Capítulo Seis

Aproveitei o tempo que Olívia não estava em casa para vasculhar suas coisas. Eu sei que poderia ser meio que invadir a privacidade dela, mas eu nunca deixaria a desconfortável. 

Em sua gaveta da cômoda vi uma pequena caixa rosa. Abri e lá dentro tinha infinitas fotos de seus amigos e família assim como no mural, mas em algumas fotos estavam alguém que não gostei. 

Reconheci o menino que ela gostava. Ele era branco, com cabelos negros e lisos bem arrepiados. Seus olhos eram chocolate. Uma pequena pontada de ciúme abateu-se sobre mim. 

Eu sei que era errado cobiçar algo que não era meu, como minha protegida. Porém, ela fazia com que dentro de mim despertasse sentimentos que eu jamais senti. Isso é novo e difícil de controlar.

Coloquei suas fotos de volta no lugar de novo, e vi um pequeno caderno roxo. Curioso, abri, e em quase todas as folhas estavam escritas, na letra pequena e delicada de Olívia. Abri a primeira folha e estava escrito “Diário Pessoal”.

Sorrindo comecei a ler as coisas que ela escrevia. Na maioria era sobre experiências pessoais que toda garota passava, como primeiro beijo, dores sentimentais e muitas outras coisas. Tinha sobre suas primeiras visões, e ela se descrevia assustada e querendo desesperadamente saber o que acontecia com ela. 

Porém, nas últimas quarenta páginas o assunto era apenas um só. O garoto que ela praticamente amava. Era claro que ele seria um grande problema para mim. Eu tinha leve intenção de que minhas novas recém descobertas em questão de sentimentos, seriam um empecilho, seja lá qual fosse o trabalho que desenvolveria com essa menina. 

Com raiva coloquei o diário de volta no lugar. Céus, será que esse menino ocupava todos os cantos do coração de minha amada? Todos os lugares e pensamentos que ela tinha?

De frustração esmurrei a cama dela. Eu sei que eu era um anjo que não poderia amar uma humana, mas que fosse para um Inferno. Eu a queria para mim. Por que ninguém no mundo poderia cuidar dela melhor do que eu. 

Segurei os freios de meus pensamentos. Aquele ali não era eu. Precisava me cuidar e cuidar dela. Não do que achava que queria.

Abruptamente meu coração começou a disparar e meus sentidos aguçados se expandiram. Isso sempre acontecia quando algo estava acontecendo. A voz dela soou em minha mente, entrecortado e fraca. Escutei seus soluços e sua alma em pedaços.

Melahel... Anjo meu... Por favor, venha até mim. Eu não sei o que fazer com tanta dor...

Correndo, sai pela sua janela espiritualmente e abri as asas quando pulei para o Céu. Voando a toda me direcionei para onde minha protegida estava. 

Era como se fosse um GPS, em minha mente eu tinha as coordenadas das ruas e seu coração fosse o ponto onde ela se localizava. Em menos de cinco minutos eu estava lá. Reforcei meu escudo de invisibilidade para que ninguém da escola dela me visse. 

Sua escola era média. Com gramado ao redor e os prédios das salas feitas de tijolos vermelhos. Uma quadra e o estacionamento do lado. Mas, eu sabia onde ela se encontrava, sem me preocupar em esconder as asas atravessei o prédio principal pelas paredes até o destino final. O banheiro feminino.

Os soluços baixos dela não seriam audíveis para um ser humano. Mas, para mim eram. Claros soluços de um choro de dor. 

Ela estava trancada no último banheiro mais distante da porta. 

Estava vazio então deixe meu escudo mais fraco para que ela me sentisse... O ar ficou mais quente e senti o arquejo dela de surpresa. Caminhei até ela e atravessei a porta. A cena me doeu mais do que eu poderia imaginar. 

Ela estava sentada acima do assento sanitário, com os braços entre os joelhos e a cabeça abaixada entre eles chorando e chorando. 

Eu juro que naquela hora me deu vontade de matar o desgraçado que eu sabia que tinha culpa pelo que ela estava chorando. 

Deixei o perfume de flores soltar no ar e ela finalmente levantou a cabeça. Seus olhos estavam inchados e vermelhos, juntos com o nariz e as bochechas. O rosto banhado de lágrimas. 

Eu estou aqui... 

Sussurrei mentalmente para ela. Agachei-me a sua frente e passei a mãos por todo o seu rosto, e quando minha mão tocava o rosto dela, suas lágrimas secaram. Ela piscou surpresa pelas minhas palavras e pelo meu toque que deixava rastros quentes em sua pele. 

- Você fala? – ela sussurrou com a voz rouca. 

Sim. Falei mentalmente mais uma vez. 

Eu sabia que eu estava passando dos meus limites de guardião, porém ela precisava de mim, e eu faria o que fosse necessário para não vê-la chorar.

- Eu ainda não acredito que você é real. Isso é tão... – ela perdeu as palavras. 

Você não está louca nem esquizofrênica. Apenas tem dons que ninguém mais tem. Estou aqui para protegê-la. Você viu essa noite que eu sou real. 

Ela assentiu e limpou as últimas lágrimas de seu rosto que eu não secara. 

Você não pode me ver, mas pode me sentir. 

- Sim, eu posso. Sinto muito por me ver assim... Eu não queria ter que explicar, mas você é meu anjo... – ela disse. 

Não precisa me dizer nada. Eu já sei de tudo. Não há nada que eu não saiba sobre você, mas só o que peço é que vá para casa. Você não esta bem para ficar aqui. 

Ela assentiu mais uma vez. Levantou-se e arrumou seu lindo cabelo castanho quase loiro, que estava meio bagunçado, e ajeitou suas roupas. Só então notei que ela vestia calças jeans e blusa com a insígnia da escola. 

- Você vem comigo? – ela perguntou antes de abrir a porta. 

Sim. Te espero em sua casa. 

Ela acenou e saiu do banheiro. Mais uma vez se olhou no espelho ajeitou sua aparência meio sem sucesso e foi embora. 

Abri minhas asas espirituais no banheiro e voei paredes acima até chegar ao Céu livre e despreocupado. 

Eu sinceramente não sabia como me sentir agora que havia provado a ela de que eu era real. De que eu estava do lado dela para tudo que ela precisasse. O lado bom era que ela tinha me ouvido e ficado feliz por eu estar ali. 

Só o que me passava na cabeça era o quanto ela vinha sofrendo pelas coisas que aconteciam a ela, e tudo sozinha. 

                          ***

Ela chegou em sua casa, cerca de meia hora depois que sai da escola. Eu estava sentado na sala, e ela abriu a porta. Deixou sua mochila cair no chão e ela olhou para os lados. 

- Melahel? – ela disse alto. 

Sorrindo dessa vez deixei que a voz soasse normal, como se alguém as dissesse do que por pensamentos. 

- Estou sentando. – falei. 

Ela colocou a mão na boca, e tremendo se sentou, parecendo como se me sentisse, o que deveria mesmo acontecer, ao meu lado exatamente. 

- Não tenha medo. – falei mais suavemente trazendo na voz uma dose de doçura. 

Ela pareceu reagir com minha voz, e se acalmar. Percebi que seu rosto lindo de boneca não estava mais vermelho, e seus olhos agora estavam mais relaxados. Isso tudo por que eu tinha aparecido para ela.

- Eu não tenho. É só que é tão surpreendente. Você um anjo divino sentado no sofá da minha casa. – ela riu.

- E eu olhando para uma das videntes mais poderosas que já protegi. – sorri mesmo ela não me vendo. – Você está bem? 

- Sim... Só virou rotina chorar para mim. – ela disse olhando para as paredes, mas seu corpo virado para mim. Seus olhos trouxeram uma pontada de dor. 

- Então me diga o que sente ai dentro. Preciso que você desabafe o que sente. Verá que é muito melhor. – falei. Eu queria ser mais que um amigo e um guardião. Embora naquela hora ela precisasse de um amigo.

- Você não disse que sabe tudo sobre mim? – ela perguntou.

- Claro. Mas quero que você fale. Sou seu guardião e mentor. Confie em mim. – falei.

- Bem... Ok... – ela olhou para o lugar que de fato eu estava como se me enxergasse.

Seus lindos olhos dourados trouxeram milhões de dores que ela sentia e milhões de emoções que ela não expressava para ninguém. 

- Eu sempre fui criada com pais separados desde que nasci. Isso nunca foi um problema. Minha mãe se casou novamente. Mas, nunca conheci meu pai. É como se um buraco e vazio estivesse sobre esse pedaço meu que falta. Minha mãe não fala sobre meu pai. Sinto como se algo grave tivesse acontecido. E mais que isso... Uma parte minha. Uma vozinha bem baixinha chama por ele. É absurdo, não? - ela debochou de si mesma. -  Isso faz com que eu me sinta deslocada e tão frágil que é como se toda vez que eu fosse posta de lado, como quando minha mãe, meu irmão, que na verdade é só meio irmão e meu padrasto saíssem, eu não fosse de verdade alguém e sim apenas uma casca e minha alma se esvaíssem. Eu sei que pode parecer mais uma adolescente em crise, mas não é. Eu sinto as coisas extremamente de forma intensa. E como se não bastasse, ele, meu padrasto faz com que diariamente eu seja excluída de minha família. E ver sua mãe sempre do lado de alguém assim também não é fácil... Além do que tem o Tyler... – ela disse. 

Fui absorvendo cada palavra para mim. Ela finalmente estava colocando suas dores para fora e isso era bom para que ela pudesse tirar algum peso de seus ombros. 

- O que tem Tyler? Ele é o vil e cruel que não vê o quanto você é especial? – falei. Não quis ser rude, porém as palavras saíram sem que eu percebesse.

- Sim. – ela sorriu fracamente e uma pequena lágrima caiu. – Ele é. Mas, sabe ele foi tão diferente para mim dos outros garotos que eu não entendi no começo. Quando o vi pela primeira vez foi como se algo dentro de mim se acendesse e tudo se completasse como num passe de mágica. Ele despertou um amor que nunca senti. Algo tão incomum e forte... No começo fomos amigos, ficamos algumas vezes e ele simplesmente me dispensou para ficar com outra. Eu como uma tonta relevei e somos amigos ainda. Só que isso dói com uma facada todos os dias. 

Ela então chorou como havia feito no banheiro. Me aproximei e a envolvi meus braços ao redor dela. Ela não me via, mas podia me sentir como se eu estivesse lá. 

Acariciei meu cabelo e então selei a minha promessa. Eu faria esse menino pagar por cada lágrima que ela arrancava da minha protegida. 


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