III

A viagem foi bastante demorada e entediante, atravessamos a Prússia e Hanôver, parando sempre que havia um lugar para dar-me abrigo durante o dia. Já havia algum tempo que o barão havia mandado adaptar uma carruagem fechada, de modo que praticamente nenhuma luz entrasse, mas, ainda assim, qualquer acidente no percurso poderia acabar por expor o viajante à luz. Apesar de todo o tempo que estive acompanhando a rotina da casa dos van der Heyden, ainda era estranho, para mim, evitar os raios solares e, vez ou outra eu quase me queimava com eles. Minha tolerância ao sol é relativamente boa. Assim como Aaron, eu tolero bem a luz mortiça do nascer e do pôr do sol. Conheci somente uma vampira que tinha uma tolerância maior, a maioria de nós se limita mesmo à escuridão total. Mas, de qualquer forma, nenhum imortal fica simplesmente se expondo para descobrir o limite de sua resistência - exceto essa uma que acabo de citar, mas sua teimosia a deixou seriamente ferida por várias vezes.

Alimentar-me foi o desafio mais difícil nesse período. Quando passávamos por cidades, eu atacava prostitutas - elas eram as vítimas mais fáceis, pois mordidas no pescoço não são nada exóticas e normalmente elas nem percebiam que havia algo de estranho. Quando estávamos na área rural, porém, eu tinha de atacar pessoas que dormiam, o que me era bastante complicado, já que não tinha prática alguma. Passei por períodos de muita fome, mas não podia nem cogitar em alimentar-me dos meus cocheiros ou estaria condenada a ficar perdida no meio do caminho. Em umas poucas ocasiões tive de pedir para pararem no meio do nada e aplacar minha fome com o sangue de animais silvestres.

Eu sentia também, muita falta da família que acabara de deixar. Sentia imensamente a perda de Charlotte, minha pobre irmãzinha e minha melhor amiga que me confiara todos os seus sentimentos. Ainda me doía não ter podido compartilhar com ela a minha relação com seu irmão, mas sabíamos que ela não aceitaria bem que fôssemos amantes e não esposos. Eu tinha plena consciência que Aaron nunca se casaria comigo, tendo em vista que eu nada poderia lhe oferecer em termos de bens e títulos. Isso também me doía um pouco. Eu não o culpava, obviamente e, de qualquer forma, nossa relação nascera sem qualquer promessa ou compromisso... Mas, agora que ele se fora... Havia algo que até então eu ignorara... Aquela impacienciazinha na espera pela hora em que ficaríamos juntos... A princípio era a novidade, a curiosidade e o deleite, mas... Poderia eu ter me apaixonado por ele? Aquela vontade que eu sentia de chorar ininterruptamente quando pensava que nunca mais o veria, o que era aquilo?

Quando o décimo oitavo dia de viagem começava a dar lugar à noite, entramos em Viena. Instalei-me num hotel com meus criados, e pela primeira vez, me apresentei como Charlotte Marie van der Heyden. Estava cansada, mas senti que devia alimentar-me apropriadamente para estar bem disposta e com boa aparência na noite seguinte, quando eu me apresentaria no palácio. Do contrário, não conseguiria manter a pele numa temperatura aceitável e o rosto com uma cor, se não muito saudável - como era moda na época - pelo menos que disfarçasse o palor mortal que todos os imortais ostentavam.

Já vi muitas teorias sobre minha condição, desde as mais místicas e religiosas às mais científicas, mas não creio que alguém jamais comprovou alguma delas. Alguns dizem que somos seres humanos amaldiçoados e, por isso, não resistimos ao sol e aos símbolos religiosos... Não vejo o que o sol tem a ver com o bem e o mal e posso afirmar que o problema com cruzes é muito mais psicológico que físico - como já disse, convivo com um vampiro cristão que faz questão de carregar uma ao peito. Ele, ao contrário, teorizava que éramos abençoados, pois tínhamos o almejado dom da vida e da juventude eterna... Se bem que, depois de ter vivido tantos anos, ele não acha mais que a imortalidade é uma bênção. Alguns dizem que não somos imortais, o que acontece é que já estamos mortos e por isso não envelhecemos mais. Eu, sinceramente, não ponho minha mão no fogo por nenhuma delas: não acredito em qualquer ser superior para me abençoar ou amaldiçoar e a racionalidade ainda não conseguiu explicar esse problema com o sol. Porque, você entende, não é uma questão se sofrer queimaduras profundas... Um vampiro sob o sol do meio dia carboniza como um inseto sob o foco de uma lupa. Sem contar as habilidades especiais: até hoje ninguém sabe como explicar os membros da espécie que conseguem se transformar em animais... Voar, então, imagine!

Mas, o que eu ia dizendo, é que, a maioria de nós, consegue controlar o fluxo do sangue ingerido. Quando vamos nos misturar aos humanos, por exemplo, direcionamos o fluido vital para a pele, deixando-a mais quente e corada. Você sabe, para não dar aos outros a impressão de que estão tocando num cadáver. Alguns gostam até de simular a pulsação cardíaca, mas eu acho isso perfeccionismo demais, porque é uma coisa em que só os médicos reparam. E, sim, é por isso que conseguimos correr muito rápido ou fazer coisas que exigem muita força. E se algum vampiro macho se vangloriar sobre como passa a noite inteira sem se cansar, saiba que ele não está fazendo nada além do que todos os outros fazem. É, fazemos coisas supostamente impressionantes, mas isso tudo tem um preço: quanto mais esforço, mais sangue é necessário.

Onde eu estava? Oh, sim, Viena! Hoje em dia é só mais uma interessante capital europeia, com sua história incrustada por toda parte, mas naquela época... As noites eram efervescentes de todo o tipo de atividade: se você era um boêmio, podia encontrar bebida e diversão em todos os estilos e camadas sociais, se era um amante das artes ou só queria sair para exibir as novas criações da sua modista, havia concertos, exposições e óperas! Dificilmente havia um dia em que não houvesse um evento na cidade. De todos os lugares em que estive, só Paris era mais agitada. E já naquela noite fiz bons contatos: na saída de um teatro encontrei três vampiros. Num primeiro momento, hesitei em falar-lhes, lembrando do que ocorrera com Aaron, mas, quem era eu? Não tinha qualquer intenção de me envolver com negócios ou política, era apenas uma jovem dama procurando um banquete agradável. Desci confiante de meu carro e fui falar-lhes. Não sabia bem como apresentar-me em minha nova natureza, então, tirei as luvas e simplesmente deixei que minha pele fria falasse por mim.

"Ora, vejam que interessante. Acho que a senhorita está procurando um bom lugar para jantar." - Ele não era bonito. Seu rosto era irregular, tinha o nariz adunco, a barba e o bigode ralos e seus cabelos negros pareciam mal cuidados. Mas ele era elegante e sorria de uma maneira intrigante. "Mas que distração a minha! Eu sou Aurelius de Palermo e esses são meus primos, Augustine e Julius de Cavour. É um prazer conhecê-la, senhorita van der Heyden."

Augustine era risonha e, apesar de sua roupa e suas joias caras, tinha os trejeitos das mulheres dos bordéis. Tinha os cabelos muito claros num bonito penteado que deixava seus pequenos cachos caírem aqui e acolá contra sua pele alva. Julius era um homem alto e esguio, a pele de um tom oliva claro, os olhos muito negros e bastos cabelos encaracolados. Ele estava vestido com muita elegância e trazia ao peito dois broches que simbolizavam honrarias que lhe haviam sido concedidas.

"De fato, estou procurando um bom lugar para jantar. Acabo de chegar a Viena e ainda não tive oportunidade de conhecer a cidade."

"Pois a senhorita está com sorte! Esta noite o conde Rosenberg está dando um de seus famosos banquetes para a nossa sociedade... Todos os abençoados de Viena estarão lá."

Augustine não tinha uma visão nem um pouco mística de sua condição, “bênção”, conforme eu viria a saber, era apenas um termo um tanto irônico que ela usava para designá-la.

"Venha conosco, peça para o seu cocheiro seguir-nos."

E foi assim que conheci a alta sociedade vampírica da Áustria, o grupo mais imoral que já tive o prazer de conhecer. Na verdade não estavam lá "todos os abençoados". Havia alguns que simplesmente repudiavam o estilo de vida boêmio de Rosenberg, mas eles eram o tipo de gente que eu queria evitar: muita política, muitos negócios... O tipo que se leva a sério demais. Claro que nossos caminhos acabaram se cruzando, mas eu sempre soube me manter afastada.

E o que eu posso dizer da festa? Duas - três, talvez - dezenas de profissionais da noite de todos os sexos possíveis, de todas as etnias já vistas, tatuados, anões, muito jovens, muito velhos... Para todos os gostos. Foi lá que eu aprendi como dar um gosto diferenciado ao alimento: a vítima toma álcool ou fuma algum entorpecente e nós lhe tiramos o sangue contaminado.

O conde Rosenberg era o melhor anfitrião que já conhecera. Fez questão de me apresentar a todos os presentes, incluindo detalhes importantes e escandalosos de suas vidas e esteve conversando comigo por um bom tempo, tendo me ensinado pequenos, mas valiosos macetes da nossa espécie. Prometeu-me, ainda, acompanhar-me na noite seguinte até o palácio imperial. A residência do conde também era um espetáculo à parte: completamente decorada em branco, dourado e rosa, entulhada de estatuetas e quadros - no salão em que a festa se concentrava eles tinham uma temática especialmente indecorosa - com o teto todo pintado, as janelas cobertas por imponentes cortinados e o chão forrado de grossos tapetes.

Não me senti muito à vontade para participar dos jogos mais ousados que meu anfitrião inventava, mas Julius de Cavour também esteve me fazendo companhia naquela noite e tornamo-nos bons amigos. Soube que ele era um poeta. Vinha de uma família nobre, mas seus pais estavam completamente falidos. Aurelius o salvara do suicídio há mais de meio século e, desde então viviam juntos. Augustine viera mais ou menos na mesma época. Ele achara interessante ter uma mulher como companhia e - como eu já havia notado - ele a tirara de um bordel. Julius disse-me que ela era uma incrível bailarina. Parece que Aurelius costumava abraçar - que é como eles denominavam o ato de transformar alguém em vampiro - pessoas que tinham algum talento especial, como uma forma de imortalizá-lo.

"Não acho, porém, que seja uma boa ideia." - Julius continuou. "Havia um pintor excepcional que vivia conosco, também. Mas depois que se tornou um de nós, não conseguia fazer mais nada que fosse original ou realmente inspirador. Não que ele houvesse perdido seu talento - ele ainda pintava com maestria - mas... aquela luz especial, aquela coisa que emociona o observador... Isso ele não produziu mais. Sei que tampouco consigo isso com minha poesia agora e Augustine não arranca mais suspiros de excitação de sua plateia... No fundo, acho que estamos mesmo mortos. Aurelius deve ter percebido isso, pois já tem muito tempo que não abraça mais ninguém."

Tendo me alimentado à farta, dormi muito bem durante todo o dia que se seguiu e acordei muito bem disposta para a minha grande noite. Estava ansiosíssima e não parava de olhar o relógio na espera de Rosenberg, que, conforme o combinado, me levaria à sede do Império Austríaco. Eu precisava causar a melhor das impressões, então, tendo solicitado a uma criada do hotel que me auxiliasse, prendi o cabelo num penteado com tranças - conforme a moda da época - e ornei-o com pérolas. Se os diamantes são os melhores amigos das mulheres, as pérolas também não ficam muito atrás: elas tem um charme clássico e discreto - diria que até mesmo modesto, transmitindo recato e uma certa inocência. Para completar, não deixei que meu rosto ficasse muito corado - afinal, a carta de minha suposta tia diria que eu sofria de fotofobia e eu agora era uma jovem dama, frágil e delicada. Meu vestuário consistia de um elegante vestido em seda de azul claro, puxando para o lilás. A saia era bastante volumosa e ele era adornado com fitas no mesmo tom e pesadas rendas de cor creme, combinando com as luvas. Ao colo, ostentava um belo camafeu, dentro do qual colocara - lembro-me como se fosse hoje - um delicioso perfume com essência de cravo e laranjas, que foi um dos primeiros presentes que Charlotte me deu. Ela dizia que aquela fragrância era exótica demais para ela e, por mais que contrastasse com meu toilette de jeune fille, eu fiz questão de usá-lo como que para deixar uma pista de que eu era mais que aquilo.

Meu acompanhante chegou minutos antes que eu terminasse de me arrumar - o que foi ótimo, pois não suportaria esperar parada - e partimos.

Eu nunca tinha estado em um castelo tão grande e suntuoso. Havia guardas, pajens e damas por toda a parte, todos impecavelmente vestidos. Tendo sido anunciada como sobrinha do duque de Arenberg, aliado político do imperador, e acompanhada que estava pelo conde Rosenberg, foi-me concedida uma entrevista com a própria imperatriz. Otto me disse que ela não passava de mais um dos adornos do palácio e que, quem de fato influenciava o imperador, era a mãe dele, mas mesmo assim fiquei encantada com tal honra.

Dizer que a imperatriz era "só mais um adorno" era uma horrível injustiça: ela era o mais belo adorno de todo o império! Descobri depois que ela era três anos mais velha que eu, mas naquele momento julguei-a mais jovem. Ao contrário do que a moda ditava na época, sua pele era delicadamente bronzeada e suas faces exibiam um belo rubor. Ela era alta e esguia, tinha uma cintura incrivelmente fina e uma cabeleira farta e brilhante. A impressão daquela visão ainda está claramente gravada em minha memória. Naquele momento eu criei um ideal daquela criatura que eu julgava ser o retrato vivo dos anjos. Com o passar dos anos, esse ideal foi se quebrando e, quando a vi pela última vez, ela já não tinha nada daquela fada surreal que então sorria para mim.

Dois dias depois fui chamada para mudar-me para o palácio imperial. Eu fora aceita por Sua Majestade como sua dama de companhia para as atividades noturnas.

Meu dia - digo, minha noite - começava ao final do pôr do sol. Em setembro, que foi quando comecei a viver no palácio, isso se dava por volta das vinte horas, bem a tempo do café de Sua Majestade. Eu tomava, então, o posto de uma das damas que a acompanhava durante o dia, pondo-me a disposição para acompanhar a imperatriz Elizabeth e em qualquer atividade que desejasse. Em geral, ela fazia alguns passeios à pé ou à cavalo, assistia a apresentações de algum artista, escrevia seus poemas ou fazíamos pequenos saraus entre as damas.

Meu quarto no palácio me encantava e, confesso que, estive admirando-o longamente no dia em que me instalei. A cama de dossel era toda em madeira laqueada de um tom claro de rosa-chá com detalhes em dourado e pequenas flores pintadas na cabeceira. Os lençóis, fronhas e colchas eram decorados com o mesmo motivo e ornados com uma profusão de rendas. Havia uma penteadeira com um grande espelho e vários vasos de porcelana com flores naturais. Devido ao meu "problema de saúde", as cortinas brancas haviam sido substituídas por outras em púrpura, bastante volumosas. O castelo era imenso e, de início, sempre tinha de perguntar para os criados onde ficavam tais e tais salas, mas logo me acostumei - aprendi a relacionar os caminhos com os quadros que decoravam os corredores.

"Chegou rápido hoje, Senhorita van der Heyden! Está ficando cada dia melhor em encontrar a saída do labirinto, hein?"

"Estou, sim, Senhorita Feifalik!"

"Ora, por favor! Nunca me acostumarei com toda essa formalidade! Me chame só de Fanny, certo?"

"Tudo bem, Fanny! Charlotte para mim também está bem!"

Franziska Feifalik era a cabeleireira da imperatriz, mas ganhara sua fama trabalhando com as melenas das atrizes. Ela era a única a quem Elizabeth confiava suas preciosas madeixas - Fanny me dissera, e outras damas confirmaram, que a imperatriz gastava duas horas toda manhã fazendo seus intrincados penteados, fora os dias inteiros que tirava vez ou outra para fazer tratamentos para fortalecer os fios.

"Já está sabendo que no sábado teremos Rossini no Teatro Imperial?"

"Não!"

"Bom, então agora sabe! Não esqueça que é sua responsabilidade escolher o que Sua Majestade irá vestir."

Como eu poderia dizer que nunca tinha estado em um evento daquele porte?! Com a presença da imperatriz?! Imagine então vesti-la! Maastricht era uma cidade minúscula e nos três anos que vivi lá nenhum rei passou nem por perto! Tivéramos umas poucas apresentações de óperas e balés, mas nada que se pudesse comparar com o Teatro Imperial da capital da Áustria!

"Quer um conselho? Tente descobrir o que as mulheres vão usar - principalmente a arquiduquesa - e escolha o que tiver de mais destoante! Ela gosta de simplicidade, não de mediocridade."

"Puxa... Muito obrigada..."

Claro que eu não segui seu conselho de imediato. Eu era nova na corte e não podia saber quem eram realmente os meus amigos... Mas fiquei atenta à toalete das mulheres e à de Elizabeth. De fato, a imperatriz vestia-se com vestidos bem menos volumosos, a maioria de uma única cor - provavelmente por que eles lhe alongavam a silhueta. Ou talvez porque irritassem sua sogra, a Arquiduquesa Sofia. Me disseram, depois, que, quando se casou, Sisi - como a família a chamava - tentou arduamente se adaptar à vida na corte austríaca, mas nunca conseguira satisfazer a mãe de seu marido, que a julgava errada em todos os aspectos. Com o passar do tempo, sendo uma mulher de mente livre e inteligente, fez o que qualquer uma na sua condição faria: passou a saborear a irritação que causava.

Escolhi um belo vestido marrom escuro com uns poucos detalhes em rendas que seriam arrematados por algumas peças de joalheria em ouro e pedras cor de âmbar. Fanny fora sincera e boa comigo, dando-me um conselho muito valioso. Elizabeth, porém, resolveu não usar o vestido, substituindo-o por um de cor ocre, que, afinal, combinava melhor com as joias e a faixa distintiva que usava quando aparecia em público. Mesmo assim, não me repreendeu. Acredito que minha escolha não a tenha desagrado, pois a imperatriz era bastante rígida e não costumava poupar as novatas quando erravam.

Quanto a mim, não fazia questão de ser avant garde. Gostava imensamente de usar grandes saias muito trabalhadas, rendas, peles e, especialmente, golas e mangas que chamassem a atenção para meu colo branco. Porém, fiquei em dúvida se deveria destoar tanto do estilo de Elizabeth, afinal, ela era minha patroa e eu não a queria desagradar de forma alguma, de maneira que economizei as anáguas e fui com a minha crinolina mais estreita.

Me senti completamente estúpida. Todas as mulheres da corte estavam com seus melhores toilettes, fazendo o Teatro parecer um belo jardim exótico, onde eu era uma pequena violeta escondida. Sisi mal olhou para mim, que, afinal, estava lá apenas para garantir que ela tivesse à mão qualquer coisa que necessitasse. Para piorar, a "garota do campo" foi a fofoca da semana entre as mulheres do palácio, que me sorriam com um misto de pena e comicidade quando cruzava seus caminhos.

Por volta do décimo quinto dia de minha mudança para a residência imperial, já mais acostumada a minha nova posição, enviei uma carta agradecendo ardentemente a Willem. Sabia que devia tudo a ele e nunca esqueceria sua bondade para comigo. Enviei também um bilhete ao conde Otto de Rosenberg contando-lhe como estava minha vida e, mais uma vez, agradecendo-o por ter me acompanhado num momento tão crítico de minha vida. Na semana seguinte, acompanhado de Julius de Cavour, ele veio me visitar no palácio. O vampiro poeta me trouxera um presente dos mais adoráveis que já recebi e mal sabia eu que seria também um dos mais queridos por toda a minha vida.

"Oh, céus, é um gatinho!" - Eu o tirei do cesto com cuidado, seus olhos muito redondos e azuis me encarando com receio em meio a uma profusão de pelos muito brancos.

"Certo, Julius, me avise quando ela parar com esses grunhidos de fofura."

"Oh, Otto, mas ele é tão lindo! É meu bebezinho! Obrigada, Julius, muito obrigada!"

"Achei que você fosse se sentir solitária por aqui. As pessoas daqui costumam ser pouco solidárias com os recém-chegados e você tem esse jeito comunicativo e aberto..."

"Julius quer dizer que você é interiorana." - Ele sorriu sardonicamente.

"Não seja rude! Ela ainda não está acostumada com todo esse seu veneno... Não ligue para ele, Charlotte, é um maricas tresloucado do pior tipo."

"Ora, sou mesmo!" - Ele riu gostosamente. O conde Rosenberg tinha uma língua ferina, mas era muito agradável e possuía a rara virtude de saber rir de si mesmo.

Batizei meu novo companheiro de Luna. Ele era bem novo e nenhum de nós conseguiu identificar seu sexo, então lhe dei o nome do astro que era branco como ele. Achei que ficaria bem quer fosse macho ou fêmea. Descobri depois que era macho, mas ficou assim por pouco tempo: Luna tinha o péssimo costume de demarcar seu território, então acabei decidindo por tirar toda aquela masculinidade... Aurelius protestou, disse que aquilo era um crime, mas Otto achou que era uma boa opção, porque, segundo ele, "alguns homens precisavam ter, no mínimo, uma bola a menos".

Tinha poucas amizades no palácio. A maioria das damas tinha o compromisso de estar ao serviço de Sua Majestade apenas durante o dia e pouco nos encontrávamos. À noite, haviam mais duas damas que acompanhavam a imperatriz, além de Fanny, que sempre devia estar à disposição para fazer, desfazer e ajustar os penteados. Sigrid von Hess e Katarina Trapp eram boas companhias, mas, como a maioria das mulheres da nobreza, tinham línguas venenosas e estavam dispostas a muitas coisas para atingirem seus objetivos. Eu tinha, na época, uma certa dificuldade em identificar quem era sincero e quem fingia, então procurava manter uma postura defensiva, o que não me impediu de rir e me divertir por inúmeras vezes com essas companheiras.

Katarina era uma notável amazona, indispensável nas cavalgadas noturnas de Elizabeth da Áustria, que não eram incomuns, visto que Sua Majestade frequentemente sentia-se entediada e gostava de sentir a aragem da noite. Já Sigrid nos divertia com sua encantadora conversa, recheada de ironia e trocadilhos sagazes. Criticava desde o cozinheiro real até o próprio imperador como se fosse especialista em quaisquer assuntos que abordasse.

A própria Sisi também não era uma má companhia. Viajara muito em sua vida e conhecia lugares muito interessantes com os quais, na época, eu apenas sonhava. Pouco antes de eu chegar a Viena, voltara de uma viagem de dois anos em que esteve, entre outros lugares, na Grécia e na Itália. Estivera tentando curar-se se uma tosse seca que a acometia constantemente. A imperatriz podia parecer forte e inabalável, mas, depois de alguns anos de convivência, soube que ela era apenas um pássaro tentando sobreviver numa gaiola. Ela contáva-nos, apaixonada, sobre sua infância quase plebeia na Baviera, sobre seu casamento na flor de seus dezessete anos e como fora difícil se adaptar na rígida corte austríaca. Falava com compaixão do imperador Francisco José, seu marido, mas não poupava palavras duras para a sogra. Não sem alguma razão, claro.

A arquiduquesa Sofia, que, além de mãe de seu marido, também era sua tia materna, sempre tentara dobrar-lhe, fazer dela seu joguete, como fizera com o filho. Não conseguindo, porém, tomara-lhe os três filhos - Sofia, Gisela e Rodolfo, tornando pouco frequente o contato da mãe com os pequenos. Naquele ambiente hostil, a jovem imperatriz desenvolvera uma terrível e constante ansiedade, que ela refletia em sua obsessão pela perfeição física. Eu tinha quase tanta pena dela quanto de mim mesma quando a via recusando os mais finos pratos que a cozinha produzia. Ah, e os doces?! Certa vez não resisti e comi um, apesar do que vários vampiros já haviam me dito... Além de sentir quase nenhum gosto, tive que esforçar-me por produzir saliva suficiente para engolir e acabei por passar terrivelmente mal, já que meu organismo agora era incapaz de digerir. Mas com Elizabeth, suponho que a situação deveria ser pior: havia dias em que não admitia comer nada sólido e, sempre que passava um pouco dos cinquenta quilos (ela pesava-se diariamente), ficava dias sem por praticamente nada na boca. As viagens lhe faziam bem, mas sempre que voltava, sua saúde piorava novamente.

E no aspecto da alimentação, a vida na corte era fácil. De início, eu saía do palácio para conseguir alguma coisa e sempre havia bastante gente nas ruas, mas, com o passar de alguns meses, comecei a me sentir mais segura. Percebi que tinha o talento, muito comum em minha espécie, de hipnotizar levemente minhas vítimas. Nada parecido com o "agora você vai dormir" - é simplesmente uma pequena confusão mental, o suficiente para que a pessoa permita que você se aproxime, não reaja violentamente à mordida e não consiga saber com exatidão o que houve. Podia, então, escolher minhas vítimas, bastava que elas estivessem sozinhas. Nos corredores do palácio, provei o sangue de camareiros a príncipes e, posso-lhes afirmar que todos tem o mesmo sabor. O do povo das ruas, porém, às vezes era mais fraco, provavelmente porque se alimentassem mal. Imagino que o de Sisi também.

Quase toda quinzena o conde Rosenberg realizava suas “reuniões”. Acabei por me tornar uma habituée em sua residência, criei laços sociais com vários vampiros da cidade e fortaleci minha amizade com os que conhecera na primeira noite.

Àquela época, porém, me ocorreu como o destino gostava de agir com troça e ironia na vida dos pobres seres humanos: há poucos anos eu me debruçava melancolicamente à minha janela, observando as pessoas e sonhando com uma vida diferente, com uma companhia interessante, que pudesse me ensinar coisas novas e me mostrar novas maneiras de ver o mundo. Como poderia imaginar que a vida diferente que me aguardava seria completamente diferente de tudo o que eu até então podia supor? Que minha nova visão de mundo seria através dos olhos de um corpo morto animado por uma força sobrenatural, os olhos de um predador noturno de inocentes? Que minhas companhias interessantes seriam reis e imperadores, santos e devassos, por vezes reunidos todos em uma única sala? Que minha vida nova incluiria adotar uma identidade totalmente diferente?

Haviam se passado vários dias em que as horas solitárias e a falta de verdadeiros amigos, em quem eu pudesse realmente confiar, me traziam à mente a figura de Charlotte e o questionamento de como ela se sentiria ao saber que eu agora me passava por ela. Eu sabia que ela desaprovaria muitas de minhas atitudes e, além disso, por toda a corte "Charlotte Marie van der Heyden" era considerada uma garota estranha e solitária. Não me era confortável pensar que era essa a imagem que eu fazia-os ter daquela que fora minha melhor amiga. E, de qualquer maneira, eu jamais poderia revelar a verdade. Primeiro porque não seria aceita por meu nascimento plebeu, segundo, porque se passar por outra pessoa é um crime grave, ainda mais se tratando de alguém da nobreza. Esses pensamentos e essa culpa estavam me sufocando. Nessas ocasiões eu sentia que precisava chorar, que queria mais que tudo fugir dali, mas não encontrava forças.

Certa noite, tendo a imperatriz saído em uma de suas frequentes viagens, me encontrei mais solitária e perdida nesses pensamentos deprimentes que nunca. Desesperada, decidi que não queria mais aquela vida. Eu não podia mais viver em meio a tantas mentiras e a tanta hostilidade. Tomei um carro até o palacete do conde Otto de Rosenberg. Se eu tivesse de sofrer sanções, ser presa e humilhada pela sociedade, preferia a morte. As leis dos humanos eram mais condescendentes com a vida humana, mas eu sabia que, para os vampiros, a vida não significava tanto e o conde, conforme Julius de Cavour me dissera, era o vampiro mais velho e, consequentemente, mais poderoso e influente da região. Ele era alguém de quem eu gostava muito, por quem eu tinha uma grande consideração, mas não fazia ideia de como reagiria ao saber de minha verdadeira identidade. Mas se alguém tinha de me condenar à morte, eu preferia ir direto ao responsável.

"Ora, o que houve, querida? Você parece perturbada... O que posso fazer para lhe ajudar?"

Respirei fundo - sim, um antigo costume - e, mesmo tensa e envergonhada, contei-lhe, sem que ele me interrompesse, toda a minha história até aquele momento, dizendo-lhe que sabia que cometera um crime e que estava arrependida, mas não oporia qualquer resistência à minha condenação. O conde acompanhou minha narrativa com atenção, apenas balançando a cabeça num gesto de entendimento vez ou outra, sem deixar que seu semblante revelasse quaisquer opiniões que ele estivesse desenvolvendo sobre o meu caso. Ao final, após alguns breves segundos de silêncio, ele respondeu calmamente:

"Ora essa, ma petite! E você esperava que eu ficasse chocado com essa revelação?! Charlotte - ou Lorelei, como preferir - eu tenho vivido desde os tempos de Saladino, quantas vezes acha que tive de mudar de identidade? Minha cara, eu já fui frade, abade, cavaleiro, navegador, romano, castelhano, inglês... E agora sou um bon vivant austríaco. Ma belle, roubar a identidade de um morto é cotidiano para alguém que vive tanto. Hoje você é uma dama da imperatriz, mas sem que você perceba, chegará o tempo em que sua senhora envelhecerá e morrerá como qualquer ser humano e o que será de você? As pessoas vão notar que continua tão jovem quanto quando a conheceram... E então você terá de partir para longe de seus conhecidos, talvez até forjar a própria morte para renascer como uma forasteira, com uma vida totalmente nova..."

"Mas..."

"Entre nós, só existe um crime: saciar-se com o sangue de outro membro da nossa espécie. E mesmo assim, poucos se importam em fazer qualquer justiça que não seja vingança pessoal. É claro que estamos sempre atentos a membros que possam demonstrar um caráter violento ou possam representar ameaça, mas eu posso me orgulhar de manter Viena em indefectível ordem. De qualquer forma, ma chérie, eu não a aconselho a revelar sua história a mais ninguém. Os fatos são recentes e, mesmo isso não representando nada para a sociedade vampírica, não seria difícil usar essas informações contra você."

E sem que eu tivesse oportunidade de responder qualquer coisa, ele continuou:

"Obviamente você não teve a instrução que deveria quando foi abraçada... Você se saiu bastante bem, não imaginava que você estivesse tão desinformada..." - Ele ponderou - "Mas isso não vai ficar assim! Eu vou ensinar-lhe tudo o que minha pobre florzinha precisa saber..."

Ele se levantou e, casualmente, foi até a escrivaninha, onde tomou um belo abridor de cartas.

"Veja."

Sob meu olhar atônito, o conde afastou a manga de suas vestes e abriu um profundo corte no antebraço esquerdo. O sangue minava lentamente das paredes de tecido muscular, bastante diferente do que se esperaria de um organismo vivo, cujo sistema cardiovascular teria feito o líquido vital perder-se aos borbotões. Instintivamente, levantei-me em busca de algo para fechar o ferimento, mas ele me deteve.

"Calma, fique tranquila e observe."

Rosenberg tomou novamente seu lugar à minha frente e pôs-se a observar com um ar concentrado o ferimento que ele mesmo fizera. Para meu espanto, o corte começou a fechar gradualmente e em no máximo dois minutos, ele já tinha o braço completamente intacto, como se o que eu presenciei nunca houvesse ocorrido.

"Isso é... Céus! Como fez isso?!"

Eu sabia que éramos imortais, mas não imaginava que pudesse testemunhar algo tão prodigioso. Imaginava que um vampiro demoraria o mesmo tempo que qualquer humano para se recuperar de um ferimento.

"É... Você ainda tem muito o que aprender." - Era estranho vê-lo como estava, sério e pensativo - "Essa minha pequena exibição não deveria causar-lhe a menor surpresa. Não é nada que qualquer um de nós não faça cotidianamente."

Otto apresentava à sociedade uma personalidade bastante frívola e me surpreendi ao constatar o quanto ele era rígido quando se fazia necessário. Naquela noite e nas outras duas que a seguiram, ele me ensinou tudo sobre minha nova natureza e minha posição na sociedade dos malditos e posso dizer que foi um bom professor, fazendo-me repetir exaustivamente os exercícios, até que os conseguisse realizar de modo satisfatório. Tudo aqui era bastante diferente de todas as lendas que eu já ouvira e estou certa que mesmo meu querido mestre Aaron van der Heyden não estava ciente de tudo. Não era de se espantar, o atual conde de Rosenberg fora batizado como Marcus Antonius havia quase oitocentos anos! E, sim, eu ainda demoraria muitos deles até ser capaz de realizar os mesmos feitos de Otto com tanta facilidade. Mesmo hoje, não tenho a força física ou mental que meu amigo, afinal, é o tempo que nos faz mais poderosos e eu conto com apenas dois décimos do que ele contava quando o conheci.

Na primavera de 1864, a família real recebeu um convite que deixou a imperatriz muito alegre e mais agitada que o normal: seu primo Ludwig seria coroado rei da Baviera. Ele não era um parente qualquer, era o seu primo favorito, a pessoa com quem Elizabeth mais se identificava. Ficamos vários dias ouvindo-a sobre como ele era sensível, inteligente e agradável e como eles tinham os mesmos gostos, tendo compartilhado passeios noturnos várias vezes. Na época eu acreditei que ela cultivava um pouco mais que somente amizade sincera pelo primo. Geralmente eu não acompanhava Sua Majestade em nenhuma viagem por causa de minha "doença", mas Elizabeth fez questão que eu fosse à coroação e me arrumou um carro exclusivo, com três criados que garantiriam que eu não fosse perturbada antes que o sol se pusesse. Felizmente, nada ocorreu e a viagem até Munique foi rápida e confortável.

Munique também era uma bela cidade, bem mais calma que Viena, mas com seu charme particular. Chegamos com antecedência de apenas um dia e tudo o que se via eram pessoas atarefadas e apressadas, trabalhando incessantemente nos preparativos e recebendo a nobreza que chegava de todos os lugares. Eu nunca vira tantos representantes de Estado juntos, tantos estilos e etnias desfilando nos mesmos lugares.

Apesar dos protestos de Elizabeth, só conseguimos ver o novo rei na hora de sua coroação.

Imagine um príncipe de contos de fadas. Não, não é bem isso... Ludwig lembrava mais um personagem de Edgar Allan Poe: jovem, de traços regulares, talhe anguloso, mas flexível e elegante, basta cabeleira negra, encaracolada como a dos italianos, contrastando belamente com uma pele alvíssima e sonhadores olhos azuis... Quem o visse sem a faixa real poderia imaginar um aventureiro que, depois de correr o mundo todo e ver tudo o que se há para ver, abandona-se em sua exótica residência deixando-se estar na mais completa melancolia.

Como diria minha querida Marianne, ele era um gato!

Não me impressiona que as dúzias de moças solteiras presentes - e mais um bom tanto de casadas - estivesse constantemente tentando chamar sua atenção o tempo todo. Eu? Não... Se bem que eu, como hoje sei, provavelmente tivesse mais chance de atrair-lhe a atenção que muitas delas, seria ridículo pensar que uma irmã de barão - é, Charlotte não tinha propriamente um título - poderia se casar com um rei. E há o detalhe que eu nem mesmo era o que todos acreditavam que fosse! Apesar de tudo o que vivi, eu nunca deixarei de ser a filha da Mulher Leão! Acredite, olhando hoje, isso é uma grande ironia.

E por falar em ironia, o "senhor príncipe encantado", ideal de homem para toda mulher da época, nunca amou nenhuma. Falo, claro, de amor romântico, não de amor fraternal. Na verdade, houve uma época em que ele amava uma delas - ou pelo menos era o que ele pensava... E houve uma outra época em que ele seriamente tentou amar uma segunda... Mas, cada coisa a seu tempo! No momento de sua coroação, ele ainda pensava amar uma mulher.

"Ah, minha Pomba! É uma benção poder vê-la mais uma vez! Estou tão feliz que tenha vindo! Finalmente vamos poder cavalgar juntos, como sempre fazíamos, você se lembra, minha prima?"

"Como poderia esquecer, se aqueles foram os melhores momentos de minha vida? Ah, se você soubesse como as pessoas lá são enfadonhas! Todos vivem me julgando com seus olhares!"

"Ora, eles não são ninguém perto de você! Você é a mulher mais linda que já viveu, mais linda até que as deusas e todas as mulheres das lendas! E você é muito mais, é inteligente, é ousada..."

"Pare com isso!" - Ela ria, lisonjeada - "Agora que você é rei, vai ter de achar uma esposa e se ficar pensando assim, nunca vai ter uma que o contente."

"Eu não quero nenhuma esposa! Como você disse, todas as outras são tão simplórias, com suas coqueterias e assuntos caseiros... Eu quero alguém que me faça sonhar! Alguém que seja a guerreira Brunhild pela manhã, a sofredora Isolda pela tarde e a pura Elsa pela noite. Quero alguém que me tire deste mundo mesquinho! Eu quero você..."

"Ah, meu amigo... Você não pode viver de sonhos! Tem um reino inteiro sob sua responsabilidade, seu povo depende de você e espera que lhes dê uma rainha e sucessores... Eu sei, meu primo, que essas são responsabilidades deveras pesadas, como eu sei! Mas, por outro lado, é sua a oportunidade de fazer de sua terra um lugar melhor."

"Eu nunca quis nada disso, Sisi..."

"Mas agora você tem e deve fazer o melhor pelo seu povo. Eu tenho certeza que você vai acabar encontrando um modo de ser feliz."

É claro que eu não deveria ter testemunhado aquela conversa e muito menos o que se seguiu aquela noite dentro dos estábulos, mas a verdade é que esse tipo de coisa acontecia vez ou outra entre a gente da realeza. Não os critico de forma alguma. Elizabeth, como muitas, casara-se por contrato e vivia extremamente infeliz. Ela parecia uma princesa de sonhos vivendo uma vida perfeita - e essa foi exatamente a primeira impressão que tive - mas acompanhei-a o suficiente para sentir pena de uma pobre mulher cuja vida foi uma sequência de tragédias. Poderia contar nos dedos suas horas felizes e ainda me sobrariam alguns.

Mais tarde, quando retornei ao local - é claro que eu não fiquei espiando! - ambos riam despreocupadamente, mas com notável cumplicidade enquanto preparavam seus cavalos.

"Aqui está o equipamento que Vossa Majestade solicitou."

Ela me olhou com desconfiança e altivez.

"Esta atrasada, senhorita van der Heyden."

"Perdão, senhora."

"Sabia, Ludwig, que nos Países Baixos as pessoas dormem de dia e vivem à noite?"

"Que absurdo, prima! Por que diz isso?"

"Essa é a nossa holandesinha, Charlotte... Os ares do campo não fizeram bem a ela."

Ele a olhou com mofa, esperando que continuasse. Teria corado se não estivesse teoricamente morta e me ative a cuidar de detalhes inúteis da sela. A imperatriz não costumava fazer esse tipo de comentário, mas percebi que era um modo de me repreender. Ela estava certa de que eu tinha visto qualquer coisa, mas não ousaria pronunciar nada, confirmando o que houvera.

"Ela veio de uma cidadezinha minúscula, longe dos ares e da agitação da capital, mas mesmo assim a pobre sofre de uma espécie de alergia à luz do sol..."

"Não perde muita coisa... A noite é, de qualquer maneira, muito mais bela que o dia."

E foi assim que conheci Ludwig II, rei da Baviera. Assim como aconteceu com a imperatriz da Áustria, fiquei fascinada por sua bela figura e por seu comportamento sonhador, mas ele também estaria fadado à minha pena.

Estivemos por mais uma semana na corte bávara antes de voltarmos para casa e esses foram os dias em que mais trabalhei desde que havia sido admitida à companhia da imperatriz. Todas as noites eles saíam para cavalgar, caminhar à luz do luar ou simplesmente ficavam conversando e declamando poesias ao lado da lareira. Eles formavam um belo casal, era realmente uma pena que o destino os houvesse separado com tanta crueldade. Não posso afirmar, mas acho que teriam boas chances de serem felizes juntos. Mas, de qualquer forma, àquela época Elizabeth já não o amava - se é que alguma vez o amou mais que a um parente - e, alguns anos depois, ele se decepcionaria muito com ela e nunca mais daria chance a mulher alguma, abrindo seu coração apenas para seu próprio sexo, que também não lhe deu mais que decepções. A verdade é que Ludwig nunca teve sorte no amor, tanto homens quanto mulheres, ele sempre escolheu as pessoas erradas para amar - eram sempre meros interesseiros ou indivíduos que não estavam dispostos a abrir mão de sua posição na sociedade em nome de um amor que esta julgava condenável.

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