— Senador Walker? Uma palavrinha, por favor.
Passei pelos repórteres como um furacão, sendo seguido por dois seguranças, que tentavam afastá-los a todo custo. De outro lado, meu assessor, Kenneth Bridges, surgiu, depois de saltar do carro correndo, como se precisasse me resgatar no meio de um furacão. Mas era mais ou menos isso. — Senador? Por favor, gostaríamos de uma posição sua a respeito da Sra. Walker. O uso do meu sobrenome em referência à minha ex-esposa me fez parar no meio do caminho e me girar na direção do repórter com o cenho franzido, quase transtornado. — Ela não é a Sra. Walker há mais de um ano — joguei com muito pouca paciência, porque eles sabiam disso. O que queriam era a minha reação. As câmeras apontadas na minha direção estavam prontas para pegar qualquer deslize que pudesse me comprometer. Tiana, minha ex-esposa, escolhera a pior hora para anunciar seu casamento exatamente com o homem com quem me traíra. De fato, ela provavelmente tinha feito tudo de caso pensado. Aquela mulher fora o maior erro da minha vida. Pior de tudo: Kenneth me avisara. Ele sempre tinha razão, mas na maior parte das vezes eu não o ouvia. Era teimoso, costumava me sentir o dono da verdade, e caí em muitas armadilhas por causa disso. As melhores coisas que tinham acontecido comigo foram sob orientações daquele cara. Minha promessa a partir do momento em que tudo virou de cabeça para baixo foi que iria ouvi-lo. Fora ele que me ajudara a me eleger e que iria, sem dúvidas, me levar à Casa Branca. — Seja mais polido. Lembre-se de quem você é — Ken sussurrou no meu ouvido, fazendo sua voz funcionar como uma corda que me puxava de volta à consciência. Respirando fundo, sabendo que precisaria engolir sapo, empertiguei-me e sorri, parando e acenando para os repórteres. — Gostaria de dizer que estou muito feliz por Tiana. Não há ressentimentos entre nós. — A política nos ensinava a arte de mentir. Claro que havia mágoas, claro que eu não queria ver aquela mulher nem pintada, mas para a imprensa, nosso término foi pacífico, porque era a melhor forma de abafar o escândalo. Na época, Tiana fora flagrada saindo de um evento ao qual ela participou, como ativista, acompanhada de um ator de Hollywood que se envolvia em todas essas causas. Sempre fora um bálsamo para a minha imagem que minha esposa fosse tão preocupada com meio ambiente e com as minorias, com trabalho voluntário. Tínhamos muita fé que ela se tornaria uma peça crucial para a minha candidatura à presidência, porque seria uma excelente primeira-dama. Modelo que largara a carreira para se dedicar às causas que eu defendia – embora nunca tivesse sido um pedido meu –, linda, um ícone fashion, além de uma pessoa que todos amavam. Só que a minha paixão por ela me fez ficar cego para seus problemas com bebidas e para o quanto isso também fora uma imagem criada para seduzir seu público. Eles eram tão apaixonados por ela, que chegaram a inventar mil fanfics em suas cabeças a respeito da traição, mesmo que houvesse filmagens de Tiana com o amante aos beijos, que saíram em diversos sites de fofocas, além de outras fotos comprometedoras deles dois em outros lugares, até mesmo em uma viagem que ela deveria ter feito sozinha, por causa de um trabalho. Eu me tornei literalmente o corno para a mídia, mas surpreendentemente isso também veio ao meu favor. Minha popularidade cresceu, principalmente pela forma como lidei com a situação. Era meio absurdo que achassem cavalheiresco da minha parte que eu não tivesse simplesmente partido para a agressão. Eu jamais faria isso. Se bem que talvez essa imagem fosse associada a mim por causa do meu pai, que não era nem um pouco lisonjeiro com sua esposa – minha madrasta, muitos anos mais jovem do que ele. — O senhor está feliz por ela, mesmo depois de ter sido traído? — uma jornalista mais ousada perguntou, e eu voltei minha cabeça na direção dela como um chicote, erguendo uma sobrancelha. Eu poderia ter dado um milhão de respostas mal-educadas, embora não fosse chegar tão longe levando em consideração que se tratava de uma mulher. Ainda assim, eu ergui a cabeça, muito sério, pronto para responder. — Isso aconteceu há algum tempo. Estamos em paz um com o outro. Mentira novamente. Nunca mais tinha falado com Tiana, e nem queria. Não a amava mais, e talvez nunca tivesse amado, mas o que me doía era a deslealdade e o fato de ela ter deixado uma mancha nos meus sentimentos. Não me sentia pronto para confiar novamente e passei a ter pouquíssima tolerância para quem tentava me enganar. Tentei voltar a andar, mas outro jornalista se apressou e veio correndo ao meu lado, apontando o microfone para a minha boca, quase o batendo contra meus dentes. — Não acha que foi um pouco de falta de consideração ela ter anunciado esse casamento poucos dias depois do anúncio de sua candidatura à presidência? Talvez ela queira os holofotes para si mesma... Eu sabia que o que ele estava dizendo era verdade. Tiana não fazia nada que não fosse de caso pensado. Quando nosso relacionamento terminou, ela perdeu muito do status que conseguira, então fazia um enorme esforço para continuar na mídia. — Cada um de nós trilhou um caminho. Repito que quero que ela seja feliz, mas eu tenho mais coisas nas quais pensar. Agradeço a todos pelas perguntas. Essa era a minha deixa. Os seguranças se colocaram novamente ao meu lado, assim como Ken, que foi tentando acalmar os ânimos. Eu já tinha falado até de mais, sido o máximo simpático possível e sorri mais do que poderia aguentar. Aceleramos o passo e subimos as escadas que levavam ao prédio do meu gabinete, em Nova Iorque, estado para o qual eu tinha sido eleito senador. Normalmente eu passava bastante tempo em Washington, trabalhando no Congresso, especialmente depois que me divorciei, mas aquele assunto que iria tratar na reunião daquele dia requeria total descrição. — Rick, está tudo bem? — Kenneth perguntou, enquanto parávamos diante dos elevadores, esperando-os. — Por que não estaria? Por que não só o fato de eu ser corno foi divulgado para todo o país, mas também porque estou prestes a ter que escolher uma noiva que nem conheço? — Não fale isso em voz alta até estarmos em uma sala, fechados — Kenneth afirmou, novamente aos sussurros, olhando de um lado para o outro, como se estivéssemos fugindo da polícia. Fiquei quieto e só respirei fundo, pensando na merda em que estava me metendo. Quando me candidatei a senador, eu sabia que estar casado imporia um respeito que jamais conseguiria sendo solteiro. Mas naquela época foi fácil, porque eu estava namorando e completamente apaixonado. O pedido de casamento foi simples, e a cerimônia aconteceu alguns meses antes das eleições. O divórcio veio exatamente um ano depois, com o anúncio da traição. Aquela facada nas costas, com a notícia do casamento, surgira dias antes, pouco após o anúncio de que eu começaria minha campanha para a presidência. Não que eu tivesse qualquer esperança de que me deixassem escapar ileso, mas a relembrança de um casamento resgatara a questão de eu estar novamente solteiro. Para um presidente, isso era quase inconcebível. Eu poderia concorrer, mas nunca chegaria lá. Os eleitores eram conservadores a este ponto, por mais que eu fizesse parte de um partido – o Union Party – que tinha ideais modernas. Entramos na sala, na companhia de uma assessora de imprensa que tinha assinado um contrato de confidencialidade, e trancamos a porta, deixando um segurança do lado de fora. Ninguém poderia sequer se aproximar sem autorização. Eu e a assessora de imprensa, que se chamava Daisy, nos sentamos, e Ken jogou uma pasta à minha frente, porque aparentemente não tínhamos tempo a perder. — O que é isso? — perguntei, erguendo os olhos para ele, com o cenho franzido. — Abra a pasta e verá. Fiz o que ele pediu, mas tive um pouco de dificuldade para entender. Eram fotos e fichas de mulheres, como se eu fosse o dono de uma agência, pronto para escolher uma modelo para estrelar uma campanha de publicidade. — Isso não pode ser o que penso que seja... — cuspi as palavras. — Não vai querer que eu escolha minha futura esposa assim, vai? Kenneth não respondeu nada, o que me obrigou a dar uma risada de escárnio e fechar a pasta com raiva. — Isso é ridículo! — exclamei, me sentindo amargo. — Fazemos muitas coisas ridículas para chegar aonde queremos chegar. Rick. O que você teve que dizer lá fora também foi. Nossa vontade era xingar aquela traidora e não desejar felicidades em um casamento que está fadado ao fracasso. — Eu entendo, e já acho que essa história de casamento por conveniência é um absurdo, mas um arquivo com fotos das mulheres? Como se fosse só uma questão de aparência... Tiana era uma mulher lindíssima. O tipo perfeito de modelo, quase uma Barbie, mas isso não queria dizer nada. — Nenhuma delas foi escolhida só pela aparência, mas você há de convir que uma mulher bonita chama atenção. Pessoas gostam de coisas belas! — Kenneth sempre defendia suas opiniões com paixão. — Não coloquei apenas a foto delas. É quase um currículo, com atribuições, histórico, personalidade. — Vou me casar, Ken. Não jogar RPG. Daisy chegou a rir. Ela estava calada desde o início, e eu ainda não sabia se podia confiar cem por cento em sua discrição, mas Kenneth a tinha em alta conta. — Não importa a forma como elas estão sendo apresentadas, Rick. Infelizmente vai ser um casamento às cegas. Temos muito pouco tempo e uma história para contar. Temos que conversar com as moças ainda e convencê-las. Por isso precisamos que seja tudo feito em um piscar de olhos, inclusive a cerimônia. Você vai viajar semana que vem, não temos muito tempo. Tínhamos combinado que assim que encontrássemos a candidata ideal, o casamento seria feito logo em seguida, porque se ela desistisse, não poderíamos arriscar contar todo o plano para mais gente. Além disso, havia muito dinheiro em jogo e todo um público para convencer de que se tratava de uma história de amor inevitável, algo que só acontecia nos livros. Kenneth e Daisy pareciam ter tudo sob controle, só dependia de mim. E eu queria chegar à Casa Branca. Queria a qualquer custo o que meu pai um dia tivera. O fato de eu ser filho de um expresidente contava e muito, mas não era suficiente. Sabendo disso, bufei e abri a pasta, começando a folheá-la para escolher minha futura esposa. Se não era a coisa mais patética que já tinha feito na minha vida, eu não saberia qual poderia ser. O problema era que a política, para mim, era quase uma imposição. Era isso ou nada, porque cresci no meio dela e a respirei desde que me entendia por gente. Só que a cada jogo que eu entrava, eu queria sair como vencedor. Se fui arrastado àquele mundo, eu não iria ser só mais um. Se precisasse me casar para ser mais respeitado e ter mais chances de chegar ao topo, era isso que eu faria. Não importava que não soubesse o nome da noiva, que não conhecesse absolutamente nada sobre ela.