Ajudo minha mamãe a recolher a mesa depois do almoço, e o peso do sono me invade de repente. Sempre que termina a refeição, sinto uma molesinha gostosa, como se o dia estivesse me chamando para um cochilo, mas, infelizmente, eu não consigo dormir durante o dia. Depois de ajudar a mamãe com a louça, enxaguando os pratos e colocando as peças na lava-louças, vou para a sala, onde papai está sentado no tapete felpudo com as crianças.
Benjamin, o mais novo, segura seu mordedor de morango, e consigo ver a baba escorrendo pelo queixinho dele, molhando o babador que está amarrado ao redor do pescoço. Luana Maria, por outro lado, está montada nas costas do papai. Ele tenta pedir para ela descer, mas ela ignora com uma precisão impressionante, rindo e se divertindo.
Mariana, Enzo e Felippo estão ao lado do papai, jogando Uno, como sempre. A conversa está fervendo, com todos discutindo animadamente sobre uma regra do jogo. É um momento tão divertido e bagunçado, e eu não consigo deixar de sorrir ao ver todos juntos.
— Qual é a regra? — pergunto, me sentando entre eles.
— Não pode jogar um +2 em cima de um +4 — diz Felippo, me olhando ansioso, como se estivesse esperando que eu concordasse com ele. Afinal, fui eu quem o ensinou a jogar.
— Isso mesmo, Lipo — confirmo, sorrindo. — Uma carta +2 só pode ser colocada em cima de outra carta +2.
— Viu só, Enzo? — Felippo se vira para o irmão, cheio de confiança.
Vejo Enzo fazer uma careta para Felippo, e não consigo segurar o sorriso ao notar que Mariana está apenas observando, de braços cruzados, com uma expressão bem séria.
— O Enzo é muito teimoso — comenta Mariana, descruzando os braços e empurrando o monte de cartas na direção do irmão gêmeo. — Agora compre duas, Enzo!
Enzo olha para Mariana com as bochechas infladas, claramente emburrado. Mesmo contrariado, ele compra as duas cartas do monte, resmungando um pouco. O jogo continua, e eu curto cada momento com todos ali no tapete, onde mamãe se juntou a nós pouco tempo depois.
Nossos sábados são sempre assim, em família. Às vezes viajamos, outras vezes vamos a algum parque, até mesmo à Disney. E quando estamos em casa, é desse jeito: juntos, cheios de amor, e claro, com algumas brigas típicas entre os irmãos. Às vezes, confesso que sou um pouco culpada, pois, como irmã mais velha, adoro zoar os mais novos só por diversão.
Meu celular apita, e eu pego ele em cima do sofá. Ao abrir a tela, vejo uma mensagem do John, que faz meu coração disparar e um sorriso surgir no meu rosto. Sinto meu eu interior vibrar de alegria. Mas, ao abrir a mensagem, meu coração dá um salto: percebo que, em meio à euforia do nosso beijo, eu esqueci que ele me convidou para sair!
Olho para mamãe e depois para papai, que estão tão entretidos quanto os demais no jogo de tabuleiro. Sei que vai ser difícil convencer papai, mas, ainda assim, vou tentar.
— Mãe, pai — digo, chamando a atenção de ambos, sentindo o nervosismo aumentar quando seus olhares se fixam em mim. — O John me convidou para sair.
Minha voz sai mais baixa do que eu queria, traindo meu medo e insegurança. Vejo papai erguer as sobrancelhas, enquanto meus irmãos me olham como se eu tivesse dito algo absurdamente inesperado, como se eu tivesse sido abduzida por alienígenas.
Felippo, que com apenas onze anos já parece um jovem adulto, me observa e balança a cabeça, como se soubesse, assim como eu, que a resposta do nosso pai seria um sonoro e definitivo "NÃO".
Mamãe olha para papai e o cutuca levemente no braço. Depois de um suspiro, ele me encara novamente.
— Quero saber aonde vocês vão, com quem vão, nada de bebidas e, às dez horas em ponto, em casa.
Todos olham surpresos, de papai para mim, e agora percebo que quem realmente foi abduzido foi ele.
— Sério? Eu posso mesmo ir? — pergunto, tentando conter a empolgação.
— Sim, meu amor — responde mamãe, com um sorriso carinhoso.
Fico parada por alguns segundos, tentando assimilar a informação, confusa por não ter precisado nem argumentar para conseguir o consentimento. É um pequeno milagre!
— Eu escolho o seu look — diz Mariana, se adiantando com um brilho nos olhos. — Você é péssima com isso.
Todos rimos, e é impossível não rir. Mariana é a personificação de uma mini rainha da moda, e o melhor de tudo é que ela realmente tem talento para isso.
Olho para mim mesma no espelho e vejo o look que Mariana escolheu. É um vestidinho azul que vai até acima dos meus joelhos, e eu tinha pensado em usar um All Star branco, mas ela me convenceu a calçar uma sandália da mamãe. Sorte a minha que calço o mesmo número que ela! Para completar o visual, coloquei um brinco delicado nas orelhas e o colar da mamãe enfeita meu pescoço.
— Agora falta o batom — diz ela, já abrindo o batom que usou em mim ontem, quando fui à fogueira.
— Não, não. Sem batom hoje — respondo, lembrando da possibilidade de ele me beijar novamente. — Que tal um gloss?
Mamãe ri da nossa conversa, enquanto Mariana revirou os olhos, soltando o ar como se estivesse muito indignada.
— É sério, Denise?
— Seríssimo, Lorena — afirmo, tentando manter uma expressão convincente.
Me viro e pego o gloss de uva da minha necessaire. Assim que termino de aplicar, guardo na bolsa, para o caso de precisar retocar mais tarde. Coloco a bolsa ao meu lado, e mamãe me olha com um olhar todo babão.
— Minha pequena cresceu! — ela comenta, com um tom de tristeza que faz meu coração se aquecer.
— Mas eu sempre serei sua pequena, lembra? — digo, relembrando o que ela me disse na noite anterior.
Ela me abraça forte, como se nunca mais fosse me largar, e nesse momento, sinto todo o amor dela me envolvendo.
John me trouxe ao shopping, e eu agradeci pelo look que Mariana escolheu. Não é nada muito sofisticado, mas também não é simples demais. O filme passa no telão à minha frente, mas quase não consigo fixar minha atenção. Sempre ouvi as meninas da minha turma comentando sobre como elas se agarram e se beijam com seus namorados no cinema, e aqui estou eu, esperando ansiosa por isso.
O filme já está mais da metade, e olho para John, que me observa com um olhar de “O que foi?”, me deixando sem graça. Como assim, “O que foi?” Não é isso que a gente faz no cinema? Não vamos nos agarrar e trocar beijos até não aguentar mais?
Balanço a cabeça negativamente e, com um sorriso sem jeito, volto a olhar para a tela, me sentindo um pouco tola. Será que estou querendo demais?
Depois do filme, fomos até uma máquina de pegar ursinhos. Após sete tentativas, John me olha, entortando a boca com pesar.
— Desculpe, não sou muito bom nessas coisas.
— Tudo bem, o que importa é que você tentou — respondo, tentando fazê-lo relaxar. Meu comentário faz ele soltar os ombros, e ele pega minha mão, entrelaçando os dedos.
— Acho melhor a gente ir — diz ele, e concordo. De mãos dadas, caminhamos até o estacionamento. Antes de entrarmos no carro, paro e ele me olha com uma expressão confusa.
— O que houve?
Olho para ele, sentindo o vento batendo em meus cabelos, fazendo-os voar para a frente do meu rosto. Pego uma mecha e a coloco de lado, pousando-a sobre meu ombro esquerdo, como se isso fosse mantê-los quietos. Sinto um arrepio subir pelos meus braços, causado pelo vento gelado, e esfrego os braços com as mãos, esperando em vão que ele me ofereça a jaqueta do time que ele está usando. Mas, ao que parece, ele está meio alheio ao meu gesto.
— Hum... Não é nada — digo, sorrindo sem graça. — É que... está tudo bem entre a gente?
Vejo John estreitar as sobrancelhas, claramente confuso com minha pergunta.
— Sim, por quê? Eu fiz alguma coisa? Me desculpa... eu...
— Não, não é nada — o tranquilizo. — É coisa da minha cabeça. Vamos?
Ainda meio desconfiado, John abre a porta do carro e eu entro, sentando-me e puxando o cinto sobre o corpo. Claro que eu esperava um pouco mais da parte dele, o que me deixa um pouco insegura. Quase não conversamos hoje. É tão diferente de ontem à noite, quando tivemos tanto assunto. Mas, pensando bem, tudo o que falamos era sobre a fogueira, o time ou sobre mim como líder. E isso, claro, é a nossa realidade.
Mas confesso que esperava que, com este encontro, fôssemos nos aprofundar um pouco mais nas coisas e perguntar sobre coisas pessoais, como minha cor favorita, sobre nossas famílias ou sei lá.
Você pensa demais, Denise!
Ele entra no carro, e começamos o trajeto em silêncio. Noto que ele parece nervoso, olhando para mim a toda hora, como se estivesse esperando o momento certo para dizer alguma coisa. Merda! Agora entendi tudo: ele não se identifica mais comigo. Ele vai dizer que não quer mais sair comigo!
Minha eu interior se tranca dentro do guarda-roupas, tentando se esconder do desespero e do caos que se formam dentro de mim.
De repente, o carro para em frente à praça na rua de casa. Olho para ele, sentindo minhas mãos suando e uma vontade imensa de sair correndo antes que ele me dispense.
— Denise, eu quero te perguntar uma coisa — ele começa, e meu estômago se revira de medo e ansiedade.
— O que? — é a única coisa que consigo dizer, minha voz saindo quase como um sussurro.
Merda! Merda! Merda!
— Você quer namorar comigo? — suas palavras saem rápidas, e é claro que ele está nervoso.
Olho para ele, surpresa, e meus olhos revelam isso. Um sorriso aliviado e feliz surge nos meus lábios, e sinto ele puxar minha mão esquerda em sua direção.
— Eu estou gostando muito de você e quero que você seja a minha namorada. Você é tão linda, tão legal, e nós nos damos tão bem.
Ok! Eu esperava algo totalmente diferente, mas estou em êxtase com esse pedido. Minha eu interior, que espiava por uma fresta da porta entreaberta, coloca a cabeça para fora, com a expressão de surpresa, e grita para mim: “ACEITA LOGO!”
— Eu... Sim, John. Eu quero sim ser a sua namorada.
Fogos de artifício poderiam estourar agora para tornar esse momento ainda mais perfeito, mas a fonte que jorra água a poucos metros já faz tudo isso parecer um pouco mais encantador.
Ficamos nos olhando por alguns segundos, perdidos, sem saber o que dizer ou fazer. Então, John toma uma atitude e se inclina na minha direção. Nossos lábios se juntam em um selinho demorado. Eu sei que beijar não é só isso; vejo nos filmes e séries que assisto, e fico pensando que, talvez, John seja tão inexperiente nisso quanto eu.
Sem perder tempo, decido tomar a iniciativa e copiar os gestos que vejo nas séries. Movendo meus lábios de uma forma que ele segue, uffa, finalmente nos beijamos de verdade! Não como ontem, que também foi especial, mas este momento é diferente.
Mas espera aí, chega de pensar e curte o momento, Denise!
Depois de uns três beijos, John liga o carro e seguimos em direção à minha casa, que fica a duas quadras da pracinha. Assim que ele para o carro, já vejo meu pai plantado no jardim, com os braços cruzados e um olhar sério. Engulo em seco e olho para John, nervosa.
— Obrigada pela noite! Foi divertido — digo, sorrindo.
— Eu também gostei! — ele responde, mas seu olhar ansioso se dirige para o meu pai, refletindo o medo que ele sente. — É melhor você ir; já nos atrasamos, e ficar aqui conversando não ajuda.
Olho para o painel do carro e percebo que estamos quinze minutos atrasados, culpa, claro, dos beijos e do pedido de namoro. A vontade de dar um último beijo antes de sair do carro é intensa, mas isso se torna impossível com papai nos encarando a poucos metros.
Saio do carro e caminho na direção de papai, que está parado, olhando para o veículo com um olhar sério e fulminante. Sinto um gelo na espinha, mas, ao mesmo tempo, as borboletas vibram no meu ventre.
— Desculpe o atraso, papai! — digo, mantendo a voz baixa. — O John estava tentando pegar uma pelúcia na máquina do shopping.
— Devia ter ligado avisando — ele responde em um tom bravo. — E por que não atendeu o celular?
— Eu não ouvi tocar, me desculpe — murmuro, sentindo a ansiedade crescer.
Um silêncio palpável nos envolve enquanto ouço o som do motor do carro de John se distanciando.
— Tudo bem, entre — papai diz, e eu obedeço, sem dizer mais uma palavra. Sigo direto para o meu quarto, temendo que se eu falar demais, posso acabar levando uma bronca ainda maior, se é que posso chamar o que aconteceu agora de bronca.
Depois de vestir o pijama, finalmente pego meu diário que estava escondido embaixo do colchão e me deito de barriga para baixo. Abro meu estojo, cheio de canetas coloridas, e suspiro profundamente antes de começar a escrever sobre os últimos acontecimentos.
“Querido diário,
Tenho tanta coisa para contar! Vamos aos fatos:
Entrei oficialmente para a equipe de líderes de torcida. Palmas para mim!
Dei o meu primeiro beijo. Duas vezes! Sim, eu conto a primeira como meu primeiro beijo, pois, como você bem sabe, eu jamais havia encostado minha boca na boca de alguém. Então, meu primeiro beijo foi só um encostar dos lábios dele nos meus. Foi empolgante, tão assustador, mas incrível. Já o segundo primeiro beijo foi agora há pouco. Depois da fogueira de ontem à noite, na qual fui com o John, ele me chamou para sair, apenas nós dois. Achei que papai não deixaria, mas, para minha surpresa, nem precisei insistir. Depois do cinema, ele parou o carro na pracinha aqui da rua e me pediu em namoro, mas calma, estamos falando do meu segundo primeiro beijo ainda! Foi diferente dessa vez. Eu movi meus lábios nos dele, igual vejo na televisão, e ele seguiu o movimento. Demos uns três beijos assim antes de voltar para casa. Foi muitoooo bom!
Agora sim, o fato mais importante: antes desse segundo primeiro beijo, ele me pediu em namorooooooo!
Nossa, estou tão empolgada que nem sei se consigo dormir. Acho que vou passar a noite sonhando acordada.
Bom, é isso.
Beijos, Denise.”