Mariana Salles
Normalmente, quando levam um pé na bunda, muitas mulheres se trancam no quarto, afogam-se em sorvete e lágrimas, e se afundam naquele looping de perguntas torturantes: O que eu fiz de errado? Será que não fui o suficiente? Onde foi que me perdi? Comigo? Bom... não foi bem assim. Alicia e Fernanda, minhas melhores amigas e parceiras de caos, não deixaram nem o luto amoroso bater direito na porta. Em menos de vinte e quatro horas, já tinham decidido meu destino — e comprado três passagens para Roma. Sim, Roma. Com R maiúsculo, sotaque carregado e uma promessa de vinho barato e vistas de tirar o fôlego. Dois dias após o fim do meu relacionamento com Felipe, lá estava eu: empurrada emocionalmente (e quase fisicamente) a arrumar minhas malas para embarcar rumo à Itália em poucas horas. Sempre sonhei em conhecer aquele país. Meus bisavós eram italianos, mas as raízes europeias foram se diluindo nas gerações seguintes — e isso, sinceramente, só tornou minha família mais incrível. Meu tio Henrique casou com Carol, uma mulher deslumbrante, de pele negra retinta e cachos volumosos de causar inveja até em propaganda de creme. Juntos, tiveram filhos lindos com traços misturados. Meu pai, por sua vez, se apaixonou por minha mãe — descendente de povos originários — e daí nasceram eu e meu irmão: um combo perfeito de pele morena, olhos escuros e identidade plural. Essa mistura sempre foi o que eu mais amei na nossa família. Brasileira raiz. Sem rótulo, sem molde. Só essência. — Mari, não esquece os biquínis! — a voz da Alicia pipocou no viva-voz, me arrancando dos devaneios familiares. Estávamos em uma chamada de vídeo tripla, cada uma empacotando roupas e emoções ao mesmo tempo. A bagunça era real, mas a empolgação começava a tomar conta. — Já estão aqui — respondi, apontando para a parte da mala que já abrigava biquínis e lingeries. — Tá tudo junto, organização nível Mari. Alicia fez sinal de positivo e voltou a dobrar alguma roupa fora de foco. Eu respirei fundo e voltei à missão: transformar o caos emocional em uma mala pronta para o verão europeu. Confesso que ainda não estou na minha melhor fase. Término recente, orgulho ferido, coração meio amassado... Mas viajar com as minhas melhores amigas parecia o antídoto perfeito. A duração? Ainda era um mistério. Elas garantiram que seria rápido — no máximo duas semanas, já que todas temos compromissos e boletos esperando no Brasil. Afinal, somos advogadas. Três mulheres que se conhecem desde a infância e que, por alguma conspiração do destino, decidiram seguir o mesmo caminho: cursar Direito. Cada uma com sua motivação. Alicia sempre sonhou em ser juíza, mas no momento trabalha com Direito Empresarial. Fernanda, com alma de defensora, escolheu a área trabalhista. E eu... fui direto para o lado sombrio: Penal. Talvez por gostar de entender o que leva alguém a cruzar a linha. Ou talvez porque, no fundo, sempre tive essa queda pelo que é intenso demais. Depois da formatura, unimos forças, abrimos nosso próprio escritório e desde então, sobrevivemos entre audiências, processos e cafés fortes demais. Mas agora, pela primeira vez em anos, o plano não incluía trabalho, clientes ou prazos. Incluía vinho, pizza... e a esperança silenciosa de que Roma soubesse, melhor do que eu, como curar um coração partido. (...) O saguão do aeroporto estava uma mistura de vozes apressadas, rodas de malas girando em falso e anúncios repetitivos que ninguém realmente ouvia. A tela de embarques piscava com nomes de cidades que pareciam prometer recomeços — e entre elas, lá estava o nosso destino: Roma – 22h45 – Embarque Imediato. — Ok, é oficial. A gente tá mesmo indo pra Itália — Fernanda disse com um sorriso nervoso, ajeitando os óculos escuros no topo da cabeça como se fosse disfarce. — E eu ainda tô esperando alguém acordar e dizer que é pegadinha — Alicia resmungou, empurrando a mala como se estivesse fugindo de algo. — Eu nunca fui tão impulsiva na minha vida, socorro. — Isso porque não foi você quem levou um fora do nada — falei, tentando sorrir, mas ainda com aquele gosto meio azedo de quem não teve tempo nem de processar o fim. Elas me olharam com aquela expressão de “a gente sabe”, mas nenhuma disse nada. Foi o melhor silêncio da noite. Passamos pela segurança trocando piadas nervosas e tentando parecer mais viajadas do que realmente éramos. Quando a aeronave apareceu pela janela de vidro, toda imponente sob as luzes da pista, senti o estômago revirar — e pela primeira vez desde que tudo desabou, tive a sensação de que algo novo estava prestes a começar. Nos acomodamos nos nossos assentos lado a lado, e assim que o avião começou a taxiá, Alicia já estava vasculhando o catálogo de filmes do sistema de bordo, Fernanda preparava um colchonete improvisado com o cachecol, e eu… eu só olhava pela janelinha. O reflexo do meu rosto meio apagado pelo vidro me fez encarar de frente o que eu mais evitava: eu estava triste. Cansada. Machucada. Mas também… pronta. Pronta pra deixar Felipe no retrovisor. Pronta pra permitir que Roma me bagunçasse, me surpreendesse — e quem sabe, no meio disso tudo, me reconstruísse. — Se eu pegar um italiano, vocês prometem que não vão me julgar? — Fernanda perguntou do nada, interrompendo meus pensamentos com o tom mais sério do mundo. — Só se ele for bonito, educado e trouxer vinho. — Alicia rebateu, já rindo. — Ou seja… impossível esse combo. — Eu murmurei, arrancando gargalhadas das duas. O avião decolou levando nossos corpos e, com sorte, deixando pra trás as mágoas. Naquela noite, a cidade eterna nos esperava. E a gente nem imaginava que a vida que estávamos fugindo ia nos encontrar justamente lá, entre ruínas antigas e corações perigosamente novos. Resolvi deixar os pensamentos de lado e me entreguei ao sono, me permitindo dormir pelo restante da viagem. Foi então, que senti alguém me cutucar, ao abrir lentamente os olhos, vi que Fernanda estava me chamando. — Chegamos!! O avião tocou o solo romano com um leve tranco e, no mesmo segundo, Alicia começou a bater palmas discretas, como se quisesse comemorar, mas também evitar o olhar de julgamento de um europeu aleatório. — Chegamos, caralhö! — ela sussurrou pra gente, empolgada, enquanto Fernanda já puxava o celular pra registrar tudo. O aeroporto de Fiumicino era movimentado, imenso, e o italiano ao nosso redor parecia uma trilha sonora de filme. Tudo era novo, tudo parecia bonito — até a placa da alfândega. — Tá tudo bem se eu me emocionar só de ver um carrinho de bagagem com a bandeira da Itália? — perguntei, rindo fraco enquanto empurrava minha mala. — Tá tudo bem se eu me emocionar só de não estar mais no Brasil? — Fernanda respondeu, bocejando alto. A imigração foi mais tranquila do que esperávamos. Quando o carimbo bateu no meu passaporte, eu juro que senti um clique interno, como se o universo dissesse “agora vai”. Na saída, o vento noturno de Roma nos recebeu com um abraço fresco e o aroma sutil de café vindo de algum lugar — ou talvez fosse só imaginação, porque estávamos todas sonhando acordadas. Pegamos um táxi e demos o endereço do nosso Airbnb, um apartamento charmoso perto de Trastevere. No caminho, passamos por ruas estreitas, janelas com varais cheios de roupas penduradas, scooters ziguezagueando como se o trânsito fosse um esporte radical, e igrejas antigas iluminadas como cartões-postais. — Isso aqui é um absurdo de lindo — Alicia murmurou, com a cara grudada no vidro. — A gente devia casar com a Itália — Fernanda completou. — Três brasileiras, um país... dá uma série. Chegamos ao apê já quase amanhecendo. Era pequeno, mas acolhedor, com uma varanda minúscula e uma vista ridícula de tão poética. Largamos as malas como se tivessem mil quilos e nos jogamos no sofá-cama, na cama do quarto, em almofadas espalhadas pelo chão. — Vamos dormir umas horinhas e depois sair? — perguntei, com a voz já sumindo. — Só se antes a gente brindar com esse vinho barato aqui — Alicia disse, tirando uma garrafa da mala como se fosse um tesouro contrabandeado. — A mulher trouxe vinho na mala! — Fernanda riu. — Você é minha heroína. Brindamos. Por nós. Pelo fim. Pelo recomeço.Marina SallesAcordei com a luz invadindo o quarto como um tapa na cara. A cabeça ainda girava um pouco, culpa do vinho barato da noite anterior, mas a empolgação gritava mais alto do que qualquer resquício de ressaca.— Levanta, morta-viva! — Alicia gritou da varanda, sacudindo uma caneca de café como se fosse um troféu.Resmunguei alguma coisa ininteligível e me arrastei até o banheiro, prometendo a mim mesma que hoje seria diferente. Hoje, eu viveria. Sem lamentações. Sem Felipe. Sem passado.Quando saímos do apartamento, Roma parecia uma pintura viva. As ruas de paralelepípedo, os prédios antigos cobertos de hera, o som das vespas zunindo pelas vielas... Tudo era tão bonito que chegava a ser irritante.Passeamos pela Fontana di Trevi, jogando moedas e fazendo desejos idiotas. Subimos os degraus da Piazza di Spagna, tiramos fotos cafonas com sorvetes na mão e nos perdemos mais vezes do que seria aceitável para três advogadas adultas.Mas ninguém reclamou.Nem eu.No início da tarde
Dante BianchiO vapor ainda escapava do banheiro quando saí, passando a toalha pelo cabelo molhado. A noite prometia, e eu não pretendia fazer feio. Principalmente hoje. A inauguração da Lustro era um evento importante — não só para Enrico, meu amigo de longa data, mas também para mim. Em lugares como esse, alianças eram forjadas, negócios eram sussurrados, e oportunidades surgiam para quem sabia jogar.Caminhei até o closet, os passos ecoando no piso de madeira, e deixei os olhos percorrerem as opções meticulosamente organizadas. Escolhi uma camisa social preta, tecido leve e corte impecável, que vestia meu corpo como se tivesse sido feita sob medida. Deixei dois botões superiores abertos, expondo parte do peitoral e a corrente de prata que pendia casualmente, brilhando sob a luz indireta. Combinei com uma calça social igualmente preta, ajustada na medida certa, e finalizei com um cinto de couro trabalhado, os detalhes prateados alinhando com o metal da corrente.No pulso, prendi meu
Marina Salles O som pulsava em meus ouvidos, vibrando por cada célula do meu corpo, e eu me deixava levar sem reservas. Meus quadris se moviam em sincronia com a batida, ora lentos, ora marcados, como se fossem parte da música em si. O calor da pista, o brilho das luzes cortando o espaço e as risadas das meninas me envolviam num transe quase hipnótico. Esquecida de qualquer preocupação, eu dançava como se o mundo tivesse encolhido até caber naquele momento. Apesar de ter hesitado em vir, agora eu sabia que essa era a escolha certa. Estávamos em Roma, vivendo uma noite que prometia se gravar na memória para sempre. Quando a batida de "Downtown", da Anitta, invadiu a boate, eu e as meninas trocamos um olhar cúmplice e explodimos em risadas. Ninguém ali parecia entender a energia que aquela música trazia pra nós. Era como se nossas raízes falassem mais alto. Como boas latinas, deixamos nossos corpos contarem a história. Minhas mãos deslizaram pela lateral do meu corpo enquanto e