Fragmentos - Livro 1
Fragmentos - Livro 1
Por: Eduarda Augusto
Capítulo 01

Sapatilha, Plié e brilha

Ela sonhava em voar

Bailarina ponta e gira

Jeté um dia chega lá...

Sua voz tranquilizava todo o ambiente, nem mesmo o som da estrada era audível, por um momento éramos uma bolha, a nossa bolha.

...— Fondu, Tendu e Frappé

É suave aterrissar

Bailarina ponta e gira

Você precisa descansar...

Olhei para o lado e encontrei Olívia, começando a pesar os olhinhos. —Minha irmãzinha era a coisa mais fofa. — Bocejei sorrindo.

No sonho, Grand Bettement

Rond de Jambé et voilá

Bailarina ponta e gira

Pois é hora de acordar...

Meus olhos pesaram, sua voz era responsável por isso. Ou talvez aquele poema em melodia de música era meu ponto fraco. Os dois, ah sim, uma combinação perfeita.

Concluí ao vê-la olhando para trás, sorrindo suave e graciosa, falhei em retribuir. Meus olhos se fecharam, mas não houve escuridão, e sim um clarão

Fora a última vez que ouvi sua voz.

— Então quer dizer que você é a responsável pelo enfeite do Jony? —uma garota aparece de repente ao meu lado. Fechei a porta do armário tirando minha atenção da caixinha de música que anda comigo até hoje, e observei atentamente a loira falante.

— Eu o quê? — perguntei, franzindo a testa em confusão.

— O acidente... com Jony, foi você não foi? —  Lembro-me da cena há alguns dias atrás, em que acidentalmente, acertei em cheio um garoto que entrava pela mesma porta que eu saía.

— Ah, isso de novo! — suspirei preguiçosamente, preparada para mais uma explicação — Sim, foi eu, mas não foi proposital...

— Já sei de tudo! — interrompeu-me, sorrindo com os olhos brilhantes. —Rádio corredor sabe como é?! Prazer, meu nome é Annabeth, mas todos me conhecem por Anne. E o seu?

— Isabela — disse apenas, contagiada pelo seu carisma.

  Eu costumo dizer que é raro conhecer alguém que consiga sorrir com os olhos, Anne se enquadra nessa minoria. Seus olhos são de um azul tão claro, que confundiria facilmente com um verde, devido as nuances oceânicas. Sua pele pálida e o cabelo loiro claríssimo, fazem dela o verdadeiro estereótipo canadense.

— Certo, você não é daqui, é? — foi sua vez de franzir a testa.

— Não, não sou. Na verdade, cheguei há um mês, sou da Flórida. — seus olhos quase saltaram, parecia empolgada.

— Isso explica o bronzeado! Mais um verão indo embora por aqui e tudo o que consegui foi me camuflar em um cardume de camarões. — vincou as sobrancelhas, refletindo sobre o que disse.

  Nesse momento eu reparei a leve vermelhidão abaixo dos seus olhos, contornando o ossinho do nariz e o topo das maçãs do rosto, que estava inclusive, sem vestígio algum de maquiagem para ser confundido com blush, mas nada que interfira na sua beleza angelical.

— VIENNA! — gritou, fazendo-me pular de susto. Ela havia notado a presença de alguém, que provavelmente não poderia passar despercebida.

— Fala. — uma morena, de pele também clara, (não tão clara quanto Anne) se aproximou. Ela estava séria, mas não é como se eu pudesse descrever seu humor nos poucos segundos que demorou para me notar, quando isso aconteceu, ela sorriu sem mostrar os dentes, retribui ainda retraída, intimidada confesso.

  Seus traços são impressionantemente marcantes, como uma modelo de passarela.

— Essa é a Isa. Da Flórida, acabou de chegar. — Anne me apresenta animada. Mas, não me apresentou-a de volta.

— Isso explica o bronze. — Anne sorriu junto comigo pela mesma constatação. Achei incrível como tudo nela esbanja auto confiança, não de um jeito arrogante, mas sereno, como o pesar das pálpebras e uma tênue lentidão ao movimentar os olhos, como se poupasse até mesmo os cenários minimamente dignos da sua atenção. — Sou Vienna, também sou da Flórida. Já vou logo avisando, em poucas semanas você perde esse viço do sol, então é bom trocar o protetor solar por muito hidratante amanteigado se não quiser que seus lábios sangrem de tanto rachar. 

— Uau. — sibilei por dois motivos. O primeiro foi pelo seu nome, forte e intimidador, como ela. E o segundo foi pela sua sinceridade ácida. — Minha tia me alertou, mas obrigado.

Não consegui parar de repetir mentalmente o nome dela, ainda impressionada.

— Seu nome é realmente Vienna, tipo, Vienna? — ela sorriu largamente. Seus olhos enganosamente verdes, estavam quase castanhos devido sua posição contra a luz, aquele sorriso evidenciou ainda mais suas maçãs do rosto e os lábios carnudos, que tinham uma tonalidade avermelhada, ainda que natural.

Cabelos negros, pele branca e lábios vermelhos. Ela com certeza interpretou a Branca de Neve alguma vez na vida. Hoje talvez, substituiria Angelina Jolie facilmente em Malévola.

— É uma longa história de amor, que não vale a pena saber, já que meu pai nos largou por uma Australiana no fim das contas, só sobrou o nome mesmo. Eu até que gosto. — deu ombros não muito interessada. — Você veio para ficar certo? — indagou, abrindo um armário próximo ao meu.

Infelizmente. Pensei.

— Sim. Moro com minha tia, ela teve que ser transferida. Uma longa história que também não vale a pena. — fitei o teto por breves segundos, também dando ombros.

— Vienna, ela é a menina de que todos estão falando, a que meteu a porta na cara do Jony. — Anne conta alegre, fazendo-me arregalar os olhos ao mesmo tempo que Vienna, uma indignada e a outra surpresa.

— Garota, já sou sua fã. — agora as duas estão felizes pelo acontecido. — Liga não, eu mesma já meti a porta na cara de vários, anota a regrinha. Local público: Se estiver saindo é para fora, se estiver chegando é para dentro, entendeu? Empurra e empurra, nunca puxa.

— Queria ter tido essa informação antes. O que vocês têm contra sinalização? — as duas riram cúmplices.

— De qualquer forma, você arrasou. — foi a vez da Anne dar ombros, bem quando o sinal tocou. — Já conhece toda a escola? Precisa de ajuda com as salas ou aulas?

  Mostrei minha mão direita, com um pequeno folheto que ganhei da coordenadora no primeiro dia.

— O mapa dos marotos! — Vienna riu, assim como eu, entendendo a referência.

— Achei particularmente patético andar por aí com um mapa, mas confesso que foi bem mais útil do que eu imaginava. Pelo menos é compacto. — disse caminhando em direção a minha primeira aula, que seria Química, essa já decorei onde ficava. Anne e Vienna também caminhavam ao meu lado.

— Você não queria um sinalizador? Este é um deles, ele diz, sou novata! Pode olhar em volta, todos que estão com um na mão são.

  Olhei em volta como Vienna indicou, e realmente, os poucos alunos que avistei com o pequeno infográfico na mão diziam por si só, sou novo aqui.

— Não precisa esconder. — Anne riu, percebendo que guardei o mesmo indelicadamente no bolso da jaqueta. — Você ainda vai continuar chamando atenção. Primeiro, pelo bronze dourado, e segundo, você acertou o Jony, sabe quantas pessoas queriam deixar um galo daqueles nele?

— Foi um acidente! — rebati.

— Relaxa, logo o Ethan deixa de ligar para alguma garota no dia seguinte e vira notícia. Nos vemos por aí. Bem vinda a Saint Mary’s! — a loira falou.

  Como se eu realmente soubesse? Quem é Ethan. Ela entao se despediu e entrou em uma sala qualquer.

  Vienna teria a mesma aula que eu, portanto me acompanhou até a sala, onde também decidiu sentar-se ao meu lado.

  Alguns dias atrás quando cheguei a escola em meu primeiro dia de aula, saía da sala da coordenação quando abri a porta com toda minha força já que a mesma parecia estar emperrada,  mas não contava que atrás dela alguém também tentava entrar.

— Meu Deus, me desculpa, eu não vi você! — falei desesperadamente aproximando-me.

— Não é porque uma porta abre para os dois lados, que você usa qual bem entender.

  Eu não percebia o quanto ele estava irritado, só queria ajudá-lo. O garoto olhou a ponta dos dedos que acabou de sair da testa a procura de sangue, arregalei meus olhos imediatamente, não pelo sangue inexistente, mas sim pelo galo que cresceu na região avermelhada.

— A porta estava emperrada eu não fiz por mal! — Peguei sua mochila do chão e o mesmo tomou da minha mão de modo agressivo.

— Não, não estava! — grunhiu entediado. — Merda, mais essa hoje! — seu tom de voz aumentou a mesma medida que sua raiva, comecei a senti-la daqui também.

— Olha só estou tentando ajudar! — falei um pouco mais firme.

— Eu pedi a sua ajuda por acaso? — despejou, fazendo todo o sangue do meu corpo ferver.

— Quer saber? Bem feito! Saiba que seu galo só não está maior do que sua arrogância!

  Sai batendo os pés deixando o mal educado para trás.

  Respiro fundo lembrando dos momentos seguintes em que o vi circulando com meu presente debaixo de uma bolsa de gelo fornecido pela enfermaria.

  Por algum motivo, Vienna e Anne me acompanharam ao decorrer do dia, elas me procuraram em todas as trocas de aula, e a caminho do refeitório, me chamaram para almoçar com elas.

  Em resumo, minha chegada foi triunfal, de um modo negativo, mas que me rendeu companhia para o almoço e quem sabe para os próximos dias já que o refeitório da Olívia, minha irmã e única conhecida na nem tão maravilhosa Ottawa, fica em outro pavilhão.

  Nos encontramos na saída. Ela veio o caminho inteiro falando sobre sua incrível experiência colegial, de seus dotes sociais e quantos amigos ela fez em pouquíssimos dias.

  Minha irmã é realmente encantadora. Não a julgo, ela simplesmente tem uma facilidade enorme de se relacionar, é muito natural o que nos torna totalmente diferentes. Não que eu seja uma daquelas mocinhas invisíveis dos filmes de patinhas feias que com apenas um pente no cabelo, roupa nova e sobrancelha feita, ficam bonitas. O fato é que, apesar de ter todos os meus motivos para odiar a escola onde estudava, eu tinha bons amigos lá.

  Aparentemente Olívia e eu somos idênticas, ela sempre foi minha melhor amiga, apesar de não parecer pois, como irmãs, brigamos na maior parte do tempo. Coisas fúteis. Na real sempre estaremos aqui uma pela outra quando for necessário, mas basta poucos minutos de convivência para identificar a diferença de personalidade entre nós.

  A começar pelo seu jeito espontâneo e intensa de ser. E apesar de também ser bruta e temperamental, Olívia transcende confiança, e sempre se sobressai no meio de muitas pessoas por ser simplesmente... ela! É a típica pessoa que todas querem ter como amiga, leal, sincera, engraçada, sem tempo ruim. E quando você ganha sua amizade, pode ter certeza que vai ganhar alguém para te defender com unhas e dentes.

  Já eu sempre fui um pouco mais fechada e racional demais para ser considerada intensa. Nunca fui de muitos amigos, mas os que eu tinha, eram como uma família pra mim.

  Nunca precisei defender ninguém, pois eles assim como Olívia, sabiam se defender sozinhos, na maioria das vezes, eu é quem precisava de ajuda. Sou caçadora de encrenca, e isso se dá por conta do meu senso de justiça aguçado, que me torna incapaz de passar por uma situação e simplesmente fechar os olhos, contudo, isso também não me torna a pessoa mais confiável do mundo, pois para algo ser justo, é necessário ser imparcial.

  Resumindo, você pode ser meu amigo, mas se seu inimigo estiver com a razão, não conte comigo.

  Onde eu morava, 99% das minhas amizades se resumiam em caras que tinham assuntos muito mais relevantes, alguns de beleza mediana, outros gato para um caralho, o que me fazia um alvo das mocinhas desesperadas, então sim eu sempre recebi vários convites para festas do pijama, e encontros no salão de beleza, mas eu sempre preferi passar a tarde com os meninos na praia, conversando sobre qualquer coisa o que incluía, debates internacionais, politicas e ambientais, temas sociológicos e ativistas, o que o Kaleo estava fumando, quem eu aconselharia o Declan pegar e claro, Norah Grace.

  Norah, depois de muito tempo virou um tema!

  Meu melhor amigo Andrew, e eu passávamos horas falando dela, mais precisamente eu, ouvindo meu amigo apaixonado contar os inúmeros sonhos românticos e desejos platônicos de se declarar. Eu com todos os meus estudos e formação intelectual de filmes, livros e peças de romance, sempre tentei ajudar com conselhos que em praticamente todas as vezes me surpreendiam. Não acreditava que tais palavras eram proferidas por mim, já que minhas experiencias iam de 0 a -1.

  Bom, não nos julguem se por causa dela, todos os nossos amigos iam para casa e nós continuávamos ali, falando da feiticeira que sequer o Andrew tinha coragem para conversar, e em um belo dia, sentados na praia vendo o anoitecer, nós... nos beijamos! Nem me fale, foi um crime, eu sei, ele era o meu melhor amigo, mas em minha defesa, depois disso nada mudou, continuamos a falar da Norah e quando não tínhamos nada melhor pra fazer, rolava uns pegas sem compromisso emocional, era apenas isso.

  Isso nem é um assunto que eu fique remoendo, claro que não, afinal, dois meses antes de me mudar para Ottawa, o Andrew conseguiu o seu tão sonhado encontro com ela, e graças a mim, estão namorando desde então.

  É claro que, o fato dele ter virado ator deve ter influenciado, não pelo status, mas sim pela mudança que seu último papel exigiu. Andrew, desde que o conheci, sempre usou o cabelo grande a ponto de modelar seus cachinhos naturais. Um simples corte de cabelo o envelheceu uns dez anos, dando a ele um contrato milionário com uma emissora, no papel principal de uma minissérie.

  Simplesmente a oportunidade da sua vida.

  Nesse meio tempo eu juntei os dois e me mudei, me senti orgulhosa por ter bancado a cúpida atrapalhada, tirando uma casquinha. Nada disso importa agora!

—  E então como foi o dia de aula? — Ellie perguntou animada enquanto jantávamos.

  Essa aí também é minha melhor amiga e para todos os efeitos, somos irmãs, o que já é deduzido por todos, estranho mesmo é eu falar que essa projeto de adulta, é minha tia. Ostentando seus vinte e sete anos, Ellie trocou toda sua vida desde que tinha minha idade para cuidar da gente, eu mesmo não me vejo fazendo isso, se tiver uma vida dependendo de mim agora mesmo, morre eu e ela, imagine duas!

— Incrível Ellie, eu nunca pensei que me familiarizaria tanto, parece que sempre morei aqui. Sabia que eles tem maquina de refrigerante no refeitório? Zerei a vida só ai. Inclusive uma garota que conheci, ela é amiga da minha amiga... — prestei atenção no meu prato, escutando Olívia repetir tudo novamente.

  Meus pensamentos vão para o garoto que eu acertei e que aparentemente tinha grande potencial para ser meu amigo, se eu não tivesse deixado um galo que o lembra constantemente de que eu sou um desastre ambulante, quem sabe, no momento tudo o que eu vi é ele desviando seu caminho sempre para o lado oposto ao meu. Descaradamente!

— Isabela? — Ellie chama minha atenção, as duas me olhavam.

— Sim?

— Seu dia, eu perguntei como foi seu dia? — me incentiva, achei que daria tempo de terminar de comer até a Olívia contar tudo.

— Foi normal, eu acho. — disse apenas. Ela me observou e forçou um sorriso.

— Amanhã certamente será muito melhor.

"Eu tenho minhas dúvidas" sorri confirmando, já que para começar, eu nem queria estar aqui.

  Não eu não sou invisível, mas gostaria de ser, pelo menos aqui. Eu tenho uma extrema facilidade de me meter em situações improváveis e ridiculamente inapropriadas, o que geralmente me coloca em momentos desagradáveis como por exemplo, meu nome circulando por aí sem nem mesmo ter feito algo de fato. Um simples acidente em alguém de nome conhecido que deve ter contado para Deus e o mundo e agora sou obrigada a ficar dando explicações. Alguma vez você pisou no pé de alguém sem querer e virou assunto? Não, porque isso não acontece!

  Entretanto, se você pisar no pé do presidente ou no da rainha da Inglaterra, certamente você se tornará notícia, o que me leva a crer, que a minha vítima de um simples galo, foi então um popularzinho da escola que comecei a estudar há menos de uma semana. A única coisa que me intriga em tudo isso é que a grande maioria das pessoas que me abordaram ou que apenas ouvi falar quando passei, ficaram felizes.

  Era como se eu tivesse acertado em cheio, alguém que já deveria ter ganhado um galo faz tempo.

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