21:40 PM

O amor é para aqueles que aguentam a sobrecarga psíquica, foi o que Charles Bukovisk disse. Eu, particularmente, concordo plenamente com ele. Eu não quero — e nem consigo me imaginar sofrendo por alguém de uma forma tão intensa que dói só de pensar. Quando criança, não desejava conhecer o príncipe encantado. Eu até gostava das princesas.

A minha preferida sempre foi a Bela e a Fera, seguido da Ariel. Meus sonhos eram intensos. Eu não sabia exatamente o que queria ser aos cinco anos de idade, mas eu sabia que queria algo a mais, e esse algo a mais sempre se sobressaía a fantasias amorosas com qualquer garoto. É claro que com o tempo, crescendo, comecei a ver aquelas criaturas como sendo algo atrativo.

O primeiro amor. O coração bailando dentro do peito, feito um dançarino profissional que dá várias piruetas intensas e surpreende a plateia. As mãos suando. O frio intenso na barriga. O medo, receio, coragem, dúvida e vontade tentando ocupar um mesmo espaço de um quarto, tudo de uma só vez.

A desilusão. O choro intenso na madrugada escura do seu quarto. Dói. Dói tanto. Mas depois que a dor passa, tudo volta ao normal. O ciclo se repete. A paixão, o acelerar do coração… Às vezes, muitas vezes, não vai dar certo. Às vezes vai.

Escutando esse moço choramingar sinto-me mal por ele. Coitado! O amor pode te quebrar em pedacinhos quase irreparáveis. Só de pensar em sofrer dessa forma me sinto doente.

— O que acha que devo fazer?

O silêncio fala por alguns instantes. O ambiente escuro e a música tocando do lado de fora me faz acreditar que estou em algum tipo de filme adolescente dos anos 80 que sempre gostei de assistir solitária no meu quarto. Penso que, se estivesse em um, gostaria de ser como Katherine Stratford. Meu “sonho” adolescente sempre foi encontrar um Patrick Verona.

— Tentar. — William fala, acordando-me e trazendo-me para o mundo real mais uma vez.

— Isso eu já sei, foi o que você falou. Mas como eu faço isso?

Ouço o corpo pesado do estranho tombar novamente na porta e o barulho dele deslizando sobre ela. Respiro aliviada. Ao menos William Albano fez com que ele ficasse. Encaro-o esperando que ele prossiga logo com isso e faça o moço nos tirar desse banheiro.

Demora um pouco. Eu fico impaciente. Eu sou impaciente e tudo — ou quase tudo —, me irrita. Começo a ficar brava com o fio de suor que escorre da minha testa e na minha nuca, grudando o meu cabelo. Olho em direção a pia e do lado do vaso sanitário, em busca de papel higiênico. Não encontro. Quase xingo, mas estou desinpaciente demais até para isso. Juro que vou matar Thalia quando sair daqui. Juro. É uma promessa. Foi ela que nos prendeu aqui. Tenho certeza.

— Verdade. — William finalmente fala, e ainda assim, parece continuar pensando no que deve dizer: — Eu acho que você deve começar tentando conversar com ela.

— E o que eu digo? — O estranho pergunta. Posso sentir pelo tom da sua voz que ele está nervoso e indeciso.

— Tenta falar com ela sobre o que você está  sentindo. Não é fácil, eu sei que não é. Mas o que você acha que vale mais a pena? Ficar com a dúvida e se deixar ser confundido e levado pelo medo, ou você prefere arriscar e ter uma resposta? — William disserta. Há algo em sua voz: uma leve falha.

Sinto-me dentro de um reality de casais. Aqueles bem toscos e vergonhosos.

É isso o que ele vai dizer? Não tem nada de novo aqui. É a mesma maldita coisa que eu disse. É isso. Inferno! Vamos ficar presos nessa merda até amanhecer e alguém finalmente nos libertar. Tenho vontade de sorrir em ironia diante à minha própria situação, e mediante também ao plano falho e ridículo da minha amiga.

Tantos anos depois e aqui estamos. William está tão bem! Tão bem. Ele ainda é o mesmo. O sorriso brincalhão e eloquente, que te diz muito e ao mesmo tempo não fala nada. Os olhos castanhos e intensos. Ainda não consigo decifrá-los. É um enigma difícil demais. Não que eu ainda queira desvendá-lo. Na verdade, pouco importa. Entretanto, eu não posso negar que vê-lo trás lembranças do passado.

O que você viu nele, Angelina? Era a pergunta que eu rotineiramente fazia a mim mesma quando adolescente, enfurnada no quarto e deitada sobre a cama enquanto assistia um dos tantos filmes antigos que gostava. Ainda gosto. Você não precisa disso, garota. Para com essa merda! Eu apontava mais uma vez, autoritária. Mas, embora eu soubesse que não devia, eu queria. E quando se é adolescente e tudo parece intenso demais, ampliado várias e várias vezes, fica difícil ouvir a voz da razão e não ir na impulsividade. Pelo menos, a Angelina adolescente era ingênua demais para continuar acreditando. Pobre garota iludida!

Você lembra daquele diário? A minha mente aponta. Droga! Eu sinto as minhas bochechas queimarem. A Angelina de treze anos era mesmo uma garotinha fofa e inocente. Afasto o pensamento para bem longe, tentando me focar no momento presente e não em devaneios do passado. Ninguém precisa reviver intensamente suas vergonhas assim, não é? Não. Não precisa.

— Eu quero. — diz o moço. Sua voz está sufocada novamente: — Mas, eu não sei... Como você já disse, não é fácil. Sinto como se tivessem arrancado o meu coração. Eu sou só a porra de um saco de batatas vazio.

Choro. Ele está chorando. William me olha. A expressão de surpresa e interrogação impressa em sua face. E agora, o que fazemos? É o que quero perguntar, por que não sei como agir. Esse cara está bêbado e fodido emocionalmente falando. Não sei se posso ajudá-lo em algo. E agora?

Começo a ficar nervosa. Balanço uma das minhas pernas freneticamente em um ato de puro intranquilidade. Droga!

— Eu entendo que esteja triste. Mas se não tentar manter a calma, como acha que vai conseguir falar o que sente? — dessa vez sou eu quem tenta.

— Você de novo? — ralha ele, parecendo irritado: — Acha que manter a calma é tão fácil assim? Acha que eu quero sentir isso? Se eu pudesse já teria arrancado-a a força daqui de dentro.

Eu estou irritada. Que inferno! Esse cara acha o quê?

— Só estava tentando ajudá-lo. — afirmo, chateada.

Talvez seja melhor ficar a compania de William Albano até o amanhecer. O melhor é manter a paciência e não perder tempo tentando convencer esse cara.

Todavia, William parece não concordar comigo quando aproxima-se mais um pouco da porta e fala:

— Se faz você se sentir melhor, já estivesse em seu lugar.

Isso é interessante, eu nao nego. Meu lado curioso está ativado. Pergunto-me o que isso pode significar. Esteve no lugar dele? Como assim?

— O que você quer dizer com isso? — sonda o rapaz, atento.

— Algum tempo atrás eu me apaixonei por uma garota. Ela era linda, mas naquela época eu achava que éramos muito diferentes. — começa ele, pausando um pouco.

Talvez a lembrança lhe traga algo ruim.

— Achei que você fosse um espírito…

William abre um sorriso de lado.

— Eu sou, mas antes disso fui uma pessoa lembra?

— É verdade. — fala ele. — O que aconteceu?

Silêncio novamente. Estou ainda mais curiosa, tão curiosa que sinto que posso explodir em decorrência a sobrecarga que me atinge. O que eu tenho a ver com isso? A minha mente aponta, como se quisesse me alerta o quão boba estou sendo quando o coração bamboleia forte e cheio de expectativas irreais. Não seja tola, Angelina! Não seja tola.

— Não aconteceu nada. — diz simplesmente.

— E por que não? — O bêbado ainda está fungando.

— Por medo e covardia. — responde. Sua fala é limpa de qualquer sentimento. E, ainda assim, seu tom pesaroso lhe entrega. Isso ainda mexe com ele.

Silêncio.

— Talvez eu deva fazer como você também. — responde o moço — Possivelmente é a melhor solução.

— Não, não é.

Me surpreendo quando ele se apressa em dizer. A convicção ganhando força e intensidade.

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