Entre o poder e o vazio

De todas as responsabilidades que meu reinado me impõe, as reuniões com os anciões são, sem dúvida, as mais irritantes. Um círculo de velhos ultrapassados, presos a lendas e superstições que deviam ter morrido junto com os tempos antigos. Eles falam como se carregassem o peso do mundo, quando na verdade só carregam o peso da idade e do medo.

Estou sentado à cabeceira da mesa de pedra negra, escutando-os repetirem, como sempre, a mesma ladainha.

— Temos que encontrá-la, — diz um deles, a voz trêmula e cheia de reverência. — O poder dela nos tornará invencíveis. Unirá sangue antigo ao presente. Trará equilíbrio.

— Ou nos condenará, — rebate outro, mais cético. — Estamos brincando com forças que não compreendemos.

— Mas a lenda... a lua já nos alertou. O tempo dela está próximo.

Reviro os olhos, impaciente. A menção à tal lenda me persegue desde que aprendi a falar. Desde que fui escolhido.

Levanto-me sem cerimônia. A cadeira arrasta-se num rangido ecoante, e os anciões se calam.

— Já basta. — minha voz preenche o salão. — Conquistei este trono com sangue, aço e lobo. Não por causa de lendas.

— Mas, Alfa... — um deles tenta contestar.

— Chega. — corto, firme. — Continuem com seus delírios. Eu tenho um império para manter.

Saio da sala, deixando-os para trás, murmurando entre si como corvos debatendo a morte de alguém que ainda vive.

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Em meus aposentos, o silêncio é mais profundo. A luz do dia atravessa os vitrais escurecidos da torre, tingindo o chão com reflexos vermelhos como sangue. Do alto, observo o território sob meu domínio. Florestas, aldeias, montanhas. Tudo que conquistei. Tudo que dominei.

Os humanos dos vilarejos sabem meu nome. Me temem. Alguns me adoram. Outros tentam fingir que não existo. Mas todos dobram os joelhos quando minha sombra se projeta sobre eles.

Sou Jhon.

Alfa Supremo dos Filhos da Noite.

O mais jovem a liderar a alcatéia mais temida da história.

E ainda assim...

Algo falta.

Meu peito arde com um vazio que nem as batalhas preenchem mais. A paz, essa maldita paz... tem gosto de ferro envelhecido. A guerra me completava. O caos me fazia vivo. Hoje, tenho poder. Tenho controle. Tenho tudo.

Mas não sinto nada.

Dentro de mim, o lobo se remexe. Inquieto. Insatisfeito.

Como se também sentisse a mesma ausência. Como se estivesse... procurando algo.

— Está sentindo também, não é? — murmuro, e um rosnado baixo vibra em minha garganta, vindo de dentro.

---

A porta se abre com estrondo, como sempre faz quando Richard entra. Meu beta, meu companheiro de guerra, aquele que nunca soube levar nada a sério — nem mesmo a própria morte.

— Hoje é o grande dia, majestade — diz ele, irônico, com um sorriso debochado. — Festa dos humanos. Vestes limpas, sorrisos falsos e promessas que ninguém pretende cumprir.

— E virgens ansiosas por se deitarem com um monstro — respondo, seco.

Ele ri alto.

— Ou com o rei dos monstros. Que sorte a nossa.

Me viro, encostando no parapeito da janela.

— Ainda não entendo por que esperam que uma aliança entre nossos mundos funcione. Humanos são frágeis. Medrosos. Inconstantes.

— E mesmo assim... deliciosos — completa ele, divertido.

Não respondo de imediato. Minha mente vagueia.

Uma imagem que nem sei de onde vem me invade: olhos intensos. Um cheiro que ainda não conheço. Pele quente. Algo... que falta.

— Então — diz Richard, arqueando uma sobrancelha —, vai aceitar a filha de Carson como “sua luna”? Dizem que ela mal pode esperar para ser oferecida como sacrifício de aliança.

Reviro os olhos.

— Preparado para... foder quantas forem úteis. Nada mais.

— Sempre tão romântico — ele ri, e logo se despede com uma reverência zombeteira. — Nos vemos ao pôr do sol, Alfa. Guarde um pouco de fogo para as escolhidas.

Quando ele sai, o silêncio volta. Mas minha inquietação não.

A festa ainda vai começar, mas algo já se move dentro de mim. Um tipo de alerta silencioso. Como se algo estivesse prestes a mudar. Como se a floresta estivesse chamando.

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Antes do anoitecer, passo horas caminhando em círculos pela fortaleza. Nada me distrai. Nem os treinamentos. Nem o som das espadas. Nem os corpos suados dos guerreiros. Tudo parece pequeno. Raso.

E então...

Sinto.

Não vejo. Não ouço. Mas sinto.

É como se o vento tivesse mudado de direção, carregando no ar um perfume novo. Uma promessa. Uma ameaça. Um convite.

Meu lobo se ergue como se estivesse diante de uma revelação.

Mas não há ninguém aqui.

Apenas a sensação de que algo se aproximou do nosso território... ou despertou nele.

Meus olhos se voltam para a floresta, ao longe. Um dos vilarejos fica ali — aquele onde acontecerá a festa. Um vilarejo insignificante. Até hoje.

— Ela está aqui. — ouço uma voz dentro de mim. Uma certeza fria e ardente ao mesmo tempo.

Mas quem?

E por quê?

Ainda não sei.

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