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O sol finalmente brilha para todos.

— Acordada a essa hora, menina? — A voz da doce senhora me faz parar rígida a caminho do fogão.

— Ah, é! — Chego a resfolegar. — Tive um pesadelo e…

— Gostaria de um chá. – Ela afirma e eu respiro fundo.

— Sim, eu gostaria.

— Sente-se, menina, deixe isso comigo. — Apenas assinto sem contestar.

Observo dona Dolores ir para atrás do balcão e abaixo dele ela pega um enorme pote de vidro com algumas folhas dentro dele. — Eu amo chá de laranjeira e ele vai te ajudar a dormir melhor. — Sorrio de boca fechada. Dormir melhor, é disso que eu preciso. Penso. — Quando estou sem sono é ele quem me salva e quando se está muito agitada, ele é um santo remédio. — Ela resmunga e põe algumas folhas dentro do bule, o levando ao fogo em seguida. — Não quero me meter na sua vida, menina, mas algo me diz que você veio para Monte Verde para se esconder de algo que te faz muito mal. — A mulher comenta e me lança um olhar escrutínio que me deixa incomodada. Até parece que quer me decifrar apenas com esses olhos serenos. O que eu posso dizer? Ela acerta em cheio.

— Acho que todo mundo sempre foge algo ruim, não é? — Jogo uma resposta evasiva. O sorriso que ela me abre me diz que não conseguirei enrolá-la.

— Sim, estamos sempre nos guardando do mal, mas se quer saber de uma coisa, aqui em Monte Verde você encontrará pessoas maravilhosas e confiáveis, e você sentirá nelas a segurança de que precisa. — Meu coração se aquece com essa informação e o bule avisa que o chá está pronto. Dona Dolores se afasta para desligar o fogo, depois, ela pega duas xícaras e alguns torrões de açúcar, e começa a nos servir. — Biscoitos ou rosquinhas? — Pareço uma criança diante de tais sugestões.

— Rosquinhas, por favor!

— É uma escolha perfeita, querida! 

Descontração. Isso mesmo, passamos alguns minutos de descontração, enquanto comemos as rosquinhas com chá. Dona Dolores passa horas contando suas histórias de um romance vivido na França durante a sua mocidade em um intercâmbio. Quem ver cara realmente não ver coração. Pensar nisso me faz rir, pois não dá para imaginar que essa doce senhora um dia aprontou pelas avenidas de Paris e quando terminamos, a acompanho até o seu quarto, para em seguida voltar para o meu.

***  

O dia mal amanheceu e eu já havia pulado para fora da cama, estou de banho tomado e com uma tripla troca de roupas, pois, assim como a noite, o dia está um pouco frio também. Mas, o que está me deixando intrigada mesmo é que após o pesadelo da noite passada, eu jurava que acordaria desanimada, mas não. Nesse exato momento estou me comparando a um foguete com toda a sua energia indo de encontro a lua, tamanha a minha animação. Se eu pudesse sairia saltitando pelos corredores da pousada, pelos batentes da escadaria e pelas ruas também, mas não quero ser taxada de louca. Do lado de fora, encontro boa parte das lojas ainda fechadas, menos a quitanda da Lídia, claro. Contudo, decido ir fazer a minha caminhada matinal. Não é o jardim da mansão Cross, mas aqui é tão lindo que chega a dar satisfação de fazer o exercício. Passo longos minutos apreciando os canteiros, as estruturas europeias dos prédios e as ruas de tijolos alaranjados. No entanto, aqui é tão pequeno, que logo me vejo em frente a quitanda da Lídia novamente e decido parar para o café da manhã com a minha mais nova amiga. Pão de coco, geleia de framboesa, rosquinhas açucaradas, pão de queijo, queijo de minas e um café quentinho e coado na hora. Penso que se passar mais tempo visitando essa quitanda me tornarei uma bola humana feliz em breve.

— Hum! Preciso comprar algumas roupas de frio para mim. Aqui faz muito frio a noite e pela manhã também — comento, após apreciar mais um gole do café preto e forte.

— Compras? Ah, eu adoro fazer compras! Posso te acompanhar se quiser.

— Eu quero. Não saberia fazer isso sozinha, porque não conheço nada aqui ainda.

— Ótimo! Vou deixar o meu cunhado tomando conta de tudo aqui e sairemos em alguns minutos. As próximas horas não é permito para depressivos e pessoas de baixo astral, porque a Lídia sabe como te levar ao céu! Ela é o alto astral em pessoa e sabe fazer as melhores escolhas também. Logicamente ela me fez desfilar para com cada escolha e quando finalizamos as compras, vamos para um salão de beleza da sua amiga Matilde. O lugar é bem pequeno, porém, é bem aconchegante.

— Então, o que você quer fazer? — A loira espevitada pergunta mexendo nas minhas madeixas douradas. Respiro fundo e olho para Lídia sentada na cadeira ao lado, onde um rapaz com jeito bem delicado está mexendo nos seus fios sedosos.

— Eu quero um corte moderno e curto, e quero mudar a cor dele também. — Os três me olham com uma interrogação explícita na testa.

— Está falando sério? Quer dizer, seu cabelo é lindo e muito bem tratado! — A moça comenta estarrecida. Forço um sorriso.

— Sim, é exatamente isso que eu quero fazer. Corte curto, bem tente a nuca, porém, bem moderno e loiro. A verdade, é que depois do pesadelo da noite passada, eu caí na real. Se Logan espalhar o meu retrato por aí será bem fácil me encontrar. Digamos que o pesadelo foi como um aviso, um alerta e eu preciso mudar tudo, até mesmo meu jeito de me vestir, o perfume que gosto de usar e minha aparência, assim ficarei segura.

— Ok, então vamos começar! — A cabeleireira se anima e eu fico animada também. Lava aqui, alisa ali, corta e picota, descolora e pinta. E quando ela dá a escova e gira a cadeira de frente para o espelho simplesmente não me reconheço ali.

— Caramba, você ficou muito linda! — Lídia rosna com um tom baixo, demostrando tamanha surpresa. Um sorriso começa a surgir em meus lábios e ele cresce além do que se possa imaginar.

— Eu. A-mei! — digo pausadamente e a loira atrás de mim b**e palmas em festa.

Não demora para sairmos do salão carregada de sacolas e eu me despeço da minha mais nova amiga. E ao entrar na pousada escuto o barulho dos pratos, e imagino que todos estejam a mesa, afinal, já é hora do almoço. Corro para o meu quarto e largo as sacolas em cima da cama, para depois descer os degraus com pressa e ir direto para a enorme sala de jantar, onde comporta várias mesas redondas de madeira. Ao entrar no cômodo todos param de comer e de falar, olhando-me de alto a baixo. Solto um suspiro e Dolores surge na minha frente com um sorriso apreciativo bem escancarado.

— Venha, Eva, sente-se aqui comigo. — Pressiono os lábios e vou ao seu encontro. Ao me mover do meu lugar, todos voltam ao seu estado normal e um rapaz se aproxima para me servir na mesa. Eu sei que não são a minha família de fato, mas fazer uma refeição com uma mesa cheia de pessoas falando sobre tudo me faz sentir em casa e é tão… bom! Não demora para eu começar a me enturmar e entrar em uma conversa animada. Por fim, volto para o meu quarto e me dedico a arrumar as compras dentro do pequeno closet. E falando em pequeno… estou muito satisfeita com tudo nesse lugar. Um quarto pequeno, um banheiro minúsculo, um closet apertado e uma cidade que com alguns poucos passos encontramos o seu final. A simplicidade era tudo que eu mais desejava nesses longos três anos. Aprendi a odiar o luxo, a grandeza, o dinheiro excessivo e tudo que diz respeito à soberania. Depois que cada peça está arrumada em seu devido lugar, olho para os quatro cantos do quarto sem saber o que fazer. Na verdade, eu não tenho nada para fazer aqui. Penso com pesar e decido ir tomar um banho, e logo após o banho, uma leitura. Droga, o livro está quase no fim e em breve terei que procurar outra leitura para preencher a minha mente. Por fim, acabo adormecendo e acordo encontrando um final de tarde chuvoso, e aprecio as gotas grossas da chuva através da janela de vidro esverdeado.

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