Capítulo 01

Charlie MacAleese

Eu estava incrédulo.

Não podia acreditar no que tinha acabado de ouvir. Dentre todas as pessoas, ele sabia que aquilo estava fora de questão.

— Como pôde garantir em meu nome que eu traria a sobrinha dele em segurança? — cruzei os braços, estreitando os olhos enquanto o homem à minha frente coçava a nuca, desconfortável.

— Escute! Você é o melhor e ele está disposto a pagar o que for preciso — disse. — Vá falar com ele e o convença de que seu trabalho valerá cada centavo. Mostre que a lenda não está enferrujada.

— Por que ele não chama os caras? O FBI, a S.W.A.T? O homem é podre de rico.

— Às vezes um homem faz o que é melhor para sua família, não para ele.

Olhei para meu amigo de longa data. Depois que me afastei de tudo, ele era o único que sabia minha localização. Durante muitos anos estivemos juntos em situações complicadas demais devido ao nosso passado mercenário. Éramos respeitados e temidos por muitos homens. Homens sábios. E aqueles que não detinham tanta sabedoria assim, aprendiam a nos respeitar da maneira mais difícil.

Pisco, focando no presente e respondo.

— Primeiro que não faço mais esse tipo de serviço. Segundo que estou aposentado e terceiro... — faço uma pausa. — Aquela garota é problema. Aparece mais em tabloides do que é possível para uma vida inteira e sempre está envolvida em alguma confusão.

— Pensei que estando isolado aqui nesse fim de mundo, não estivesse por dentro do que acontece na alta sociedade — diz em tom de deboche, um sorriso de canto evidenciando o sarcasmo. Como não digo nada, ele continua. — Ela é um problema sim, mas um problema encrencado e com um tio preocupado e disposto a pagar o que for para tê-la em segurança.

Eu, Charlie MacAleese, um ex-mercenário, lutei inúmeras batalhas que não eram minhas, em troca de pequenas fortunas, das quais saí vitorioso na maioria delas. Desde que resolvi sossegar, três anos atrás, levava uma vida solitária, tornando-me quase um celibatário e que não se sentia impressionado pelas mulheres. Essas até me consideravam bonito e rude, eram atraídas por minha natureza bruta como moscas num pote de mel, acreditando que conseguiriam me domar. Tolas.

Tinha como principal regra, nunca confiar em outro ser humano. Era metódico, receoso e complexo por natureza. Exceto com o homem à minha frente, o qual considerava um amigo e que salvara minha vida uma centena de vezes.

Cresci em Glasgow, Escócia, sendo o filho caçula de um pai solteiro e viciado. Quando jovem, perambulava pelas ruas com trombadinhas e drogados, cheguei a participar de brigas de ruas, onde ganhava uns trocados. Muitos me achavam fraco e inofensivo devido ao corpo franzino e maltrapilho, mas o instinto animal era despertado quando me lembrava do meu pai e das surras que levava quando ele chegava bêbado ou drogado.

Aos 17 anos, ao me ver sozinho no mundo, depois que meu irmão desapareceu e meu pai morreu de overdose, entrei para um grupo de elite de agentes SSA do exército britânico que tinha base naquela região, o qual abandonei dois anos depois, após ser desautorizado em uma missão que envolvia crianças e estas acabaram perdendo suas vidas. Assim que percebi que tinha algo errado, quis abortar a missão, gritei código cinco incontáveis vezes, mas mesmo assim, eles prosseguiram.

"Elas eram um dano colateral." — disse o capitão depois de ser questionado.

Filho da puta!

De volta às ruas, por muitos anos vivi sem luxo. Sem estudo, era difícil conseguir trabalho e eu vivia de pequenos furtos e alguns serviços escusos, sabia que tinha de ser discreto para não chamar a atenção das autoridades.

Numa dessas atividades, acabei cruzando com o caminho de Pitter, meu benfeitor. Sabia muito bem que devia tudo àquele homem que estava sentado junto à janela do meu chalé. Ele foi o primeiro que percebera a inquietação que tinha dentro de mim e me levou para conhecer um grupo de guerrilheiros e mercenários. Durante os anos que trabalhei com eles, aprendi a dominar as técnicas da luta com adagas e do combate corpo-a-corpo. Com inteligência, tornei-me mestre em enganar meus oponentes com truques de camuflagem e me tornei mortífero ao utilizar essa habilidade contra os inimigos. Nasceu ali o apelido de "Andarilho da noite".

— Se aceitar esse trabalho, eu quero metade do valor combinado em minha conta nas próximas doze horas. E se eu falhar e não trouxer a garota mimada de volta, não farei a devolução.

— Tudo bem.

— Tem mais uma coisa. Ele é um homem poderoso, com certeza ninguém o quer como inimigo, muito menos eu. Porém, não vou aliviar para o lado da garota, ela vai ter que me obedecer até estarmos em solo americano e no primeiro problema que ela causar. Deixo-a onde estiver.

— Fique tranquilo quanto a isso. Todo trabalho tem seus riscos e ele conhece a sobrinha bem demais. Sabe que terá um belo desafio pela frente — ele sorri sarcástico. — Só que eu o conheço bem demais também, não se esqueça disso, controle seu gênio e traga a Srta. Reid segura para casa. Tem tudo para ter êxito, além de excelente piloto, é um ótimo atirador. Saber ser imperceptível quando quer e sabe muito bem que é o único que pode tirá-la de onde está.

— Sabe que há poucos dias estourou uma guerra naquela região, e são poucas as chances de entrar, dirá sair, ainda mais com um peso extra.

— Apenas vá e fale com ele. O Sr. Reid colocará o que precisar a sua disposição, helicóptero, avião, lancha...

— Tenho meu próprio avião, sabe disso. Se algo acontecer com ele, quero outro novinho em folha.

— Está muito exigente.

— Sou um mercenário, esqueceu?

Horas mais tarde...

— Entre! — disse a voz firme, depois de uma batida discreta na porta.

Edgar Reid é sinônimo de poder. Um homem de postura imponente, exalando sucesso por todos os poros, mas, um olhar mais apurado como o meu, consegue enxergar a camada de vulnerabilidade por baixo da casca grossa. Dono de uma das redes de telecomunicações mais visada do país. É um solteirão convicto, e, amarga ver seu nome construído com tanto zelo nos tabloides sensacionalistas por conta da sobrinha rebelde.

— Sr. MacAleese — me cumprimenta dando a volta na mesa.

Seu aperto de mão é firme, enquanto mantém contato visual comigo, me avaliando e eu faço o mesmo desafiadoramente. Ele desfaz o contato e com um meio sorriso, discreto, porém, genuíno, me indica a cadeira para sentar, sentando-se em seguida na cadeira oposta à minha, em vez de voltar ao seu lugar atrás da enorme mesa.

— Vim saber o que exatamente o senhor espera de mim — rompi o silêncio.

— Antes gostaria que me falasse um pouco mais de você.

— Não sabia que devia fazer uma apresentação ou trazer um curriculum.

A tensão foi quebrada pela gargalhada que o homem soltou, me pegando desprevenido.

— Touché! — diz quando se recompõe. — Sei tudo o que preciso sobre você, senhor MacAleese.

“Ou pensa que sabe.”

— Suponho que sim — digo simplesmente.

— Ou ao menos sei o que importa — homem esperto, penso. — Pitter confia muito no senhor e disse que posso fazer o mesmo. Somente por esta razão é que o chamei aqui.

— Pitter falou que está disposto a pagar um alto valor, apenas por isso que vim.

Os olhos azuis do homem me encaram com seriedade e mais uma vez a sombra de um sorriso desponta em sua feição séria.

— O senhor é direto. Gosto disso.

Para muitos posso parecer cínico. Eu chamo de praticidade.

— Sou um homem prático.

— Pois muito bem — ele pega um bloco de notas e uma caneta, escreve algo e me entrega. — Espero que esteja bom para o senhor. Metade agora e metade quando voltar.

Quase estraguei minha postura diante do valor escrito ali. Olhei por um longo tempo para o homem, desviando o olhar para o papel e voltando ao seu rosto.

— Já recebi muito dinheiro por meus serviços, mas nada perto disso.

— Eu não tive filhos, senhor MacAleese. Donna é o que me restou do meu irmão, minha única família. Talvez tenha agido de forma errada, fazendo todos os seus gostos desde que veio morar comigo — ele baixa a guarda pela primeira vez desde que começamos a conversar. — Mas eu a amo e por detrás das câmeras e dos holofotes, ela é só uma garota assustada e confusa. E agora corre grande perigo longe de casa.

— Como permitiu que ela se enfiasse naquele fim de mundo? — pergunto impertinente.

A Guatemala esteve sob o domínio de um conflito armado que durou cerca de 40 anos, de lá para cá vários conflitos aconteceram sem tanta relevância como este de agora. Não consigo entender o que uma garota como Donna Reid foi fazer num lugar como aquele.

— Quando a conhecer vai saber que ela é uma força da natureza. Teimosa e voluntariosa — seus olhos ficam sem foco, como se lembrasse de algo. — Ela tem muito mais de mim do que do próprio pai. Preciso que a traga de volta...

— Não posso garantir que a trarei sã e salva, mas farei o meu melhor — digo me levantando.

— Pitter me disse que era o mais qualificado para essa missão e se ele confia tanto no senhor, eu também vou confiar. É minha única chance — ele também se levanta de seu lugar.

— Quero o valor todo em minha conta e não metade. Posso não sair vivo de lá para receber o restante.

— Se não sair vivo, não poderá gastar o que receber.

— Isso é um problema meu — digo firme. — Então temos um acordo?

— Sim! Temos um acordo.

— Farei tudo o que for possível — estendo minha mão.

— Com o valor que está recebendo, não espero menos do que o impossível, senhor MacAleese.

— É justo.

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