente ao armazém de Elliott. Ao sair do carro, uma lufada de ar frio a atingira em cheio. Felizmente estava bem agasalhada e praticamente apenas sua face se encontrava à mostra.

Melody costumava dizer que ser atingida por ventanias era mau presságio, mas Sky não acreditava em crendices. Se aquilo fosse mau agouro, estaria em maus lençóis naquela cidade, onde naquela época do ano ventava tanto.

Logo que adentrara o estabelecimento, Elliott acenara para ela de dentro do balcão. Norman, o sujeito grande e gordo que conhecera no outro dia, estava no mesmo lugar, com o que parecia agora ser uma enorme caneca de café.

O local estava cheio, mas Sky identificara uma mesa vazia em um canto e fora até ela. Instantes depois, o proprietário estava ao seu lado com um bule de café quente. O líquido negro borbulhava através do vidro do recipiente e o cheiro era bom. O sujeito enchera uma xícara e esperara até que a ruiva provasse.

—O que achou? – indagara com um sorriso a encará-la.

Sky voltara a xícara na mesa. Havia retirado as luvas que usava para dirigir e podia sentir o calor em suas mãos. Retirara a touca de panda. Exibindo suas madeixas vermelhas e retribuíra o sorriso.

—Maravilhoso. Um dia trarei minha mãe aqui, ela vai amar – respondera.

—Será um imenso prazer conhecer a mãe de uma amiga tão linda e querida – argumentara o homem. De alguma forma, a jovem sentia um carinho paterno por aquele senhor que mal conhecia – O que vai querer para o desjejum?

—O que a casa recomendar – respondera a moça prontamente.

Elliott acenara com a cabeça e dissera que traria as melhores panquecas do menu para ela em poucos minutos. Perguntara ainda se preferia geleia, creme de leite ou queijo como acompanhamento e a garota escolhera a última opção.

O velho voltara para a cozinha atrás do balcão e como mágica, pouco mais de quinze minutos depois, lá estava de volta com o pedido da ruiva. Sky provara o café da manhã e se sentira completamente enfeitiçada por aquele sabor. Era realmente algo divino, sublime, a melhor refeição que já havia experimentado.

Elliott explicara que todas as receitas usadas naquele lugar haviam sido uma herança de sua mãe e que a mãe as recebera da avó, assim como a avó herdara da bisavó. Enfim, era um negócio de família. Contara ainda que eram em quatro irmãos, nenhuma irmã para herdar a culinária da mãe. Felizmente, três decidiram seguir a carreira de cozinheiros e um deles, com a benção da matriarca, optara por ser médico e agora, na aposentadoria, assumia aquele armazém.

Como todos os outros clientes já haviam sido atendidos, Elliott se sentara à mesa com a garota para conversar. Sky aproveitara a deixa para perguntar mais sobre a cidade, lojas de conveniências, pontos turísticos, locais para lazer.

O homem de barba branca lhe recomendara uma grande lista de locais para visitar e conseguir as coisas que necessitava. Sky anotava atentamente tudo que ouvia no tablet do qual nunca se afastava.

—Então… – sussurrara a garota, esperando que o sujeito a encarasse para voltar a falar – No outro dia, quando estive aqui, o senhor e seu amigo disseram que o antigo proprietário da residência que comprei, Ben, o escritor, faleceu lá, estou certa? – concluíra ainda falando com a voz baixa.

Elliott alisara a barba, se inclinando para trás na cadeira.

—Sim, realmente dissemos isso. E lamento que Valentine tenha omitido algo assim quando efetuou a venda – respondera o ancião – Aquela víbora só estava interessada em faturar a comissão pelo imóvel. Mesmo com o preço reduzido, não é qualquer pessoa que poderia pagar por uma mansão como aquela naquele lugar. Mas não vamos falar sobre números.

De fato, comparado ao preço de outras residências semelhantes, Sky pagara um valor bastante reduzido. Mesmo assim, não fora barato. E agora entendia a razão de ter tido quase cinquenta por cento de desconto.

—Confesso que o lugar chega a ser assustador, mas estou me adaptando. Espero não estar sendo inconveniente, mas pode me dizer algo mais sobre Ben? Claro que eu poderia pesquisar sobre o assunto, mas é muito mais confiável se ouvisse de alguém que o conheceu. E quando falaram dele antes, me pareceu que já foram amigos…

Elliott ajeitara os óculos e em seguida as alças do avental.

—Ben e eu nos conhecemos desde que éramos crianças. Estudamos juntos antes de me mudar para cursar medicina fora daqui. O homem que conheci não estava mais lá quando voltei, se é que me entende… Era outra pessoa, alguém completamente diferente. Não sei se foi a bebida, algo o mudou.

Algo o mudou. As palavras atingiram Sky mais do que ela esperava.

—Norman disse que ele havia enlouquecido…

—Ben escrevia histórias de terror – explicara Elliott – Apenas isso para mim serve como motivo para a pessoa enlouquecer cedo ou tarde. Dizem que alguns autores se envolvem por completo com suas obras, não é? Quando se entregou à bebida, o pobre homem começou a ter alucinações e balbuciar bobagens pelas ruas, dizer que monstros da sua própria imaginação o perseguiam…

Monstros de sua imaginação o perseguiam.

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