21:45 PM

— É claro que pode! — William o responde, sendo bastante prestativo e até mesmo interessado em ajudá-lo de verdade.

Eu ainda estou pensativa, me perguntando o que diabos estou sentindo. Talvez tenha sido o vinho. Apesar de uma garrafa não ser o suficiente para me embebedar — não uma compartilhada —, ainda assim, meu corpo parece estar mais elétrico. Então, sentindo os meus pés doerem, eu tiro os sapatos de salto alto. Não sei o motivo exato por ter colocado-os, eu nem mesmo sou adepta ao salto e muito menos sei andar bem com eles. De qualquer forma, me sinto aliviada quando os tiro, colocando-os do meu lado perto da porta. A satisfação é instantânea e vem de repente. Essa merda estava muito apertada!

— Isso é bom! — a voz de Hector está, agora, mais animada e eufórica: — O que tu acha de já chegar dizendo logo tudo? Jogar a verdade em cima dela e vê no que dá?

William pensa por alguns instantes, analisando a proposta feita pelo bêbado. Penso que comigo seria uma boa ideia. Que, se estivesse na pele de Suzane, gostaria de receber toda a verdade de uma vez só. Todavia, ao mesmo tempo, talvez, se eu fosse essa moça, fugiria para bem longe por não saber como lidar.

É difícil tentar simular situações e saber como o outro irá reagir quando não se dá para prever o futuro e nem saber o que alguma pessoa pensa em fazer. Então, de repente, a ideia de Hector, para mim, parece meio falha. É claro que se ele quiser treinar é uma boa ideia. Mas acredito que as coisas — às melhores, pelo menos —, acontecem de repente. Enquanto estamos apenas vivendo.

Lá fora outra música está tocando, e eu me lembro dela. Lembro com perfeição. Por que essa música justo agora? Ela ecoa feito um fantasma entrando pelas frestas desse banheiro, levando até mim a lembrança de um passado não tão distante, mas ao mesmo tempo, não muito recente.

Eu me lembro do dia em que fui com uma de minhas amigas da escola para uma festinha. Vânia estava eufórica por que estava completamente apaixonada por um moço aleatório, a quem eu sequer conhecia bem, mas ele estaria lá. Na verdade, era uma festa na casa dele. Haviam muitas pessoas as quais eu não conhecia, mas eu não estava lá por diversão — embora a música fosse boa e o clima interessante. O tal moço, Simon, tinha convidado-a para ir, e ela, que não desejava ir sozinha, havia quase implorado para que eu fosse.

Vânia estava amalucada, quase tendo um ataque. Sua paixonite era intensa e ela estava quase entrando em colapso quando Simon apareceu. E então ela sumiu no meio da multidão com ele, me deixando sozinha.

Lembro da luz avermelhada. Dos adolescentes —  alguns anos mais velhos que eu —, bebendo e matando a vontade que os seus hormônios possuíam. E lembro dele. William. Sentado em uma rodinha com um violão nas mãos tentando cantar através da música super alta com os seus amigos. Lembro do seu olhar. Algo difícil de decifrar. Não tive tempo para pensar em ao menos lhe dar algo além de um sorriso. Uma garota de cabelo castanho aloirado sentou -se ao seu lado, dando-lhe um beijo intenso. Depois do que parecera séculos consegui desviar.

Mas os meus olhos teimosos queriam voltar até lá. Não deixei.

— Mas como tu faria isso? Ensaia aí para eu ter uma ideia. — William pede.

— Você quer que eu finja que estamos em uma peça?

— Mais ou menos isso. — responde ele, deixando que o seu cabelo caía novamente para trás quando se move. Tento bisbilhotar sua tatuagem, mas o ambiente escuro não permite.

“Droga!”

A Angelina adolescente bufa, irritada, enquanto a mais madura, sentada ao lado dela observando tudo com uma expressão mais seria e fechada não esboça nenhuma reação. Ela sabe como se manter calma. Queria ser como ela, mas no momento, estou mais conectada com a garota que cruza os braços e revira os olhos com raiva. Essa sim eu entendo.

Hector sorri. Na verdade, gargalha.

— Isso é tão ridículo e vergonhoso. Me sinto ridículo. — diz ele.

William sorri, mas não é um sorriso debochado e sim de compreensão a sensação que Hector está sentindo.

— Está tudo bem, Hector, você não é ridículo! — garante William: — Vamos, tente. Estamos aqui para ajudá-lo.

Hector murmura um “tudo bem” sorrindo, e parece que o clima fica mais ameno e leve.

— Quero ajudá-los. — digo, porque a situação parece começar a ficar interessante: — Posso fazer o papel da Suzane.

— Você? Mas não foi você quem mandou eu desistir de tudo e quase conseguiu quebrar meu coração mais ainda? — Hector fala em tom de acusação.

Eu reviro os olhos, ato que sempre faço quando algo me irrita, aborrece ou simplesmente me dá nos nervos.

— Sério? Ainda está ressentido? — ranjo os dentes: — Tudo bem então, finja que não me ofereci.

— Espera… — diz ele, pensativo: — Eu aceito a tua ajuda, mas só se não for tão dura e seria.

— Ok. — respondo simplesmente, tentada a em lhe espetar continuando com a frase “Se você quer se iludir eu não posso fazer nada.” Só não o faço, pois quero sair logo daqui.

William me olha sorrindo. Eu não desvio o olhar da porta.

— Tudo bem. — Hector começa, limpando a voz antes de prosseguir: — Suzane, podemos conversar?

Demoro um tempo a entender que ele está falando comigo e, quando me situo, o respondo.

— Podemos. O que tem para me dizer?

Hector demora um pouco, mas depois continua.

— Pode me acompanhar para um lugar mais reservado? Assim a gente conversa melhor.

— Tudo bem. — respondo-o.

— Me diz, o que há aqui? — pergunta.

Começo a notar emoção escorrendo novamente em sua voz. Me situo. O que a tal Suzane diria? Eu não sei. Continuo apenas seguindo o fluxo dos meus pensamentos, embora esteja os policiando bastante.

— O quê quer dizer com isso? — questiono.

Hector se cala. Talvez esteja pensando em como prosseguir.

— Droga, estou nervoso! — sussurra baixinho.

— Tente controlar o nervosismo, Hector. Pensa que você só precisa de alguns segundos de coragem. Não tente pensar muito nas consequências agora. — William o impulsiona.

Hector demora mais um pouco. Mas, enfim, ele prossegue:

— Quero saber por qual motivo está com a merda desse cara, inferno! Sabe que essa situação é ridícula e esse cara é um babaca! — sua fala soa autoritária.

Não gosto disso 

— Acha que é assim que vai conseguir algo? Alguma resposta minimamente positiva? — estou chateada. Que droga! O cara sequer teve sensibilidade, muito menos — e pelo menos —, educação.

— Dessa forma não é melhor? Mais direto ao ponto? — questiona.

Há irritação na sua voz, até mesmo incerteza.

— É claro que não. Não se falar com essas palavras. — digo firmemente.

— Então como acha que eu devo falar? — sua voz é pura confusão e nervosismo.

A musica do lado de fora é agitada. William está olhando para mim a espera do meu próximo passo.

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