Destinos Cruzados

Cidade de Deus – Rio de Janeiro – Brasil

Já passavam das cinco da manha e o baile ainda não tinha terminado, pelo contrário, não só dentro, mas também ao lado de fora, muitas pessoas ainda dançavam, se pegavam e bebiam, além de usarem drogas como de costume.

Dentro de um carro preto próximo dali, Mikael transava com duas mulheres que conhecera nessa madrugada, e ambas se preparavam para sair do veiculo ainda colocando suas roupas.

Mikael diferente dos que lhe cercavam, não usava drogas, falava perfeitamente bem, e com poucas gírias. Era um homem estudado e nem sempre fora um homem mal ou do crime, muitos fatores de um passado não tão distante o fizerem se tornar o homem frio e cruel que é hoje.

O dono do morro terminou de vestir suas calças e colocar sua blusa branca social e desceu do carro, onde um homem armado com um fuzil e com uma aparência bastante amedrontadora o aguardava. Mas ele era apenas um dos homens que serviam a Mikael, e tinha algo bastante importante para lhe dizer.

- Aí chefe, se liga no papo. – O homem se aproximou de Mikael e ambos se encostaram no veículo. – Aquele alemão safado ainda não fez o pagamento do ultimo lote tá ligado.

- Ele é Russo porra, ta doido? – Mikael o corrigiu e pediu que prosseguisse.

- To tentando passar um rádio pra ele, mas o filha da puta parece que ta tirando com nossa cara sacou?

- Nunca fui com a cara daquele deputado, odeio essa gente. Eles sim são os verdadeiros ladrões. – Mikael acendia um cigarro e pediu um de seus conhecidos para lhe traze um copo de bebida.

- Qual vai ser a parada então? Vamos passar o cara? – Perguntou o soldado de Mikael.

- Passar o caralho, ta maluco? E quem vai nos pagar a porra do dinheiro? Vocês são foda, to fodido com vocês parsa. – Mikael mudava de expressão e algo parecia surgia em suas ideias.

- E aí, patrão, mando o papo, qual vai ser a fita então? – O homem pegou o cigarro oferecido por Mikael e deu um trago bem profundo.

- Vamos apenas dar um susto naquele russo filho da puta, você vai ver que nossa grana vai aparecer rapidinho, tá ligado? – Mikael pegou o cigarro já no fim da mão de seu parsa e com um ultimo trago deu a ordem do serviço.

Mikael não era somente conhecido por seu caráter odioso e por suas maldades, mas também por sua inteligência e como lidar com seus problemas. Se tinha algo que ele mais odiava, era perder seus clientes, e dinheiro, é claro.

- Você junta uns três mano ai e dentro de umas horas vão bater um papinho com aquele politico de merda, já é? Mas não é pra passar ele não hein porra. Mas quero que traga um dedo dele. Pra ficar de aviso. De boa mano? – Mikael dispensou o cara e ajeitou suas duas pistolas na cintura.

- Já é Mika o papo ta dado. Fica sussa patrão. Hoje aquele alemão filho da puta vai ter o que merece.

- Ele é russo porra. Sabe diferenciar não? – Cortou Mikael impaciente.

Algumas horas depois.

Do outro lado da cidade em um apartamento bastante luxuoso, Angelina acabara de sair do banho. Estava enrolada com uma toalha branca e uma outra toalha em sua cabeça.

Seus olhos estavam inchados, o que mostrava que tinha chorado bastante e muito menos dormido desde que voltou pra casa. Sua cabeça estava a milhão com tudo o que aconteceu durante sua primeira ida no morro e ao baile.

Angelina entrou em seu quarto e pegou seu celular, deslizou seu dedo sobre a tela e ligou para alguém.

- Pai? Está me ouvindo? – Perguntou Angelina tentando disfarçar a voz de alguém que não estava nem um pouco bem.

- Angel? Aconteceu alguma coisa meu amor? – Respondeu seu pai com uma voz serena e amável.

- Só queria dizer que te amo papai. Como está aí no escritório? Não volta pra casa hoje? Mamãe estava querendo tratar uns assuntos com o senhor, mas ela disse que estava desligado seu celular. – Angelina era bastante meiga e doce, e via – se o amor notório que tinha por seu pai.

- Sabe como é a vida de politico né pequena Angel? Avisa sua mãe que até a hora do almoço estou chegando aí tudo bem? Tenho uns clientes para advogar e uma reunião em seguida com uns colegas deputados. – Seu pai ia continuar falando, mas algo parecia não estar certo.

Do outro lado da linha, Angel percebeu que o celular de seu pai tinha caído no chão, mas permanecia com a ligação ativa. Ela ouvia algo parecido com uma briga, e pelos tons de vozes, pareciam ter mais de uma pessoa com seu pai, e estavam bastante alterados e agressivos.

- Pai. Pai. Pai??? Está tudo bem? O que está acontecendo pai, fala comigo por favor. – Angel estava desesperada e se derramava em prantos imaginando o pior. Um assalto, um acerto de contas? O que poderia ser?

Angel sabia que seu pai não era um santo, o mesmo era metido com bastantes escândalos de corrupção no governo da cidade, e de fato, seu pai vinha colecionando bastante inimigos no decorrer de sua carreira.

Angel correu até o quarto de seus pais e chorando em demasia gritava pelo nome de sua mãe. A porta do quarto se abriu e Angel pulou nos braços daquela mulher que a gerou e criou.

- Mãe, mãe. Aconteceu alguma coisa com papai. Estávamos no celular e de repente ele parou de falar e comecei ouvir vozes, pareciam que estavam brigando. Mãe, eu to com medo. – Angel chorava bastante e abraçava ainda mais forte sua mãe.

- Filha, calma. Me conte tudo o que aconteceu. Venha comigo, vamos nos sentar em minha cama.

Alguns minutos se passaram e Angel não parava de chorar. Sua mãe estava com um semblante preocupado, mas ao mesmo tempo não parecia muito surpresa.

- Filha, nós sabemos que seu pai andou se metendo com pessoas não muito agradáveis. Mas ele me disse que não tinha nenhum inimigo que pudesse vir a fazer mal para ele ou até mesmo para nós. – Sua mãe lhe afagou os cabelos e lhe deu um beijo na testa.

- Mas mãe...

- Fica tranquila minha filha, já já seu pai estará em casa e você vai ver que esta tudo bem. Ele sabe se virar. Confie em seu pai minha filha, além do mais, ele está sempre com seus seguranças, lembra?

Algumas horas se passaram e Angelina e sua mãe estavam terminando de arrumar a mesa do almoço. Seu pai tinha acabado de ligar e disse que já estava chegando em casa, para ficarem tranquilas.

- Mãe, acho que meu pai chegou. – Angel correu ate a sala e se espantou com o que viu.

Seu pai caminhava com dificuldades e estava com o rosto coberto de hematomas e sangue. Suas roupas estavam sujas e rasgada, e ela percebeu que escorria muito sangue por uma das mãos que ele segurava com dificuldades.

- Pai, o que houve? O que aconteceu com você? – Angelina tentava tocar em seu pai, mas tinha muito medo de machuca – lo ainda mais.

- Me perdoa meu anjo...eu não queira...me perdoa meu amor. – Lágrimas escorriam pela face sofrida daquele homem, e naquele momento, algo ainda pior estava pra acontecer.

Atras de seu pai, ainda do lado de fora do apartamento, um homem com uma touca preta lhe cobrindo todo o rosto se aproximou com agressividade, e com uma enorme arma em sua mão.

- Bons sonhos cinderela do caralho. – E com apenas um movimento, aquele homem acertou a testa de Angelina com sua arma, fazendo com que ela desmaiasse no mesmo instante.

***************

Anoitecia

Mikael estava sentado na mesa de seu escritório e parecia bastante nervoso ao telefone. Falava sobre dinheiro, drogas, pagamentos e polícia. Algo haver com o pagamento do arrego do morro.

Assim que desligou o celular, um homem que já estava aguardando atenção se aproximou mais de seu chefe.

- Aí patrão, o papo foi dado. Aquele alemão fodido agora com certeza vai lhe pagar o que deve. – Era o mesmo homem na qual Mikael tinha encarregado da cobrança da divida com o deputado. Ele ria ao comentar sobre a missão que parecia ter sido bem sucedida.

- Russo caralho. – Corrigiu Mikael. – E aí, cadê meu presentinho?

O homem jogou uma sacola preta bastante ensanguentada sobre a mesa de Mikael, que no mesmo instante abriu com um sorriso de orelha a orelha já imaginando do que se tratava.

- Porra, é disso que eu to falando cacete. – Mikael retirava algo que parecia ser um dedo de seu interior e comemorava mais uma atrocidade de sua longa caminhada pelo crime.

- Aí patrão, temos mais um presentinho ta ligado? – Ele comentou com um sorriso malicioso e assobiou como se tivesse chamando alguém.

Em instantes surgiam dois homens carregando algo que parecia ser uma pessoa, uma mulher para ser mais exato. Ela estava desacordada e era arrastada pelos braços, onde cada um segurava de um lado. Estava usando um short fino, uma blusa branca larga e tinha um saco de pano lhe encobrindo o rosto, onde mexas de cabelos loiros desciam por seu pescoço.

- Mas que porra é essa caralho? – Mikael se levantou completamente alterado e batendo com as mãos em sua mesa. – Viramos sequestradores agora seus pau no cu? Porra, quem é essa mulher cacete?

O homem pareceu ter ficado confuso, achou que seu chefe iria gostar da surpresa, mas algo não pareceu ter dado certo.

- Qual foi chefe? Você deu o papo para gente cobrar a divida do filho da puta. Ele ofereceu isso. – Ele gaguejava enquanto falava e tentava se justificar.

- Ofereceu isso? Isso é uma pessoa caralho. Anda, mete o pé daqui porra, cambada de cuzão do caralho. To fudido com esses filhos da puta.

Os três homens se retiraram e Mikael voltou a se sentar e estava bastante nervoso e aflito. Ele ficou fitando o corpo semi nu daquela mulher caído ao chão quando percebeu que finalmente após alguns minutos ela parecia estar acordando. Ela estava com os pés e mãos amarrados, e ainda se mantinha com o saco de pano sobre a cabeça.

- Socorro. Alguém me ajuda. Socorro. – Para alguém que tinha acabado de acordar, a misteriosa mulher parecia estar bastante enérgica. Gritava com toda força de seus pulmões e parecia entrar em choro compulsivo.

Mikael ficou observando alguns segundos aquela mulher espernear até que perdeu completamente a paciência.

- Cala a porra da boca caralho. – Mikael engatilhou sua pistola, e a mulher pareceu ouvir, calando – se no mesmo momento.

- Moço, não me mate por favor. Meu pai tem muito dinheiro, ele vai pagar o que você pedir. – Ela tentava se ajoelhar e chorava copiosamente enquanto lhe implorava ajuda.

- Se liga menor, seu pai já ta me devendo muito dinheiro, e pelo visto ele não se importa com você.

Mikael se aproximou e lhe tocou o rosto, e no mesmo momento ela tentou se afastar, mas ele a segurou pelo saco de pano.

- Seu pai deu você pra mim como pagamento tá ligada caralho. – Mikael aumentou o tom de voz e fez com que ela se tremesse ainda mais de medo.

- Isso é mentira, ele nunca iria fazer isso. Vocês tão fodidos, meu pai é um deputado muito importante. Toda a policia já deve estar me procurando, vocês estão fodidos seus merdas. – Ela se alterava em meio a gritos e choro.

- Você é muito marrenta patricinha de merda. Deixa eu olhar esse rostinho, preciso saber o que vou fazer com você.

Mikael lentamente ia removendo aquele pedaço de pano que cobria o rosto da menina, ela se debatia e ele teve que finalmente puxar de uma só vez.

Foi então que ele teve uma surpresa que jamais poderia esperar.

Se tratava da mesma menina que tinha arranjado confusão com ele no baile, um rosto que ele não iria esquecer facilmente.

Era Angelina.

- Caralho, você de novo porra?

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