"Por Giovanna Carcione"
Por mais que eu torcesse para que os dias se arrastassem, parece que até o tempo foi contra mim. O último mês se resumiu à organização da cerimônia, embalar as minhas coisas para mandá-las à minha nova moradia, e aguentar a empolgação das mulheres à minha volta.Qualquer mulher na Itália mataria para estar no meu lugar. Afinal, casar com Don Matteo e se tornar a senhora Villani é o sonho de consumo da maioria. Mas não para mim, que vejo isso como uma prisão disfarçada de conto de fadas.Após o café da manhã, fecho a última mala com um suspiro resignado. Enquanto observo o restante das minhas coisas empacotadas, uma sensação de sufocamento toma conta de mim. Cada peça de roupa, cada lembrança da minha antiga vida, agora parece um elo a mais na corrente que me prende a esse destino que não escolhi.Os meus minutos de paz, sem que eu precisasse me lembrar desse casamento, são interrompidos por duas batidas duras. A porta se abre lentamente, revelando a figura imponente de Aléssio. Ele me avisa sobre a chegada da cabeleireira e dá um passo para sair, porém, logo recua.Seus olhos, normalmente duros, agora parecem conter uma sombra de compaixão. Ele se aproxima e senta ao meu lado, em silêncio por um momento, como se buscasse as palavras certas.— Não deveria encarar isso como uma sentença de morte, sorellina. Você vai se adaptar ao seu novo papel. — meu irmão tenta me confortar, ajeitando uma mecha solta do meu cabelo.— Por que tudo tem que ser assim, Aléssio? Por que não podemos ter uma vida normal? — suspiro, sentindo o peso da tradição sobre meus ombros.— É a nossa realidade, Gio. Você conhece nossa história, as obrigações... Não há como fugir da tradição, principalmente quando envolve tantas coisas.— Tradição arcaica. — afirmo, revirando os olhos. Alessio estala a língua e balança a cabeça negativamente, provavelmente cansado de ouvir os meus lamentos. — Mas como podemos ter certeza sobre Don Matteo? E se ele tiver segundas intenções?— Don Matteo teve todos os passos vigiados nos últimos três meses, desde que ele propôs a nossa aliança, alguns dias após aquele ocorrido com você. Ele não tem segundas intenções, confie em mim. Mas, se ele te fizer mal, serei o primeiro a protegê-la, isso eu prometo.— Obrigada por tentar me animar.— Você sempre será o meu docinho, Sorella. — ele declara, me puxando para um abraço forte. Aléssio beija o topo da minha cabeça e se levanta. — Agora comece a se preparar. A noiva não pode se casar usando pijama.[...]Após passar o dia inteiro recebendo os devidos cuidados para me tornar a noiva perfeita para a cerimônia, enfim encarei meu reflexo.O vestido de noiva, de um branco deslumbrante, envolve-me com a suavidade do cetim, realçando as minhas curvas. Os bordados delicados e os detalhes em pérolas realçam a beleza do vestido. Os cabelos estão perfeitamente presos em um coque impecável. Meus olhos verdes com um toque sutil de sombra e meus lábios com um tom suave de rosa.Ao me surpreender com o resultado, percebo que sou uma versão de mim mesma que é, ao mesmo tempo, estranha e familiar. Sinto-me como uma atriz em um palco, desempenhando um papel que me foi imposto, enquanto minhas emoções conflitantes se escondem sob o véu branco, aguardando o inevitável.— Você está linda, filha. — minha mãe diz, me entregando o buquê de lírios-brancos. — Tenho certeza de que você será muito feliz.Com o buquê em mãos e as palavras carinhosas de minha mãe ecoando em meus ouvidos, o meu pai me oferece o braço e me conduz até o carro. Em poucos minutos, um comboio se forma atrás de nós, nos acompanhando até a igreja onde vi Don Matteo naquela noite.De todos os preparativos, o meu único pedido foi que a cerimônia não acontecesse nesse local. E foi o único que Matteo não quis acatar. Matteo, ao ouvir a minha recusa ao local escolhido, quando fiquei completamente em pânico por imaginar ter que reviver aquela noite, algo em seu olhar me mostrava que ele se divertia ao ver o meu pavor.Engulo seco quando estacionamos em frente à igreja, me concentrando na minha respiração para não chorar. As memórias daquela noite traumática parecem se entrelaçar com o presente, tornando o momento ainda mais pesado.Mesmo com sua expressão indecifrável, típica de um Don, vejo um pouco de compreensão no olhar do meu pai. Ele beija a minha cabeça e me deixa sozinha no carro, para que eu possa me acalmar.Enquanto meu pai se afasta, permitindo-me um momento de solidão, tento reunir a força necessária para enfrentar o que está por vir. Respiro fundo, sentindo o ar penetrar meus pulmões e me trazer uma sensação de calma momentânea.Meu pai me estende o braço assim que abro a porta e me conduz até a porta da igreja. Quando a marcha nupcial toca, os olhares de todos vêm em minha direção. Meu olhar se encontra com o de Aléssio, que está posicionado ao lado de Giuseppe, no altar, e ele me lança um sorriso encorajador.Ao me aproximar do altar, percebo a figura imponente de Don Matteo, aguardando minha chegada. Meu futuro marido está usando um terno preto, gravata azul-turquesa e seus cabelos negros perfeitamente arrumados. Devo admitir, ele ficou ainda mais bonito.Seus intensos olhos azuis me estudam, e um sorriso sutil brinca em seus lábios. Engulo em seco, tentando conter as emoções tumultuadas que ameaçam transbordar. A cerimônia se inicia, e as palavras do padre se tornam um zumbido distante em meus ouvidos.O ar se torna pesado e respirar parece cada vez mais difícil para mim. Tudo o que eu quero é que isso termine de uma vez. E então, agradeço mentalmente quando chega a hora de trocarmos as alianças.No automático, coloco o pequeno objeto metálico no dedo de Matteo. Ele faz o mesmo em mim, finalizando o ritual com um beijo frio e distante em meus dedos.— Eu vos declaro marido e mulher. — o padre diz, com um sorriso formal, oficializando o casamento. — Pode beijar a noiva.Matteo levanta o véu, me dando um sorriso ao se aproximar. Por breves segundos, seus lábios tocam os meus. Neste momento, a menina dentro de mim acreditou que algo pudesse mudar, que magicamente eu me apaixonaria por ele. Mas a única coisa que senti foi como se um cubo de gelo estivesse ali, em contato com a minha pele.Enfim, casados… pelo menos perante a lei de Deus e na lei dos homens. E assim, seguindo a tradição, Giovanna Carcione ficou oficialmente para trás, se tornando Giovanna Villani.À medida que deixamos a igreja, o vento salgado do mar acaricia meu rosto, misturando-se com o perfume das flores em minhas mãos. Matteo segura minha mão com firmeza, e nossos passos se dirigem para a majestosa Villa à beira-mar, onde a recepção nos espera.Nos sentamos no salão principal, onde os convidados estão reunidos, e logo as conversas paralelas se iniciam na mesa. Poucas horas depois, meu olhar se fixa em um rosto que eu preferiria nunca mais ver.O homem daquela noite está ali, entre os convidados, observando-me com um olhar que corta minha alma. O pânico toma conta de mim, meu coração dispara e a respiração fica superficial. Encolhida, tento controlar os tremores que percorrem meu corpo, enquanto a lembrança daquela noite horrível retorna com força total.— Com licença. Preciso ir ao banheiro.Com uma voz trêmula, peço licença e me levanto da mesa, com a mente em turbilhão. No entanto, enquanto atravesso o salão em direção ao banheiro, não consigo evitar a sensação de que aquele homem continua me observando, como se aquela noite de terror não tivesse acabado para mim.