༺ Amara Wild ༻
Após comer o que restava da refeição, eu e Cal começamos a caminhar pelo centro da cidade. O objetivo era o mesmo de sempre: tentar conseguir umas esmolas ou, com sorte, ajudar algum comerciante local e ganhar uns trocados. Esse tipo de trabalho era raro, mas, com o inverno chegando, qualquer moeda era uma vitória. Estamos passando por uma das ruas mais movimentadas quando o avistei de longe: Romildo. Esse cara era um dos encrenqueiros que também vivia na rua, e ultimamente ele não parava de me perseguir desde que voltei para essa área. A cada vez que o via, sentia um frio na espinha. Romildo me viu e se aproximou com aquele sorriso malicioso que me causava náuseas. Continuei andando ao lado de Cal, focando em ignorar o miserável, mas ele veio direto em minha direção e, sem cerimônia, segurou meu braço. — Ei, princesinha, por que sempre me ignora? Só quero conversar — disse, com esse tom de voz insuportável. — Aliás, acho você bem bonita. Tentei soltar meu braço, mas ele apertou ainda mais. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, Cal entrou na conversa, encarando Romildo. — Deixa ela em paz, Romildo. Não percebe que ela não quer nada com você? Solte-a… Ele virou-se para Cal com um olhar de desprezo, como se estivesse apenas esperando uma desculpa para arranjar briga. — Ah, olha só… O velhote intrometido falando de novo. Quem te perguntou, hein? É melhor não se meter, senão quem sai daqui machucado é você — respondeu ele, com desdém. Odiava esse homem nojento. Duas vezes ele já tinha tentado se aproveitar de mim, mas, por sorte, consegui me defender e escapar. Só de olhar para ele, sinto uma mistura de raiva e nojo. No entanto, antes que Romildo pudesse continuar com seus comentários nojentos, um policial que passava por ali, alguém que já tinha visto minha cara outras vezes, se aproximou. O oficial lançou um olhar sério para Romildo. — Romildo, some daqui. E se eu souber que anda arrumando confusão, vou te deixar uns bons-dias na cela da delegacia. Está me ouvindo? — o policial disse, com autoridade. Ele me soltou na hora e tentou disfarçar, fingindo uma postura inocente. — Que isso, oficial? Só estava conversando com a moça… — Some. Agora — o policial repetiu, sem dar espaço para conversa. Romildo recuou, soltando um suspiro irritado e se afastou sem olhar para trás. Assim que ele sumiu da vista, o policial se virou para mim, analisando meu rosto com uma expressão de preocupação. — Está tudo bem, Amara? Respirei fundo, ainda sentindo o braço meio dolorido, onde Romildo tinha me segurado. — Sim, estou… Obrigada por isso — respondi, um pouco sem jeito. O policial assentiu, dando um leve sorriso. — Qualquer coisa, você sabe onde me encontrar. Se ele aparecer de novo, não hesite em procurar ajuda. Agradeci mais uma vez enquanto o policial se afastava, e Cal me deu um tapinha reconfortante no ombro. — Esse Romildo nunca vai tomar jeito… — Cal murmurou, balançando a cabeça. — Pois é, mas penso que ele sabe que não pode se meter com todo mundo. — Dei um sorriso de alívio ao ver aquele crápula longe de mim. Por enquanto, estamos seguros. Depois de algumas horas andando pela cidade, eu e Cal conseguimos um pequeno trabalho auxiliando o dono de um restaurante. A tarefa era simples: carregar algumas caixas de verduras e outras coisas para dentro. No final, ele nos pagou com uma marmita generosa e alguns trocados. Era uma sorte, pois fazia tempo desde nossa última refeição decente. Enquanto caminhamos de volta para o prédio abandonado onde costumamos passar as noites, eu me preparava mentalmente para mais uma noite fria. Chegamos ao lugar e eu entrei procurando minha mochila, que sempre escondia em um monte de lixo no canto para ninguém pegar. Tirei algumas das novas roupas que peguei na doação e as guardei ali. Sabendo que o frio só ia piorar. Cal estava do lado de fora, sentado embaixo de uma árvore que ficava perto da entrada. Quando me viu, ele suspirou, visivelmente preocupado. — Esse frio só vai piorar, Amara. Quando o inverno de verdade chegar, será ainda mais difícil aguentar na rua — comentou ele, puxando seu casaco fino para cobrir mais o peito. Assenti, me sentindo igual. — É, espero que consigamos um bom número de casacos e cobertores antes disso. Não quero congelar aqui fora. Ele sorriu e balançou a cabeça, concordando. — Por falar nisso, daqui a pouco vão servir uma sopa lá na Praça Maplewood. Devíamos ir cedo, dizem que vão abrir vagas no albergue hoje. Quem sabe temos sorte e conseguimos um lugar quentinho para dormir esta noite. — Boa ideia, Cal. Vale a pena tentar — respondi, sentindo uma pontada de esperança. Seguimos para a praça e entramos na fila, onde outras pessoas aguardavam a sopa e uma chance de entrar no albergue. Estava focada, observando o movimento, quando senti uma mão segurando meu braço firmemente. — Finalmente encontrei você. Virei-me, assustada, e dei de cara com o homem da noite passada. Domenico. O susto quase me fez perder o equilíbrio por um momento. Eestava mais arrumado do que qualquer um por ali, exalando uma aura de alguém que definitivamente não pertencia àquele lugar. Ele é um homem bonito, o tipo de beleza que chamava atenção de longe, com o rosto bem definido e um leve sorriso de lado. Seus olhos azuis, intensos e penetrantes, estavam fixos em mim, com um brilho de determinação que me deixou inquieta. Eu não fazia ideia do que ele queria comigo, mas o frio na espinha voltou com força total. Tentando disfarçar meu nervosismo, dei um passo para trás, me desvencilhando de seu toque. — O que você quer comigo? — perguntei, sentindo meu coração bater acelerado. Domenico apenas sorriu de lado, com um ar confiante. — Precisamos conversar. Dei mais um passo para trás, sentindo o olhar intenso dele ainda fixo em mim. — Eu já disse, não tenho nada para conversar com você. E não vou sair da fila. Estou tentando conseguir um lugar para dormir esta noite — respondi firme, cruzando os braços. Domenico pareceu frustrado, mas determinado a não me deixar em paz. Ele suspirou, dando uma olhada ao redor e se inclinou um pouco, baixando a voz. — Amara, é sério. Realmente preciso falar com você. É importante — insistiu ele, com uma expressão que eu não sabia se era desespero ou apenas pura obstinação. Só balancei a cabeça, cansada de tanta insistência. — Não vou sair da fila. Se você precisa realmente de algo, vai ter que esperar até amanhã — falei, tentando manter minha posição. Eu não arriscaria perder uma das poucas oportunidades de ter um teto sobre minha cabeça esta noite. Nesse momento, Cal, que estava observando de perto a situação, deu um passo à frente, colocando-se ao meu lado. — Está tudo bem aqui, Amara? — ele perguntou, lançando um olhar de advertência para Domenico. — Sim, Cal. Fica tranquilo, continua na fila. Vamos conseguir um lugar hoje — respondi, dando a ele um sorriso tranquilizador, mesmo que por dentro eu estivesse um pouco confusa com a insistência de Domenico. Foi então que Domenico fez algo que não esperava. Com uma expressão quase desesperada, ele tirou um maço de notas de dentro do casaco e me mostrou. — Escuta, se você aceitar conversar comigo, eu pago uma semana de hotel para você e seu amigo. Vocês não vão precisar ficar na rua — ele disse, colocando algumas notas dobradas na minha mão. Fiquei parada, atônita, olhando para o dinheiro. — Como vou saber que isso não é conversa fiada? — perguntei, cética, embora estivesse surpresa com o gesto. Ele apenas deu um leve sorriso, exibindo uma confiança desarmante. — Dinheiro não é um problema para mim, Amara. Sou rico, muito rico — respondeu ele, dando um olhar rápido para Cal, que também parecia surpreso. Ainda hesitante, apertei as notas na mão, e Domenico me puxou levemente para o lado, afastando-nos um pouco da fila. Olhei para Cal, um pouco incerta. Ele assentiu, compreensivo. — Vai lá, Amara. Eu seguro sua vaga — disse ele, dando um sorriso de apoio. Suspirei, ainda sem entender o que esse homem queria realmente de mim, mas pelo menos agora tinha uma oportunidade de ouvir o que ele tanto queria falar.