As águas escuras corriam sem que Lizandra visse, apenas o barulho das águas correndo debaixo da ponte a faziam ter certeza ser ali um rio. Com certeza quem a visse ali pensaria que fosse uma louca, por estar se arriscando ali sozinha aquela hora da noite, era tarde e poucos carros passavam por aquele lugar.
Queria acreditar que tudo ficaria bem, mas a verdade é que estava se sentindo perdida e vazia. Ser otimista sempre foi o seu lema, mas dessa vez estava sendo difícil se manter nessa convicção. O seu coração estava dilacerado, doia como se tivesse uma adaga fincada nele, a sua vontade naquele momento era de gritar bem alto, gritar como não havia gritado, xingar como não havia xingado, queria extravasar toda a raiva que sentia, mas se agisse dessa forma não seria a Lizandra que todos conheciam. Talvez o seu grande defeito fosse exatamente esse, ser equilibrada demais, ser calma demais. Ali sozinha, na escuridão da noite, acreditava que ser capaz de se manter sempre no controle da situação, não era uma qualidade, e sim um grande defeito, talvez fosse melhor ser uma pessoa como qualquer outra, que gritasse de forma histérica e desiquilibrada quando estivesse com raiva. — Dê que me adiantou tudo isso? Qual o valor que me foi dado por ser esse exemplo de pessoa meiga e educada? — Ela se pergunta em voz alta se debruçando sobre o parapeito da ponte — Dê que me adiantou tanto equilíbrio? Uma lágrima corre por sua face e Lizandra se debruça ainda mais sobre o peitoral da ponte. Ela fecha os olhos e permite que as lágrimas saiam livremente, era difícil se permitir chorar, mas quando chorava era difícil parar. Estava ainda debruçada sobre o parapeito da ponte quando uma voz soa ao seu lado, fazendo com que se assustasse. — Espero que não esteja disposta a ver o que tem lá embaixo — Um homem surgiu ao seu lado, não se sabe de onde e Lizandra o olha de lado — Acredite, para quase tudo se tem solução — Ele fala como se pensasse em um provável suicídio, a fazendo rir de lado, tentando inutilmente enxugar as lágrimas. — Pensa mesmo que estou pensando em me jogar dessa ponte? — Só podia ser um desconhecido para pensar nessa possibilidade. Lizandra fica atenta ao homem ao seu lado, vestido de jaqueta escura e usando um boné, se fosse um outro dia estaria com o coração na boca, mas ela estava tão irritada e com tanta raiva, que se aquele homem anunciasse um assalto, ela o jogaria ponte abaixo sem medo algum. — Pensa mesmo que estou pensando em me jogar dessa ponte? — Ela pergunta novamente, vendo o homem a encarar sem nada dizer, como se ele realmente acreditasse nisso, seria cômico se não fosse trágico, ela pensa dando um sorriso sarcástico, voltando a olhar para a escuridão a sua frente, mas agora sem chorar. — É claro que não, com certeza só está apreciando a paisagem — A resposta que ele lhe dá a faz rir de verdade. — Tenha certeza que essa escuridão não é tão sombria quanto ao que estou vivendo no momento — Lizandra responde depois de deixar de sorrir. — Você realmente não está pensando em se jogar, estou certo? — O homem fala com certa apreensão — É claro que eu não vou me jogar, jamais cometeria tal loucura, não consigo nem imaginar essa possibilidade. Para a sua informação, eu amo muito a minha vida para cometer algo assim. — Me desculpe, mas não é sempre que vemos uma mulher debruçada sobre o parapeito de uma ponte, olhando a escuridão abaixo dela. — Estava apenas descansando, corri muito para tentar diminuir a raiva que estou sentindo, mas parece que o efeito foi exatamente o contrário. — Quer conversar? — O homem pergunta calmo, se recostando na mureta, pondo as mãos nos bolsos da jaqueta. — Pensei que já estivéssemos conversando — Lizandra respondo rindo, o fazendo sorrir também — Eu por um acaso tenho cara de idiota? — Não, não tem — O homem responde sincero, mas Lizandra tem suas dúvidas. — Que bom — Lizandra volta a olhar para a escuridão — Eu estava aqui pensando que eu devia ter cara de idiota, mas já que eu não tenho, fui apenas burra, mas muito burra mesmo, por ter sido cega por tantos anos — Eles permanecem em silêncio por um tempo — Você teria coragem de manter um casamento sabendo que sua esposa não consegue engravidar? — A pergunta faz o homem a olhar e nada dizer, era como se ele estivesse pensando em uma resposta. — Se eu a amasse sim, afinal teríamos a opção de adotar um bebê, ou mesmo uma criança maior — A resposta a deixa surpresa. — Sua esposa é uma mulher de sorte. Vocês tem filhos? — Não sou casado, estou a espera da pessoa certa, não certa no sentido de ser certinha, mas certa no sentido de me completar. — Uau! Bonito isso que acabou de dizer. Mas sem querer te decepcionar, saiba que nem tudo o que reluz é ouro, as vezes nos decepcionamos. — Quer dar uma volta? — A pergunta a deixa surpresa e por isso, ela o olha a procura de um sinal de perigo, mas depois de pensar um pouco ela decide aceitar. Por que não? Se ele quisesse assalta-la, com certeza já teria anunciado o assalto, pensa otimista.