A noite estava densa, úmida, e o som da chuva batendo na janela era quase hipnótico. Melina se remexia na cama, coberta apenas por um lençol fino. Sua respiração era irregular. A testa levemente suada. Seus olhos tremiam sob as pálpebras fechadas.
No sonho, Miguel a puxava pela cintura com firmeza, os dedos cavando possessivos em sua pele. Estavam numa sala escura, antiga, cheia de sombras e veludo — ela de vestido de seda, ele com a gravata solta no pescoço. Beijos urgentes. Mãos explorando como se estivessem famintos.
— “Você é minha, Melina”, ele sussurrava com voz grave, entre o prazer e a ameaça.E ela queria acreditar.
Queria odiá-lo.
Mas naquele sonho... ela ainda o amava.Do outro lado da porta, uma fresta entreaberta deixava escapar não só o calor da madrugada, mas o som abafado de gemidos. Kauan passava pelo corredor
O barulho dos saltos de Melina ecoava pelas paredes espelhadas da sala de reuniões, mas seus pensamentos estavam distantes dali. A HEM seguia em expansão, e ela havia agendado um encontro importante para aquele dia — com uma das mulheres que mais confiou no início de sua trajetória. Alguém que ela conhecia desde os tempos difíceis, quando ainda era uma bolsista determinada em meio à elite arrogante da Fundação Getúlio Vargas.Na noite anterior, após a conversa tensa com Kauan, Melina pegou o celular e digitou uma mensagem curta, mas carregada de intenção:“Nos vemos amanhã? Só você e eu. Preciso conversar. – M.”Helena não demorou a responder. Um simples: “Sempre que precisar.”Agora, Melina esperava por ela. Sabia que aquele reencontro poderia trazer à tona verdades incômo
O tremor não começou no chão.Começou no olhar de Miguel.Logo depois daquele jantar envolto em tensão, com palavras afiadas e corpos prestes a se tocarem por desejo ou por guerra, Melina saiu da casa dele sentindo-se em um campo minado. Miguel não havia respondido diretamente à pergunta. Mas os olhos dele falaram. E o modo como segurou seu braço. O vinco que surgiu na testa. O copo de vinho deixado pela metade. Pequenos gestos de um homem que sabe mais do que deveria.E era exatamente isso que causava o tremor.Ao retornar para sua cobertura, Melina não conseguiu dormir. Repassou cada detalhe da noite, tentando extrair informações ocultas. Não era apenas Miguel. Era o sistema em torno dele. Homens ricos não caem sozinhos, eles caem em silêncio, com aliados, com padrinhos. E Miguel era um desses. Um príncipe em um castelo de sombras.Ela sabia que precisava acelerar os passos. Havia mais traições no caminho.Naquela manhã, Melina foi até o escritório da HEM pessoalmente. Evitava fazer
Miguel não se moveu quando Melina atravessou as portas automáticas. Ficou parado, estático, observando o vazio deixado por ela como se o ar ao redor tivesse perdido o cheiro de perfume e ganhado o peso de algo irreversível.Seu maxilar estava travado. As mãos cerradas.Ela ousou. E ele amava quando ela ousava.Mas odiava ainda mais quando ela o desafiava.Andou até a parede de vidro que dava para a avenida. De lá, viu Melina entrando em um carro preto, os vidros escurecidos refletindo o céu nublado. O salto dela soava em sua mente como um eco de guerra. Uma marcha silenciosa. Uma despedida que ele não permitira. Não ainda.Encostou a testa no vidro frio.“Lembranças, filha da puta de palavra.”Era o que Melina sempre dizia quando queria fugir de si mesma.E agora era ele quem se afogava nelas.Eles se conheceram na universidade.Ela tinha vinte e dois. Ele, trinta e cinco. Era um ex-aluno convidado para palestrar sobre mercado financeiro e estratégias de investimento. Miguel lembrava
A luz atravessava as cortinas pesadas do quarto de Miguel quando Melina abriu os olhos. Por um momento, ela se permitiu o engano: o cheiro dele, a textura dos lençóis, o calor do corpo ao lado. Mas a lembrança da noite anterior caiu sobre ela como um balde de água fria. Sentou-se na beira da cama, nua, abraçando os próprios joelhos.Olhou para ele. Dormia como se nada tivesse acontecido, como se eles fossem um casal comum, de volta ao começo. Idiota. Ela mesma se xingou em silêncio. Se deixou levar pela carência, pela carícia, pela boca mentirosa dele.Ela se levantou, pegou a calcinha e a camiseta que encontrou pelo chão, vestiu-se rapidamente. Abriu a bolsa e pegou os papéis do divórcio, que estavam amassados entre livros, recibos e maquiagens. Voltou para o quarto e os jogou com força sobre o peito dele.— Acorda, Miguel.Ele se remexeu, sonolento.— Que...?— Acorda. É sobre isso que você deveria estar sonhando. Divórcio.Miguel abriu os olhos devagar. Quando os viu, os papéis, e
Melina não sabia o que era mais insuportável: o silêncio ou o pulsar inquieto do celular em sua bolsa. Deixou-o vibrando sem atender, sem olhar. Cada chamada, cada mensagem, parecia mais um peso em seus ombros já cansados. Desde que deixara o apartamento de Miguel na noite anterior, o mundo parecia girar em um eixo de dor e incerteza.O café esfriava diante dela. A cafeteria quase vazia, com seus sons abafados de xícaras tilintando e conversas baixinhas, parecia um cenário surreal para a tempestade que se formava dentro dela.Respirou fundo e, finalmente, puxou o celular da bolsa. A tela iluminou seu rosto.Mensagem de número desconhecido:"Você realmente acha que sabe tudo? Pergunte a ele sobre a noite do acidente."O sangue gelou em suas veias.Acidente?Que acidente?O impulso de levantar e correr até Miguel era esmagador, mas ela se forçou a ficar sentada. Observou o café espesso no fundo da xícara e sentiu a garganta secar. Precisava ser racional. Precisava ser fria.Mas como ser
O vento frio da madrugada cortava como lâminas enquanto Melina atravessava o estacionamento do prédio. Cada passo ecoava entre os carros molhados pela chuva, e a sensação de ser observada cravava garras invisíveis em suas costas.Ela apertou o passo.Seu coração batia rápido, não apenas por causa da mensagem anônima, mas porque algo no ar parecia... errado.Um zumbido quase imperceptível, como se o mundo prendesse a respiração, rondava o ambiente.Melina chegou ao carro, destravou as portas com um clique rápido e entrou, trancando-as imediatamente. Só então permitiu-se respirar mais fundo.Mas a sensação de perigo persistia.Pegou o celular de novo.Nada além daquela mensagem:"Prepare-se para a verdade inteira."A tela apagou, mergulhando o carro em escuridão.Por um ins
A primeira lição que ela aprendeu foi o silêncio.Melina sentava-se à mesa da casa de Miguel todos os domingos, as mãos sobre o colo, as costas retas como mandava o protocolo invisível, e o olhar fixo no prato, mesmo quando seu estômago estava revirado. Obediência era amor, ele dizia. E amor era sacrifício. Ela repetia isso como um mantra, noite após noite, até que parou de ouvir a própria voz.Naquela manhã, o espelho refletia a mulher que ele moldara com esmero — salto alto, vestido vinho justo, cabelo perfeitamente alisado. Cada detalhe contava uma história que não era sua. Seu reflexo, por um segundo, pareceu questioná-la. Mas ela desviou o olhar antes que a verdade gritasse.Miguel odiava desobediência. E Melina era uma aluna exemplar.Desceu as escadas da mansão com passos firmes, como se cada degrau fosse uma sentença. A casa estava silenciosa, exceto pelo som distante de um saxofone vindo da sala de estar. Miguel gostava de jazz — dizia que era música de homens inteligentes. O
Não era apenas a vista que a enjaulava. Era a ideia de que cada escolha que fazia não lhe pertencia. O quarto em que Melina acordava todos os dias era amplo, luxuoso e sufocante como um caixão de veludo. O teto era alto, as janelas largas, os lençóis macios — mas tudo ali parecia feito para mantê-la confortável na prisão que alguém construiu com muito dinheiro e pouco afeto.Ela acordou cedo, como sempre fazia, porque o corpo ainda carregava o instinto de agradar. Mas o coração... o coração estava mudando.Ela se sentou na beira da cama, sentindo os lençóis frios tocarem a pele nua. Miguel jazia ao seu lado, dormindo pesado, o peito subindo e descendo em um ritmo preguiçoso. Ela o observou por alguns segundos, como se buscasse alguma humanidade no homem que um dia acreditou amar. Não encontrou nada além de controle. De medo. De poder mal distribuído.Levantou-se em silêncio, vestindo uma camisola preta de seda, e caminhou até a varanda. A cidade se estendia diante dela, com seus grito