CAPÍTULO 3

MARCO POLO

Eu estava duas vezes mais ansioso que o normal, isso não era novidade, já era por um motivo, agora tenho mais um belo e bonito motivo, de boa aparência, um sorriso e calma invejável, eu fecho o relatório, estou na área de alimentação da empresa, da advocacia, olhando para um copo de café amargo gelado, são três horas da tarde.

Ela não vai ligar, ela não precisa exatamente de mim, por que ela me ligaria? Por que caralho ela precisaria de mim?

– Está tudo bem? – Vejo a sombra do meu pai e o vejo se sentar na minha frente, olhando fixamente para mim, como sempre, nada de muito novo. Analisando meu comportamento, assim como os telespectadores do animal planet analisa o conteúdo produzido.

– Sim, tudo – Falo calmo, puxo o copo de café para mais perto. – O senhor? – Pergunto, sabendo que aquela e a única conversa que conseguimos ter, sem ele começar a me criticar ou falar sobre as nobres atitudes deles como pai. 

– Mais um caso?

– Separação – Fica sendo a única coisa que falo, mas eu não me aguento, olho para ele. – Traição do marido, trágico, não é? – Ironizo e sinto o olhar áspero dele. Na fila desse pão ele passou algumas vezes, então isso já não o deixa tão nobre e tão honroso.

– Não gosto quando me alfineta, você tem seus problemas e eu os meus – Fala. – Você sabe que as coisas chegaram no ponto que chegou por você também, sua... seu problema estúpida – Eu dou um sorriso. – É difícil lidar com você, Marco.

– Eu com esse problema nunca trai ninguém ou algo do tipo – Falei e peguei minhas coisas. - Isso não o impediu ou motivou a nada, sua vontade sim. 

– Você precisa deixar de ter raiva de mim.

– É você de ser o pai do ano – Bufei, saindo sem olhar para trás, sem nem ter a noção do quanto ele havia ficado vermelho.

Oh, que tragédia! Meus pêsames, papai.

Subo para minha sala e me jogo na minha cadeira, girando nela de forma calma e pacífica, quase decolando da sala para longe dali, me ajeito e paro de rodar na cadeira, voltando a atenção para o estudo do caso, um caso de separação de um matrimônio por nove anos, ao qual minha cliente alega não aguentar as agressões verbais e as relações extraconjugais que interferem o bem-estar da mesma e da criança, um menino.

Bem, até aqui e tudo tão normal, vara familiar e isso, não pensei que seria diferente, mas o ponto aqui e que eu pego 90% dos casos do mesmo jeito, mulheres infelizes e com sérios problemas dentro delas e fora delas, filhos que se apegam aos problemas e se veem em parte dos problemas. Eu gostava de pensar que Deus estava vendo, mas a realidade era que eu estava aqui agindo para que nenhuma injustiça acontecesse, sendo o tirano e malvado advogado, eu lidava com fatos, um marido adúltero sempre comete o mesmo erro, o marido violento também, o grande perigo de dar chance e isso, se ele quisesse nem teria gastado a primeira chance. São fatos tão banais que as pessoas deviam entender isso de forma simplificada. Acredito no matrimônio, mas também acredito que se não está dando certo e está tirando sua paz, bem, suma, fuja, separe, pense em você mesma ou no bem das crianças, coloque na balança você e aquilo que você é, aquilo que te faz única e o mais importante, que te faz dar esse sorriso que você está dando nesse exato momento.

– Doutor – Olho para a porta e vejo Clarice, minha secretária. – Linha dois, uma moça diz que precisa falar com o senhor.

– Sabe que não atendo esse tipo – Eu paro, quando me da noite passada. – Ela disse o nome?

– Alex Padilha, posso...

– Transfira a linha, por favor – Falei e no impulso coloquei o telefone no ouvido e esperei ouvir a voz dela.

– Alô? – Calma, centrada. Senti falta dessa centralidade.

– Pronto – Foi o que eu consegui falar e pude notar que eu estava realmente ansioso por aquilo, por aquela ligação. 

– Tinha dois números e um não deu certo, estou atrapalhando algo? – Eu dei um suspiro, esperei um pouco e me inclinei na mesa, pensando bem no que eu falaria.

Tinha que ser astuto e rápido, certeiro, para não errar o tiro não sair pela culatra, embora meu objetivo é só ter ela perto e depois, bem, depois deixamos de lado. Me sinto um pouco culpado pela perca do trabalho dela.

– Claro que não, Alex – Puxei uma folha. – Eu esperava que você ligasse, acho que vou conseguir te ajudar, aqui no escritório e bem grande e precisa de duas moças para o almoxarifado, pensei que você se interessaria pela vaga, o que acha? Turno de 8 horas, benefícios e registro.

Houve um silêncio.

Ela estava surpresa e pensativa, eu tinha certeza disso, mas eu pagaria muito dinheiro para ver a expressão dela, elas nunca esperam que façamos alguma coisa, nunca, em hipótese nenhuma. Mas elas querem que façamos.

– Caramba – A voz dela se elevou, Alex era como uma novata no meu mundinho. Era simples. – Não queria ligar para você, mas eu liguei – A voz dela foi para nervosa. – Não está brincando comigo, está?

– Nenhum pouco – Falei firme, dando a volta por cima, tendo mais clareza. – Alex eu disse que ajudaria, estou fazendo isso. Quero que traga seus documentos e aceite o cargo, não é muito, mas é melhor que trabalhar cercada por homens bêbados em um horário tão banal, ainda mais para alguém como a senhorita, esperta, nova demais para se acabar em um lugar daqueles ou até mesmo perdendo boas habilidades que você apresentou e pode apresentar em um cargo melhor – Despejo uma lista de motivos para ela aceitar, então eu dou um sorriso. – Que tal um café? Agora?

– Agora?

– Sim, eu poderia explicar para você como as coisas funcionam e ainda poderia conversar com você, Alex, sou um bom amigo – Menti, porque eu não tinha amigos, na verdade tinha um primo de outra cidade e minha mãe que não estava entre nós. – É um bom cargo, salário bom e é em um ambiente bom.

– Estou no mercado agora é...

– Diga um endereço e nos encontramos.

– Tem um café bem legal, perto de onde estou, tem a melhor cafeína, não sei se gosta – Ela me passou o endereço e aí suspirou fundo. – Te vejo lá.

Eu obtive uma coisa positiva, enquanto dirigia eu sabia que eu estava ansioso e nervoso, por aquele encontro, eu tinha perguntas para ela e tinha curiosidade por saber dela, daquela que me deixou calmo e agitado ao mesmo tempo, o jeito meigo e até a forma de tragar um cigarro de maconha.

Não culpe a mim pelo que eu estou fazendo, culpe ao que tem dentro de mim que eu nem sei o que é direito, culpe a minha compulsão e a minha vontade de conhecer ela e tentar fazer algo direito.

Gosto muito de ter aquilo que me motiva e Alex me motivou a sair do escritório e parar em uma cafeteria, com grande movimento e um cheiro forte de café moído na hora, era bom e calmo, fiz questão de pegar uma mesa afastada e olhar para os lados tentando enxergar ela ou ver ela passando pela porta.

Geralmente eu não gostava de sair com outras pessoas porque eu nunca sabia quando as coisas ficariam complicadas para mim, em momento nenhum eu esperava que as coisas ficassem ruim, mas elas ficavam e poderia ser ruim para mim ou para quem estivesse por perto.

Até mesmo aqui, sentado em uma cafeteria, esperando, no fundo eu sabia que tinha os dois lados funcionando, mas eu gostava de pensar que eu sempre estava no controle, aquilo me motivava a sempre estar e fazer de tudo para estar no controle, essa calma né fez esperar al sentado.

Passou meia hora.

Dentro do lugar as coisas ficaram estranham, muitas pessoas começaram a me olhar curiosos, dois atendentes vieram e perguntaram meu pedido, eu fiz, mas o café já havia resfriado, duas vezes.

– Merda! – Suspirei baixo, enquanto puxava o celular e mandava uma mensagem para a o número que eu havia anotado, perguntando se ela estava chegando.

Mas a resposta deixou claro que ela não estava chegando, na verdade, nem chegaria.

Eu pensei em desistir de ver ela, mas eu estava com raiva, então eu tinha que fazer algo. Nunca ninguém havia me deixado plantado.

Para: Alex

A vaga é sua, sabe o cargo e onde está o endereço do escritório. Fala que foi recomendação minha, leve documentos e currículo, boa sorte e obrigado.

De: Marco

E foi a última coisa que mandei, antes de começar a beber o café, um tanto frio, mas com um gosto bom.

Eu não gostava de ficar plantado, mas também não gostava de ficar com raiva, raiva me levava ao extremo. 

Eu não queria ser levado ao extremo por causa da raiva, não ficaria com raiva por causa de uma estranha.

Não podia e não devia. Além disso ela se auto protegeu, talvez não confiasse em mim, eu entendo, mulheres assim não merecem raiva por um bolo e nem nada do tipo. 

Mas eu devia sentir o gosto amargo, da minha vida? Provavelmente.

Mas esse amargo não era da minha vida, era do café.

Então eu fiquei em silêncio enquanto bebia o café amargo.

Ela tinha boas referências de bom lugares pra tomar café.

Isso era bom.


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