Capítulo 2

— Bom dia, amor! — disse Vincent após beijar docemente os lábios de sua namorada Donna, que ao contato com sua boca despertou e retribuiu com um longo beijo.

— Bom dia, meu amor! — respondeu com um sorriso feliz para o namorado.

— Trouxe seu café — disse Vincent apontando para a bandeja ao lado da cama no aparador.

— Ai, meu Deus, que lindo! — disse esticando os braços para que ele lhe desse a bandeja, Vincent a colocou gentilmente em seu colo, por cima da colcha branca com que ela estava coberta.

A bandeja continha uma variedade de alimentos que Donna apreciava muito, como panquecas com calda de morango e pasta de amendoim, ovos mexidos, bacon grelhado, cereais, salada de frutas e um copo grande de suco de laranja. Tudo preparado por ele.

— Eu amo dormir aqui, sabia? Você me mima toda vez que venho. Quando não são flores, são doces! E agora, esse café da manhã na cama... Que delícia, amor! — Donna falou encantada, com seus belos olhos azuis brilhando de tanta alegria.

— Faço isso para que você venha dormir sempre aqui comigo. — Sorriu.

— Desse jeito eu vou é mudar para cá!

— Quando quiser — respondeu Vincent acariciando os cabelos longos e loiros da namorada.

Os dois riram. Embora já namorassem há quatro anos, brincadeiras à parte, não falavam seriamente em dar um passo maior no relacionamento, que começou com um nada discreto empurrão de uma amiga em comum, Adelle Potts Mercer, que os apresentou já garantindo que formavam um casal perfeito. Os argumentos que apresentou foram tão bons quanto o que se podia esperar de uma advogada talentosa como Adelle era.

— Por que está comendo dessa forma? — perguntou o namorado ao vê-la devorar as panquecas tão rapidamente.

— Preciso entrar mais cedo no colégio hoje, fiquei de passar na sala da diretora antes das aulas.

— Por que não me disse isso ontem, eu acordava você mais cedo.

— Não lembrei. Estava tão ansiosa para vê-lo, que esqueci de tudo — disse entre risos, ao que ele respondeu com um selinho.

— Vou entrar mais tarde hoje, às dez horas vou precisar buscar o resultado daquela pesquisa que falei para você.

— Sobre o teste do medicamento para não sei o quê? — perguntou sem dar muita atenção.

— É, esse — respondeu rindo. — De qualquer forma, volto cedo para casa, então, se quiser vir para cá depois das aulas, vou adorar!

— Tentador... e invejável.

— O quê?

— Você tem três horas ainda para ficar em casa e eu... uns vinte minutos?

— Dezesseis, na verdade.

Donna afastou a bandeja, se livrou das cobertas e se levantou rapidamente, deixando à mostra o seu corpo nu, ao que Vincent a puxou de volta para cama se colocando por cima da namorada.

— Vai chegar atrasada! — declarou sorrindo.

Apesar da correria do dia a dia, o casal se via com frequência, quando não podiam se encontrar para um almoço ou um jantar, ela ia dormir em sua casa.

Ele, no entanto, nunca dormiu no seu apartamento, o que a incomodou no começo, mas aos poucos ela foi aceitando que, tendo ele crescido em uma casa imensa, não se sentia confortável em um apartamento tão minúsculo como o dela.

Donna Dixon nasceu em São Francisco, Califórnia, perdeu a mãe para o câncer quando tinha apenas sete anos, o que levou o pai a se embebedar com tanta frequência, que era raro vê-lo sóbrio, chegou a ser internado em uma clínica de reabilitação, mas se negava a fazer qualquer tratamento, acabando por adoecer e em menos de três anos veio a falecer, deixando a filha com apenas dez anos. Para sua sorte, ela tinha um irmão, Allan Dixon, doze anos mais velho do que ela, e que estando casado, levou-a para morar com eles em San Diego, também na Califórnia. Assim, a garota foi praticamente criada pelo irmão Allan e pela cunhada Jenifer Miller Dixon, que sempre cuidaram dela com muito amor e carinho.

Ao completar dezoito anos, Donna se mudou de cidade para cursar História no Centro Universitário de Los Angeles, onde após a conclusão do curso começou a trabalhar lecionando em colégios para poder financiar o seu pequeno, mas confortável, apartamento. Como tinha a intenção de dar aulas em universidades, fez uma pós-graduação na sua área, e estava então procurando por um novo emprego. Contava com o apoio do namorado para tudo, inclusive financeira quando era necessário, pois ele tinha uma vida com muito mais facilidades do que ela.

Donna sabia que, embora Vincent praticamente não tenha conhecido o pai, já que esse faleceu em um acidente de carro quando ele ainda era um bebê, sua mãe, Jenna Hughes, sempre lhe deu de tudo. Arcou com todas as despesas da faculdade de Biomedicina do filho, além de pedir ao amigo, Randall Berger, que o empregasse no Hospital Bom Samaritano de Los Angeles, onde o amigo era o diretor, isso antes mesmo do rapaz concluir a graduação. O mesmo atendeu de pronto a solicitação da amiga, e não se arrependeu, pois Vincent Hughes se mostrou um dos seus melhores profissionais, ou quem sabe o melhor, tornando-se em pouco tempo responsável pelas pesquisas e testes realizados no hospital.

A senhora Hughes era uma boa mãe e uma ótima pessoa, acolheu Donna com muito carinho. Considerava-a uma filha, chegando a dizer isso várias vezes para sua querida nora. Ela dizia também já ter tido uma menina, quando o seu Vince ainda era um garotinho, mas Jenna a tinha perdido muito cedo.

Ele, no entanto, nunca tocava no assunto, nem sequer parecia lembrar, já que como a mãe mesmo dizia, Vincent era muito pequeno quando a irmãzinha faleceu.

Jenna sofreu uma parada cardíaca um ano após o início do namoro de Donna e Vincent, e não sobreviveu, deixando para o seu único filho a sua casa, dois carros, o que era de seu uso e o que havia dado de presente para ele, além de uma boa quantia de dinheiro no banco.

Para o rapaz, apesar da estabilidade financeira, restou apenas os tios e um primo, que Donna nem sabia ao certo onde viviam, pois não eram próximos. Assim, todo o amor que se podia cultivar no núcleo de uma família, Vincent dedicava à sua linda namorada, que se sentia a mulher mais sortuda do mundo por tê-lo ao seu lado.

Vincent Hughes, aos seus vinte e sete anos, era com toda certeza o homem mais bonito, inteligente e simpático que Donna já tinha conhecido. Era alto, de pele clara, e com um porte físico que denunciava o cuidado que tinha com o seu corpo. Tinha lindos olhos pretos e sobrancelhas grossas. O cabelo liso e preto estava sempre bem penteado, e a barba sempre bem-feita, pois seu trabalho tinha essas exigências. Somente nas férias e em feriados prolongados era que sempre mantinha a barba por fazer, lembrando um pouco da sua aparência mais desleixada enquanto estava na faculdade. Donna sabia que o namorado chamava atenção de outras mulheres, fosse no trabalho dele ou mesmo no dela, onde suas colegas não poupavam elogios para descrevê-lo.

Incomodava-a os olhares e suspiros direcionados a ele, mas sabia que não tinha como evitar. Ela mesma se perdia no olhar penetrante que ele possuía. E o sorriso então? Deus, era o sorriso mais lindo do mundo, em uma boca tão bem desenhada, tão perfeita! Tinha um namorado que além de lindo, era encantador, sempre tão gentil e carinhoso para com ela.

E se não bastasse, era um ser humano com um coração de ouro, isso porque sempre estava envolvido com algum projeto social, hábito que também herdou da sua mãe e que compartilhou com Donna. Gostava de ajudar as pessoas, fazer doações, ouvi-las e até aconselhá-las. Pelo menos uma vez ao mês marcavam presença em organizações beneficentes. Iam também à igreja, participavam semanalmente das missas e de suas campanhas em prol dos menos favorecidos.

Vincent e Donna formavam um lindo casal. Não somente ele tinha admiradores aos montes, ela tinha também, mas diferente dele, era mais acanhada e até um pouco insegura. Talvez por ter perdido os pais de forma tão trágica, quem sabe. Donna, vinte e cinco anos, era uma mulher realmente muito bonita e atraente, com seus aproximadamente um metro e setenta, possuía uma silhueta de dar inveja a qualquer mulher, além de possuir um rosto com traços marcantes e ao mesmo tempo delicados, e uma pele bastante clara. Era ainda uma mulher discreta, que embora se vestisse muito bem, cuidava para nunca chamar atenção ou parecer vulgar. Sua postura acabava por inibir qualquer aproximação masculina, o que agradava muito o seu namorado.

Enquanto o casal aproveitava na cama mais alguns minutos daquela agradável manhã em Los Angeles, do outro lado da cidade, Christopher Lang dirigia até o Departamento de Homicídios onde Ramona Hale já o aguardava.

O detetive Lang parou rapidamente em uma cafeteria perto de sua casa, a famosa Coffee Drinks, onde eram servidos os melhores cappuccinos da cidade, comprou um copo grande para levar para Ramona, lembrando que o marido dela estava viajando a trabalho há quase uma semana, e que a detetive achava incrivelmente chato fazer café para tomar sozinha.

Dois anos haviam se passado após Hale e Lang atenderem ao caso Tompson, onde a legista identificara a falta do feto de Barbara. Nos noticiários, é claro, foi citado apenas a tragédia de trânsito, o que era apenas mais um entre milhares. Para os detetives, o caso havia se encerrado e o assunto esquecido, visto que havia sempre um novo homicídio no qual fossem necessários.

— Bom dia! — cumprimentou Christopher ao sair do elevador chegando ao andar do departamento, onde logo avistou seus companheiros entregues às suas tarefas.

A Unidade de Homicídios ficava instalada em um prédio da Polícia de Los Angeles, no quinto andar, onde havia exatamente seis mesas, postas em uma ampla sala, sendo elas separadas por divisórias modulares que permitiam o contato visual entre os seis detetives do departamento, que trabalhavam sempre em duplas. As salas que ficavam nesse andar pertenciam a outros funcionários desta unidade.

— Ramona, bom dia! — cumprimentou sua parceira estendendo-lhe o copo de cappuccino.

— Bom dia, obrigada — respondeu gentilmente, colocando o copo sobre a mesa. — Adivinha quem está nos esperando!

— O capitão? Agora?

— Sim. Vamos? — falou ela se levantando.

— Algo para nós? — perguntou Christopher para Ramona ao se aproximarem da sala do chefe.

— Jeremy não adiantou o assunto — disse ela batendo na porta.

— Christopher, Ramona, por favor, entrem! — orientou o capitão.

— Aconteceu alguma coisa? — indagou o detetive.

— Sim. Lembram-se da Carolina Gale?

— Nosso último caso do mês passado: a garota que acusou o pai por violência doméstica e pelo assassinato do irmão, a convencemos a prestar queixas contra ele, mas ela voltou atrás na sua decisão — lembrou Christopher. — O que aconteceu?

— Ela deveria ter ido até o fim e dado queixa. A mãe dela foi morta a pauladas enquanto a garota ficou trancada no banheiro. Os vizinhos chamaram a polícia, que chegou tarde demais — contou o chefe.

— Pobre garota! Onde ela está?

— Em choque, na casa de uma tia. Descubram com ela em que lugar o pai assassino pode estar — ordenou ele.

— O desgraçado conseguiu fugir! — esbravejou Ramona.

— Ao que tudo indica ele teve ajuda de alguém. Os vizinhos disseram que viram um carro apanhá-lo na frente de sua casa. O endereço da tia está aqui, é com vocês agora.

Jeremy Mack era um homem alto, negro e de postura imponente, cuja aparência nem de longe denunciava seus quarenta e cinco anos. Embora sempre se mostrasse de cara fechada e de poucos amigos, era uma pessoa justa, respeitosa e marcada por seus mais de vinte anos de trabalho árduo na polícia, sendo quinze deles somente no Departamento de Homicídios.

Ramona e Christopher seguiram no carro do detetive para o endereço entregue pelo chefe de departamento, e enquanto ele dirigia, discutia com a parceira sobre o caso Carolina Gale, garota de dezesseis anos que foi levada ao hospital com o braço quebrado e que acusou o próprio pai pelo ferimento. Com dor e desesperada, acusou-o ainda de agredir constantemente a sua mãe e de ter matado o seu irmão mais velho. Foi por essa última acusação que os detetives foram chamados.

Conseguiram convencê-la a prestar queixa contra o pai, Roy Gale, mas logo que recebeu alta do hospital foi levada por sua mãe, cujos hematomas nos braços e no rosto eram visíveis, mas ela não queria falar e tampouco permitiu que a filha falasse mais do que devia. Nesse mesmo dia, Carolina voltou atrás sobre a queixa que faria contra o pai, alegando ter mentido por estar sob efeito de drogas. Como não havia feito exames para essa finalidade, não tinham como contestá-la.

Em poucos minutos já estavam em frente ao endereço da tia da garota. Estacionaram o carro e desceram. Seguiram para a porta, firmes. Ambos eram altos, embora Ramona fosse uns cinco centímetros mais baixa que Christopher, um homem de um metro e oitenta centímetros, moreno claro de olhos castanhos escuros, com um corpo bem definido, embora não fosse musculoso. Ele parecia ser sempre sério, além de bastante imponente, famoso por falar apenas o necessário, era dado a brincadeiras apenas com a família e seu pequeno círculo de amizades. Durante o trabalho, trajava sempre calças sociais e camisa, além de não dispensar a gravata e o paletó quando o clima de Los Angeles pedia.

Já Ramona era mais alegre e sensível, embora agisse com frieza sempre que seu trabalho exigisse. Era um pouco mais clara que o detetive Lang, embora não muito, seus olhos eram de um castanho bastante claro, cor de mel, como lhe dizia o marido. Seus cabelos lisos e castanhos iam até os ombros, mas nunca estavam soltos durante o trabalho, mantinha-os sempre em um pequeno rabo de cavalo ou em um discreto coque, o corpo também era bem definido, caindo-lhe muito bem qualquer roupa que vestisse, variando entre um jeans escuro e uma calça social, sempre acompanhadas por regatas e uma jaqueta por cima.

A casa não se diferenciava muito das demais casas daquela rua, exceto por um pequeno jardim que praticamente jazia seco pela falta de cuidado. Ramona bateu firme na porta, de punho fechado, anunciando que era a polícia, ao que rapidamente uma mulher que devia ter pouco mais de trinta, com uma aparência sofrida e tristonha atendeu, pondo apenas o rosto na porta entreaberta.

— O que querem aqui? — indagou de forma ríspida, o que pareceu bastante suspeito para eles.

— Sou Ramona Hale e esse é meu parceiro Christopher Lang, do Departamento de Homicídios. Estamos aqui para falarmos com Carolina Gale, é sua sobrinha, certo? — indagou mostrando seu distintivo.

— Sim, Carolina é filha do irmão mais velho do meu marido.

— Qual o seu nome, senhora?

— Ruth Gale. Acho que agora não é o momento de incomodarem a menina, ela já passou por muita coisa.

— Nós sabemos, senhora Gale, é por isso mesmo que precisamos falar com ela, agora! — disse Christopher em tom firme.

— Mas ela não quer falar com vocês — disse lentamente a senhora Ruth.

— Nós acreditamos que ela quer, senhora. Assim como queria ter falado antes, enquanto a mãe estava viva e ela ferida no hospital. De qualquer forma, Carolina precisa falar por ela mesma.

— Tudo bem, entrem — falou cabisbaixa. — Carolina está na outra sala assistindo TV, ela não quer ficar sozinha lá no quarto — disse Ruth.

— Entendo — disse Ramona enquanto Christopher acenou positivamente com a cabeça, olhando atentamente para a escadaria que deveria dar para os quartos.

— E seu marido, também está aqui? — perguntou o detetive.

— Não... ele está trabalhando hoje. — O nervosismo em sua voz não passou despercebido para os detetives, mas nada disseram, iriam confrontá-la depois que conversassem com Carolina se fosse necessário.

— Minha querida, esses detetives estão aqui para falar com você sobre o que aconteceu — disse Ruth em tom carinhoso e preocupado.

Carolina imediatamente olhou para eles e então voltou sua atenção para a televisão.

— Não tenho o que falar. Minha mãe está morta, o que mais importa? — Seu tom era ríspido, mas triste. As suas mãos brincavam com o controle remoto, o que expunha o seu nervosismo.

— Justiça, Carolina! Justiça importa! — respondeu o detetive Lang.

— Que justiça? Ela está morta! Isso não vai mudar! — disse secamente sem desviar os olhos da TV.

— Ela está morta como o seu irmão, não é verdade? — perguntou Ramona, tentando atrair a sua atenção.

Carolina a olhou.

— Sim — respondeu com expressão apática.

Christopher sentou do seu lado no sofá, fazendo-a mudar de postura. Ele tirou o controle remoto de suas mãos e desligou a televisão sem pedir permissão.

— Precisamos saber o que aconteceu, Carolina, estamos aqui para isso e só iremos embora depois que você nos responder. Lamentamos sua perda e lamentamos mais ainda não ser possível modificar o que aconteceu, mas mesmo assim, é necessário que seja feita justiça, pela sua mãe, por seu irmão e por você. Não pensa que ele pode vir atrás de você a qualquer momento? Não quer vê-lo pagando por seus crimes? — Encarou-a, mas ela não respondeu. — Você quer, Carolina, nós sabemos que você quer! Queria isso antes, quando ele quebrou o seu braço e você foi parar no hospital e quer também agora, porque ele matou a sua mãe!

As palavras do detetive doeram profundamente em Carolina, mas era exatamente esse o impacto que ele esperava. Seu choro era alto, suas lágrimas, que ela acreditava não ter mais de tanto que já tinha chorado, rapidamente inundou seu rosto de menina que ela escondia entre as mãos.

— Minha mãe morreu por minha culpa! Se eu não tivesse falado aquilo no hospital, ele não teria matado ela — disse entre soluços, enquanto a tia se aproximou e a abraçou, dizendo que a culpa não era dela, mas dele, ele que era um monstro com sua família.

Os detetives aguardaram alguns minutos enquanto a garota se recompunha, ela olhava-os com tristeza, mas agora lhes daria atenção.

— Sua tia está certa, nem você nem ninguém tem culpa pelos atos dele. Precisamos que nos ajude a ajudá-la, Carolina — disse carinhosamente Ramona.

— Tudo bem — concordou ela. — Logo que eu recebi alta, minha mãe me levou do hospital e implorou para que eu não desse queixa, disse que não falaria contra ele e que negaria as minhas acusações. Disse que ele é meu pai, e que tenho que tentar entender, que ele não era uma má pessoa, mas que agia daquela forma por causa da bebida, mas que um dia ele ia mudar e seríamos uma família feliz de novo. — Ela riu histérica ao concluir a última frase.

— O que foi? — indagou Christopher.

— Nunca fomos uma família feliz, desde que me entendo por gente, ele só a agredia. Se um dia ele foi bom, foi antes de meu irmão e eu nascermos.

— Entendo. Precisamos saber sobre o seu irmão, mas antes, conte-nos sobre o que aconteceu ontem à noite — orientou a detetive.

— Desde que voltei para casa ele tem me agredido com palavras e puxões de cabelo, não estava passando disso, porque minha mãe sempre interferia lembrando que a polícia podia aparecer. Aí ele batia nela, que não reagia, só implorava para ele parar. — As palavras saíam tristes e doía para Carolina pronunciá-las. — Mas ontem, ele estava bêbado demais, ele já chegou dizendo que ia me dar uma lição, que eu nunca mais ia sair falando dele, minha mãe logo o alertou sobre a polícia, mas ele a xingou. Eu estava no quarto e como sabia o que ia acontecer em seguida... — Deu uma pausa e continuou: — Pelo menos eu achava que sabia. Pus meus fones de ouvido e aumentei o volume da música o mais alto que pude para não ouvir os gritos da minha mãe. Aí, não ouvi ele vindo até meu quarto, só o vi empurrando a porta e vindo para cima de mim. Me pegou pelos cabelos e tentou bater no meu rosto, mas minha mãe, que estava desesperada, puxou ele para trás e me mandou correr. Saí correndo, meio tonta com o susto e com a dor, só o escutei gritando com ela e pelo barulho, deve tê-la empurrado. Fui direto até a porta para sair de casa, mas estava trancada, pois minha mãe sempre trancava quando meu pai ficava daquele jeito, para que ninguém entrasse e se metesse naquilo. O desespero não me deixava virar a chave e ele me alcançou, me puxou novamente pelos cabelos e me jogou no chão. Tudo doía por causa do impacto. Achei que fosse desmaiar quando ouvi um barulho atrás do meu pai, ele quase caiu, ficou enfurecido. Minha mãe havia quebrado nas costas dele uma cadeira de madeira. Ele deve ter batido nela, não vi o que ele fez, só lembro que minha cabeça parecia pegar fogo de tanta dor e de ter a impressão de que eu estava sendo arrastada até o chão do banheiro. Ouvi uma porta se fechar e depois muitos gritos da minha mãe. Aí acordei no hospital com minha tia lá.

— Como não houve fraturas e nem nada mais grave, deram alta em algumas horas e eu a trouxe para cá — informou a tia Ruth, ao que Carolina concordou com a cabeça.

— Carolina, e seu irmão, o que realmente aconteceu com ele? — Os detetives já tinham visto o atestado de óbito do garoto no mês anterior, quando ela fez a acusação. Rick Gale tinha quinze anos, o laudo do médico legista dizia que sua morte era devido a dezenas de fraturas ocasionadas por ele ter caído acidentalmente da sacada do apartamento em que morava com a família. Fazia todo sentido, pois moravam no 14° andar e era comum que os jovens se arriscassem sentando no parapeito de suas varandas. Sua irmã, na ocasião tinha apenas dez anos e estava em casa quando o acidente aconteceu, já a sua mãe estava no trabalho.

— Meu irmão sempre tinha apanhado quieto, mas não aguentava mais, naquele dia ele tentou reagir empurrando nosso pai, o que deixou ele mais bravo. Ele levou o Rick para a sacada e disse que ia jogá-lo se ele não pedisse perdão. Acho que o Rick não acreditou nele, pensou que mesmo bêbado não teria coragem, mas ele teve... Eu fiquei desesperada. Quando a polícia chegou, meu pai me abraçava e eu não disse nada. Todo mundo achou que foi um acidente, mas não foi. Quando contei para minha mãe, ela não acreditou em mim, disse que eu exagerava as coisas. Aí saímos do apartamento e fomos para a casa que... vocês sabem. Meu pai passou a beber cada vez mais depois da morte do meu irmão.

— Além de você, mais alguém sabia das agressões que seu irmão sofria? — questionou Ramona.

Carolina olhou para a tia, que se apressou em dizer:

— A família toda. Meu cunhado sempre foi muito violento com a esposa e com as crianças. Só não sabíamos que ele tinha matado o Rick, Carolina nunca nos falou.

— É verdade, eu só falei para a minha mãe, mas ela dizia que eu não podia sair inventando coisas do meu pai.

— Se acusarmos seu pai da morte de seu irmão, você vai testemunhar? — perguntou Christopher.

Carolina assentiu com a cabeça.

— Agora precisamos pegá-lo, Carolina! Sabe em que lugar ele está?

Carolina olhou novamente para a tia, que falou bastante nervosa:

— Não sabemos, aqui ele não está.

— Tia, por favor, conte para eles — pediu com tristeza para sua tia Ruth, e se virando para Christopher: — Ela sabe onde ele está, eu não...

— Precisa nos contar, senhora, ou terá problemas com a lei — disse ele de forma autoritária, olhando nos olhos daquela mulher visivelmente assustada.

  Ela hesitou, mas acabou falando:

— Não gosto dele, nunca gostei. Ele é um monstro, olha o que fez com a família dele, mas entendam, é irmão do meu Charles, e meu marido gosta muito dele. Ontem durante a noite, quando ele fez o que fez, ligou para cá, fui eu quem atendi, estava transtornado, gritava dizendo que queria falar com o irmão dele. O Charles atendeu, desligou apavorado. Olhou para mim e disse que o idiota do irmão dele tinha feito besteira e que tinha que ajudar. Aí ligou para o hospital pedindo uma ambulância e me mandou ir para lá também, para ver a menina. Saiu às pressas e eu o obedeci.

— Onde podemos encontrar seu marido? Alguma ideia de onde tenha levado o irmão? — questionou Ramona.

— Meu marido trabalha em um frigorífico, o Best Meat, ao lado tem um depósito abandonado, os funcionários costumam ir lá para descansar em seu horário de almoço. Charles ia deixar ele lá até que decidisse o que fazer.

— Conheço o frigorífico e sei onde é o depósito. Se avisar seu marido, ambos serão acusados como cúmplices, então não faça nada — disse Christopher.

Ela assentiu com a cabeça.

Logo que saíram da casa de Ruth Gale, Christopher apanhou o celular e discou rapidamente.

— Detetive Lang, pode falar! — disse uma voz rouca do outro lado da linha.

— Preciso de reforços agora para o depósito abandonado que fica ao lado do frigorífico Best Meat — disse de forma educada, mas autoritária. — Ramona e eu estamos indo para lá.

— Ok, estou enviando. — O detetive agradeceu e desligou o celular, entrando no carro seguido por Ramona.

Ainda era cedo, aproximadamente dez horas da manhã, o que significava que antes do almoço o assassino estaria preso, e os detetives teriam cumprido mais uma vez com o seu dever. Outro caso resolvido por eles, apenas mais um de muitos que já haviam passado por suas mãos.

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