Na manhã seguinte, a chuva cessou e o céu abriu.
Cecília não dormiu a noite inteira.
Passou horas pensando. Já experimentou o amor em sua forma mais pura, como aceitar um coração que já não era mais o mesmo?
Ela era Cecília, a mulher que amava Vinícius Azevedo com todo o ser. Mas também era a herdeira da família Lacerda. E nos seus olhos... não cabia mentira.
Pegou o celular e ligou para o pai dela.
— Pai, eu lembro que a família tem planos de expandir os negócios para o Reino Unido, certo? A Iris vai pra lá com o filho daqui a duas semanas. O marido dela tem ligação com a realeza britânica. Eu pensei em ir junto.
Do outro lado da linha, Icaro Lacerda franziu o cenho.
— Foi o Vinícius que pediu pra você ir?
— Não. Desta vez fui eu que decidi — Respondeu ela, com um sorriso amargo.
Todos sempre assumiram que ela e Vinícius eram um só. Até o próprio pai.
Icaro se surpreendeu. Sua filha sempre fora incapaz de ficar longe daquele rapaz da família Azevedo. Por que, então, essa vontade de ir tão longe?
— Ciça. Aconteceu alguma coisa? O Vinícius fez algo com você?
A voz dele endureceu.
Cecília hesitou por um instante, depois mordeu os lábios e escolheu esconder a verdade por enquanto.
— Pai, não pergunta agora. Quando eu chegar lá, eu te conto tudo.
As famílias Lacerda e Azevedo tinham laços antigos. A aliança entre os dois clãs se aprofundara com o casamento. E ela não queria, de forma alguma, que os Lacerda fossem prejudicados por sua dor pessoal.
No fim, Icaro não teve como dizer não:
— Tá bom. Passa no grupo daqui a pouco pra se atualizar sobre os projetos.
Cecília assentiu. Ao desligar, se levantou e foi direto pro banheiro.
Ao encarar o espelho, o rosto refletido tinha os olhos tão inchados quanto nozes. Um gosto amargo subiu à garganta dela.
O advogado já enviou a papelada do divórcio. Mas ela ainda não sabia como falar com Vinícius. Anos de amor não se cortam como quem virava uma página.
Escondeu os rastros do choro com maquiagem, vestiu um conjunto sóbrio e elegante, e enfim, saiu do quarto.
No andar de baixo, Iris tomava café da manhã com o filho. A julgar pelo jeito de Noah, a cena do dia anterior provavelmente o assustara um bocado.
— Titia acordou! — Gritou ele, correndo com as perninhas curtas até Cecília.
Pegou na mão dela, levou aos lábios e soprou com carinho:
— Mamãe disse que ontem o coração da titia tava doendo. Eu vou assoprar pra sarar.
O sorriso inocente de Noah aqueceu o coração dela. Cecília sorriu, tocando o rosto dele com ternura e disse:
— Noah é um amor. A titia já não sente dor nenhuma. Vai brincar com a mamãe, tá bem?
Ele assentiu, sem entender muito bem, e saiu correndo feliz da vida para o colo de Iris.
Mas a imagem que veio à mente de Cecília foi outra — Vinícius e o filho de outra mulher, rindo juntos como uma família.
Se o filho dela ainda estivesse vivo, provavelmente teria hoje mais idade que aquele menino...
Inspirou fundo, engolindo em seco a tristeza. Disse algumas palavras rápidas e saiu.
No entanto, assim que passou pelo portão da casa, parou de repente.
Não muito longe dali, encostado em um Maybach preto, estava ele.
Vinícius Azevedo.
Tinha o rosto cansado, o corpo meio curvado. Mordia o filtro de um cigarro já apagado, envolto por uma névoa densa de fumaça, que tornava difícil ver sua expressão com clareza.
Cecília ficou atônita. Segundo os documentos que recebera, o aniversário de Mirela e do filho era em julho. A de Mirela já passou. Mas o do menino ainda estava por vir.
Então por que ele voltou?
Talvez o olhar dela tenha sido intenso demais, porque o homem levantou os olhos. E quando viu que era ela, os olhos antes apagados pareceram acender de novo.
Deu alguns passos largos. E sem dizer uma só palavra, a envolveu nos braços.
O abraço dele ainda era quente. Mas, naquele instante, queimava tanto que a fez tremer por inteira.
— Você está melhor da gripe? — Perguntou Vinícius, a voz carregada de preocupação. — Ontem percebi algo estranho na sua voz. Voltei durante a madrugada.
— Cheguei em casa e você não estava. Imaginei que tivesse vindo pra cá, com a Iris.
O tom dele parecia genuíno. E isso era o que mais doía.
Cecília, confusa. Como o homem que dizia amar ela com tanta intensidade conseguia, ao mesmo tempo, viver com outra mulher e ter um filho com ela?
Os lábios de Cecília tremiam. Engoliu em seco a dor que subia pela garganta. Queria perguntar, gritar, exigir respostas... Mas só conseguiu murmurar:
— Já estou melhor. Ia voltar pra casa agora.
Vinícius suspirou, aliviado.
— Quando estiver doente de novo, me avisa, tá? Eu fico desesperado quando não sei de nada.
A voz dele era suave, baixa, quase capaz de fazer tudo parecer como antes.
Mas então, pelo canto do olho, Cecília viu algo. Uma mulher magra, embaixo de uma árvore, com o celular colado ao rosto.
Mirela Lima.
No segundo seguinte, o celular de Vinícius começou a tocar.
Ele olhou para a tela e hesitou. A expressão se fechou num instante:
— É um assunto urgente da empresa. Preciso resolver agora.
O peito de Cecília apertou. Ela viu o nome que brilhou por um instante na tela.
Mirela.
A amargura subiu como ácido, mas ela conseguiu disfarçar.
— Vai lá. O trabalho vem primeiro.
Vinícius pareceu dividido. Beijou sua testa com culpa, depois entrou no carro e foi embora.
Assim que ele se afastou, Mirela desligou a chamada. Caminhou até Cecília com passos lentos, o quadril se movendo de forma estudada.
— Senhora Cecília, prazer. Me chamo Mirela Lima. Sou...
Parou. Ela viu os lábios cerrados de Cecília e entendeu tudo. O silêncio da outra dizia tudo.
Mirela percebeu e sorriu, sarcástica:
— Pelo jeito, você já sabe da minha existência. E do Lulu também. Então se prepare, o show está só começando.