Eu dei um passo à frente, encarando-o com o olhar mais frio que eu poderia reunir.— Olhe bem para mim, Andrew! Olhe! Porque essa é a última vez que você vai ter a audácia de cruzar o meu caminho. Se você tentar me procurar novamente, se aparecer mais uma vez na minha porta, eu juro — e não estou falando de promessas vazias como as suas — que vou te arrastar direto para a cadeia. Chega das suas mentiras, das suas manipulações, dessa sua vida de parasita que só destroi tudo ao redor! Minha voz tremia, não de medo, mas de pura fúria. — Eu fui uma idiota, Andrew. Uma completa idiota por acreditar em cada palavra sua, por cair nas suas falácias baratas, por te dar o benefício da dúvida quando você não merecia sequer um minuto da minha atenção. Mas acabou. A-CA-BOUUU de verdade. Quem você vê aqui agora sou eu — Alby Leclerc. E não há mais espaço, nem sequer um resquício, para você na minha vida. Dei um passo à frente, sentindo a força das minhas palavras s
Tempos depois… O jeep avançava pela estrada poeirenta, e o som dos pneus rompendo o solo seco se misturava ao vento quente que invadia as janelas. Eu estava cansada, mas algo em meu peito pulsava de uma forma estranha, como se aquele cenário fosse algo novo, que estava prestes a mudar a direção de toda a minha vida. O trabalho nos campos de refugiados tinha sido uma experiência transformadora. Eu não sabia como explicar, mas a cada dia ali, mais eu me via apaixonada por essa causa, sentindo-me cada vez mais conectada a algo maior. Tantas vidas precisavam de ajuda, e a mim restava contribuir de todas as formas possíveis, mesmo que isso significasse um sacrifício da minha própria zona de conforto.A médica que me havia convidado para o vilarejo tinha me explicado como a situação local estava crítica. O povo daquele lugar carecia de cuidados médicos básicos, e a base que estavam montando para atendimento era frágil. Fui com o coração abe
O calor do dia parecia mais intenso, ou talvez fosse apenas o peso daquele reencontro inesperado. Isaías estava ali, na minha frente, e mesmo depois de tudo que havíamos passado, eu não sabia como reagir. Ele parecia diferente, mas era difícil confiar nos meus olhos e, mais ainda, no meu coração. Meu instinto me dizia para manter a guarda alta, mas as palavras que ele proferia, carregadas de um significado que eu não esperava, atravessavam minhas defesas com uma força que me deixava sem chão. — Eu? — Isaías repetiu, com aquele tom que sempre carregava uma mistura de ironia e seriedade. — Estou aqui fazendo o que você está fazendo. Ajudando. Fazendo o que importa. Você, claro, está aqui ajudando, como sempre faz, não é? Havia algo na maneira como ele falava que parecia diferente do homem que eu conheci. Mesmo assim, um misto de raiva e incredulidade me inundava. Eu mal conseguia organizar meus pensa
Ele respirou fundo, os olhos presos em algum ponto distante, como se estivesse enfrentando uma versão de si mesmo que sempre evitou. — Mas isso... isso só me trouxe mais dor. Mais vazio. Houve um silêncio que parecia pesado, como se as palavras que viriam a seguir fossem difíceis de dizer. — Então, aqui estou eu — continuou, voltando o olhar para mim, uma determinação crua brilhando em seus olhos. — Não por culpa, não por obrigação, mas porque quero. Quero recomeçar. Quero ser alguém melhor. Por um momento, sua vulnerabilidade quase me desarmou. Mas havia algo em mim, uma ferida ainda aberta, que me impedia de confiar tão facilmente. — E você acha que só querer é suficiente? — perguntei, mantendo a firmeza na voz, mesmo com o conflito dentro de mim. — As palavras são bonitas, mas elas não apagam tudo o que aconteceu. Ele assentiu lentamente, como se já soubesse que enfrentaria essa res
Isaías me observava, os olhos intensos, quase como se estivesse tentando desvendar o que aquelas palavras significavam para mim. Talvez ele visse algo que nem eu ainda entendia completamente. — Pequenos gestos... — ele repetiu, como se mastigasse a ideia, absorvendo-a. Sua expressão suavizou, mas ainda havia algo ali, uma sombra que não se dissipava. — Às vezes, são esses gestos que seguram tudo no lugar. Assenti levemente, engolindo em seco. — Porque, no fundo, acho que é isso que sempre procurei. Não perfeição, não promessas vazias... apenas a sensação de que alguém realmente está ali. Que alguém se importa. Minha voz estava mais firme agora, como se a confissão tivesse criado raízes em mim. Ele respirou fundo, como se minhas palavras tivessem atingido algo dentro dele. Então, quase num sussurro, ele disse: — E talvez... talvez seja isso que eu estou tentando aprender agora. Ser
A manhã começou com o sol brilhando intensamente sobre o vilarejo. O calor, embora sufocante, parecia ser menor que o peso no meu peito desde que Isaías reapareceu na minha vida. Durante os primeiros minutos da conversa, enquanto ele me contava como chegou aos Médicos Sem Fronteiras, percebi que havia algo genuíno em suas palavras. O entusiasmo com que falava das experiências que viveu, das pessoas que conheceu e do impacto que o trabalho humanitário causava nele, era algo que eu jamais esperava ver. Ele havia mudado – ou pelo menos parecia ter mudado. — Nunca imaginei que você fosse o tipo de pessoa que largaria o conforto para estar em um lugar como este — comentei, tentando esconder a ponta de sarcasmo na minha voz. Isaías riu, mas havia um toque de ironia em sua expressão. — Nem eu, para ser honesto — ele disse, cruzando os braços — Não foi exatamente algo planejado. — Como assim? — perguntei, curiosa, mas mantendo a voz firme.
A manhã parecia interminável, marcada pelo calor sufocante e pela constante tensão que pairava no ar. O vilarejo, com suas casas improvisadas e crianças correndo descalças, contrastava com a urgência desesperada que Isaías e eu sentíamos dentro da tenda médica. A pequena menina, deitada na maca improvisada, parecia cada vez mais frágil, a vida se esvaindo lentamente diante de nossos olhos. — E se organizarmos uma transferência? — sugeri, a voz mais alta do que pretendia — Conseguimos alguém para levá-las. Não podemos simplesmente aceitar que ela não tenha chance. Isaías me olhou, surpreso por minha determinação. Por um momento, pensei que ele fosse questionar minha ideia, mas, em vez disso, assentiu. — Vou ver o que posso fazer. Ele saiu apressado, deixando-me sozinha com a mãe da criança, que segurava a pequena mão da filha como se isso pudesse impedir que ela se perdesse. Sentei ao lado delas, e a menina abriu os olhos apenas p
O calor daquela manhã parecia sufocante, queimando a pele como se quisesse gravar na memória a intensidade daquele momento. Mas, no fundo, não era só o clima que pesava. Era a tensão no ar, quase palpável, como um manto invisível que apertava o peito e tornava cada respiração um esforço doloroso. Aquele calor parecia carregar todos os sentimentos não ditos, transformando a atmosfera em um reflexo exato do turbilhão dentro de mim.Passei os últimos dias mergulhada no trabalho com Isaías, ajudando onde era necessário. Cada vez que resolvíamos uma emergência, outras surgiam como se a dor ali fosse uma entidade insaciável. Mesmo assim, eu me mantinha firme, lembrando que Alice estava segura na companhia de Sophi, Luana e tio Charles. E isso já era o suficiente para agradecer a Deus.O vilarejo, que parecia em frangalhos mesmo em tempos de paz, agora estava à beira de um colapso. Os rumores sobre os rebeldes se aproximando não demoraram a se co