O HERDEIRO DA MÁFIA
O HERDEIRO DA MÁFIA
Por: ALDO NICÁCIO
PRÓLOGO

Embora seja uma certeza concretamente irrefutável, a morte permanece como um dos maiores mistérios da humanidade. Dizem que na hora da morte, nos últimos momentos de um indivíduo, passa-se uma reprise de toda a sua vida diante dos seus olhos, como num flashback. Toda a dor e a angústia, esmagam aquele coração, já perdendo as forças do pulsamento, diante do simples fato de impotência, por saber que nada pode fazer para retardar o encontro com a morte. No fim, o arrependimento pelos erros é tão grande que tudo se transforma em um último suspiro.

Nunca ninguém voltou para dizer, mas era assim que Pep Harlow imaginava que fosse. Enquanto sentia seus pulmões encherem de água e o oxigênio esvaindo-se, Pep pressentia que sua vida estava chegando ao fim. Gritava e agonizava-se e o que via-se eram apenas bolhas de ar subindo através da água. Sentia o peso da mão pesada na sua nuca, pressionando-o pra mais fundo. Os sentidos cognitivos já estavam indo embora novamente, quando uma mão puxa-o para a superfície.

- Então Pep - disse o homem - como havia pedido...

- Novamente - disse uma voz ao fundo, interrompendo o homem - tire quando eu mandar.

O homem ao fundo era de estatura alta, forte, cabelos lisos com mechas brancas e compridos até a nuca e usava cavanhaque. Chamavam-no de Malfeitor: Todos os acertos de contas do Chefe passavam por ele. Principalmente os inimigos. Comandava os leões - leia-se capangas - do Chefe.

Pep Harlow não era necessariamente um inimigo. Ele trabalhava como capanga do Chefe, integrado ao grupo comandado pelo Malfeitor. Nasceu nos subúrbios do Brooklin de família pobre e, aos 10 anos, fugiu de casa e se mudou para Nova York. Começou aos 13 anos no mundo do crime e, agora aos 22, nunca subira na hierarquia do grupo do Chefe, sempre o limitavam a trabalhos secundários ou até mesmo escanteado. Até que uma oportunidade aparecera...

Era sabido que o Chefe tinha várias operações internacionais, além das que tinha nos Estados Unidos. Ouvia-se dizer que as operações americanas seriam todas transferidas para a

Itália. Quando os boatos se concretizaram, Pep fora o primeiro a colocar seu nome na lista para embarcar rumo à Itália, no primeiro navio.

A Itália era tudo aquilo que diziam. Mulheres belíssimas, aroma de pizza no ar... Ele não entendia por que os italianos estavam imigrando para os EUA, se eram donos de um país tão lindo.

Os capangas do Chefe ficaram hospedados num grande balcão, reclusos na Ilha da Sardenha. Eram cerca de 100 homens, todos americanos, mas que haviam tido aulas de língua italiana, para se virarem no país europeu.

Em sua primeira noite na Itália, o Malfeitor chamara Pep à sua sala. Com as mãos trêmulas e testa suada, ele subiu às pressas a escadaria de acesso à sala do patrão.

- Boa noite, Pep. Sente-se – Intimou o Malfeitor. Sua voz era preponderantemente culta.

Pep se sentou numa grande cadeira de couro à sua frente. Ainda nervoso, tinha o pressentimento que fizera algo errado.

- Temos a alegria de promovê-lo, Pep - começou o Malfeitor – fruto do reconhecimento de todo trabalho que tem feito para a nós. O Chefe nominalmente o citou. É uma missão extremamente importante para ele, que fique registrado.

- Estou aqui para servir, patrão, dou minha palavra - conseguiu dizer Pep.

- Ótimo - o Malfeitor não conseguiu esconder sua satisfação - sua missão é simples, mas de grande valia. Olhe bem esta foto.

Era a foto de uma bela jovem. Loira, olhos verdes e alta, estava num jardim, brincando com coelhos. A doçura da foto era enorme, e Pep não via nenhuma maldade na jovem. Pep deixou-se levar pela ingenuidade transmitida pela foto e sorriu. Quando percebeu, o Malfeitor o encarava com ar muito sério. Engoliu em seco.

- A conhece?

- Não! - exclamou Pep, tremendo.

- Pois quero que a conheça. Mas não quero que ela o conheça. Quero que descubra seu nome e os nomes de todos aqueles que a rodeiam. Quero saber de todos os seus hábitos, todas as suas saídas,

todos os seus gostos. Quero nomes, Pep! Quero todas as informações que conseguir sobre ela. Você vai viver por ela, vigiá-la 24 horas por dia! Para onde ela for, você irá. Você fará o que for preciso, mas não a perderá de vista!

Pep estava atônito. Já vira o Malfeitor revestido de raiva, mas nunca de ódio. Já ouvira as histórias também, mas nada comparado com aquilo. O Malfeitor estava tão revestido pelo ódio, pelo sentimento de cão que vai à caça, que sua veia da testa estava estufada, olhos esbugalhados e respiração ofegante.

- Senhor Pep Harlow, espero ter compreendido a sua tarefa! Se não a fizer da forma que falei, dou cabo da sua vida da maneira mais dolorosa possível! Você irá sentir tanta dor, mas tanta dor, que se arrependerá do dia que nasceu!

O Malfeitor deu dois passos para trás, abriu um livro empoeirado que estava sobre a mesa e tirou um papel.

- Este é o endereço dela. É tudo que temos; O destino da corporação, o destino de todos – parou para pensar – inclusive o seu, depende de você.

Fez o sinal para Pep sair. Este saiu, ainda processando as informações que recebera.

Pouco tempo depois de Pep ter saído da sala, o Malfeitor fala:

- Está feito.

- Ótimo - disse uma voz, vinda de trás dele, do escuro. - Tem certeza que acertamos na escolha?

- Ele é o mais fraco de todos os nossos homens. Não poderíamos expor os mais fortes por causa de um fraco. Usaremos ele como cobaia. Estudaremos, através dele, uma forma de tê-la por perto. Se ele falhar, falhou. Sinal que os Milanos também estão atrás da garota.

- Não só da garota, lembre disso.

- Exatamente - disse o Malfeitor. Pensou mais um pouco e completou, em tom preocupado;

- Onde será que ela se encontra agora, Chefe ?

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E foi assim que a cabeça de Pep Harlow fora recolocada na água. Ele falhara na missão de vigiar a jovem moça. Ela o havia descoberto e simplesmente sumira. Quando os capangas souberam, já era muito tarde.

Mas ele estava pagando um preço alto pelo que fizera. O Chefe não perdoava erros. Mas Pep Harlow tinha uma carta na manga: informações sobre a jovem, o que poderia trocá-las pela chance de permanecer vivo.

Quando Pep fora retirado da água pela centésima vez, gritou:

- Eu falo! Falo tudo que quiserem, mas por favor, mantenham-me vivo!

- Feito – disse o Malfeitor. Qual o nome da moça?

Quando Pep iria falar-lhe o nome, ouve-se um estrondo. Um tiro. A bala perfurara a garganta de Pep Harlow, fazendo com que este cambaleasse duas vezes para trás, antes de cair, inerte. Todos da sala olharam para trás, pois sabiam de onde havia saido o disparo.

Nesta hora, um homem baixo, gordo, moreno, de bigode grosso, usando um chapéu de couro, apareceu na porta. Todos sabiam quem era.

- Saiam – disse ele, quase sussurrando – menos você - disse, olhando o Malfeitor.

O homem sabia que a informação que Pep Harlow diria poderia vazar. Mas não deveria. Estava preocupado com os Milanos. Enquando olhava todos saírem da sala, ele sabia que não podia confiar em todos eles, muito menos nos seus capangas, mesmo sendo pagos por ele. Confiava apenas no Malfeitor.

O homem entrou na sala, olhando para Pep. Este, ainda com vida, olhou para o homem e arregalou os olhos. Sabia quem era, mas jamais tinha chegado tão perto.

- Chefe.... - disse Pep, num sussurro, o sangue espirrando pela jugular.

- Pep - começou o Chefe – saiba que isso foi.... necessário. A informação não poderia ser vazada a todos. Você fez um bom trabalho. Estamos orgulhosos de você. Mas agora, preciso do nome.

Pep não estava acreditando, O homem que idolatrava tinha-no jogado ao inferno e agora precisava da sua ajuda? Mas ele tinha poucos segundos de vida, precisava decidir se morreria deixando seu chefe sem nenhuma informação ou se cumpriria sua palavra.

- Nome, Pep – disse o Chefe.

Pep havia decidido. Como num último ato de sua vida, disse:

- Cibelle – disse, fechando os olhos pela última vez – Cibelle Monari.

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