4. Missão

Connor

Alguns dias antes…

O cheiro da lenha queimando se misturava ao aroma de pão fresco naquela manhã, mas não era o calor da padaria que me deixava inquieto. Era o vento. Ele soprava diferente. Mais frio, mais silencioso. Como se até a floresta estivesse prendendo a respiração... ou escondendo um segredo antigo.

Minha tarefa de hoje era ajudar na padaria da alcateia. Estava empilhando sacos de farinha nos fundos quando ouvi meu nome ser chamado:

— Connor! — Era o Erik, meu amigo de infância. Estava pálido, ofegante. — Precisamos conversar. Agora.

Larguei tudo sem pensar duas vezes e o segui até o celeiro, onde ninguém poderia nos ouvir.

— O que aconteceu? — perguntei, com o coração acelerado.

— A patrulha dos arredores voltou ontem à noite… ou o que restou dela. — A voz de Erik vacilou. — Apenas três sobreviveram. Um deles sem uma perna. Outro sem um braço.

— Como assim? O que fizeram com eles?

— Falaram em bruxas… mas também em lobos. Tudo está confuso. Sangue, gritos… eles não conseguiram explicar, o pavor os domina. O Alpha convocou uma reunião de emergência.

Um arrepio gelado percorreu minha espinha.

O Alpha da alcateia era um homem de poucas palavras, severo, rude. Muitos o chamavam de “Demônio dos Lobos”. Nunca gostei do apelido. Sempre o vi como um homem justo, alguém que cuidava dos seus. Alguns diziam que ele escondia a verdadeira face. A de um homem ambicioso, que não mede consequências para tomar o que deseja.

Olhei para Erik, sentindo o peso do que estava por vir:

— Isso é impossível. As bruxas estão confinadas no Círculo Sombrio há anos. Elas não têm poder fora dali. Só podem ser lobos… mas de que alcateia? Quem ousaria nos enfrentar? Enfrentar o Pelo Negro?

Espiei pela fresta do celeiro. A praça estava cheia de gente sorrindo, vivendo… sem imaginar que a morte marchava em sua direção.

Erik seguiu meu olhar e disse:

— Alguns querem evacuar. Outros querem lutar. Ninguém sabe de quem ou de onde eles virão… só que estão vindo. E rápido.

Assenti, perdido nos próprios pensamentos. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele falou:

— Vamos logo. O Alpha está... diferente. Mais nervoso.

Suspirei. O Alpha nervoso nunca era bom sinal.

Seguimos apressados, tentando entender o caos que se aproximava.

— E se a gente não sobreviver? — ele perguntou, em voz baixa.

Foi naquele instante que percebi: eu nunca fui um guerreiro. Meu pai sempre me criticou por isso. Mas sou bom em ouvir. Em observar. Em desaparecer sem ser notado.

Talvez estivesse na hora de ser outra coisa.

Um fantasma.

Um espião.

Na reunião, sentei-me ao lado do meu pai.

Ali estava o Alpha. Ele, com a voz firme, o olhar em brasa:

— Os anos de paz acabaram. Estamos sendo atacados. — O salão silenciou. — Segundo minhas fontes, o ataque veio da alcateia Vale Verde.

— Mas… por quê? O que eles querem? — perguntei, sem conseguir me conter.

O olhar duro do meu pai me atravessou como uma lâmina.

— O que acha que eles querem? Nossas terras. Nossas mulheres. Nossos frutos. Eles querem tudo. Mas esta alcateia tem um Alpha. E ela não será tomada!

A sala explodiu em gritos de guerra. Punhos cerrados. Fúria nos olhos.

Mas eu vi o que ninguém mais parecia ver. Algo naquela fúria parecia... ensaiado. Uma faísca proposital para incendiar uma guerra.

Sem contar que o nome diz tudo, Vale Verde, eles são bem mais prósperos que nós.

Depois da reunião, fui até meu Alpha, sem esperar permissão:

— Me deixe investigar antes de qualquer decisão. Não podemos agir baseados em suposições. Muitas vidas serão perdidas, de ambos os lados, se estivermos errados.

— Você é bom demais, Connor. Precisa ser mais firme se quiser ser meu sucessor um dia.

— Não é sobre firmeza. É sobre justiça. E se vidas estão em risco, eu me importo. Você deveria se importar também. É o seu povo.

Ele me encarou por um tempo. Algo escuro passou em seu olhar. Rápido, mas eu vi. Caminhando até o cantil de água, ele respondeu:

— Vá até Vale Verde. Observe. Descubra o que tramam. E volte… só com a verdade.

Mas o que ele não disse… é que, se a verdade não servisse aos seus planos, ele mesmo a enterraria.

Naquela mesma noite, escrevi um bilhete simples, mas carregado de sentimento, para minha irmã Egohen, que vivia com a alcateia Pelo Branco, é nossa aliada. Aliança forçada, porque minha irmã foi dada como moeda de troca.

"Se algo me acontecer, não me procure. Apenas viva. E lembre-se de que eu te amo."

“Em uma investigação, tudo pode acontecer.” — pensei enquanto dobrava o bilhete.

Preparei a mochila. Peguei o mapa. Precisava sair antes que a noite caísse.

...

Fazia dois dias que eu estava instalado nos fundos da padaria de um primo distante, na cidade vizinha de Vale Verde. Ele era humano, mas havia nele um traço antigo. Um instinto adormecido, um sexto sentido que nunca se desenvolveu por completo. O laço com o lobo era fraco, quase esquecido nas gerações passadas. Por isso, nunca se transformou. Ainda assim... ele reconhecia o que eu era.

Desconfiava da minha natureza, mas nunca teve coragem de perguntar.

Ali, decidi agir com cautela: trabalhar, conquistar confiança, observar.

Aprender os caminhos do lugar. Entrar e sair sem ser percebido.

Os empregados acabam ouvindo os segredos mais sombrios dos patrões.

E eu estava disposto a escutar cada um deles, por mais sombrios que fossem.

Ontem, pela manhã, caminhei pelos arredores da vila. Tudo parecia calmo.

À tarde, desenhei um mapa para me guiar com mais segurança.

Hoje, acordei cedo. Meu primo foi à capital buscar suprimentos para a padaria, então ficou por minha conta abrir o lugar. Algo mudou. O ar estava mais leve.

A luz atravessou a vitrine e, como se respondesse a um chamado antigo, senti Brutus, meu lobo, murmurar dentro de mim, vindo das profundezas da alma:

‘Nossa parceira.’

Fiquei paralisado.

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