Doces Sonhos
Doces Sonhos
Por: James Vassoler
ARTISTA, SINÔNIMO DE SOFRIMENTO

Futilidade. Era uma coisa que não se encontrava nele. O que, para a época moderna, essa condição é digna apenas de aberrações. E o que mais havia de especial em sua personalidade, era a poesia que encontrava para cada momento. Não era escrita, de forma alguma. Era seu olhar, seu tom de voz, seus gestos. E até mesmo suas dores. Futilidade, realmente era uma coisa que passava longe de sua existência. Mas o que mais posso dizer, se infelizmente esse livro está aqui para contar o lado trágico dessa poesia? Se fosse diferente, não haveria história para contar. E como em todas as histórias, sempre existe um ponto de partida, um começo onde tudo que relatamos a seguir passa a existir. Pois bem, era uma madrugada fria de outono, aproximadamente três horas da manhã. Não é de estranhar que Byron Mansfield tenha ficado assustado ao acordar com uma voz feminina que fungava e dizia palavras indistintas no banheiro. Sua mulher, Elizabeth Mansfield estava chorando. Não era muito frequente que esses episódios aconteciam, na verdade bem raras eram as vezes que Byron via sua amada abatida. Por isso, levantando-se rapidamente de sua cama, correu até o banheiro, parou ao lado da porta fechada, por respeito à ela.

É difícil retratar esse momento e os sentimentos de Byron, pois quando tomou a decisão de perguntar o que estava acontecendo com ela e o que a deixava aflita, sua voz falhou. Falhou como se soubesse que depois dessa madrugada, sua vida mudaria para sempre. Mas ele não sabia, por que teria de temer alguma coisa em relação ao seu destino, se tudo caminhava como um belo esboço da felicidade para eles?

— Minha querida — perguntou ele, na segunda tentativa de fazer a sua voz não falhar mais — o que aflige esse teu coração?

Esperou por respostas. Porém a única resposta que chegou até Byron foi o choro de Elizabeth. Ele escutou um barulho vindo de lá de dentro e tão logo a porta foi aberta. O rosto dela estava banhado em lágrimas, seus olhos estavam com olheiras profundas, como se estivesse vivendo esses sofrimentos meses atrás. Estava parecendo frágil e inicialmente Byron ficou sem reação nenhuma. Não teve coragem de perguntar nada, pois sentia-se um homem mau. Mau por não ter percebido que ela estava neste tormento, pois pelo estado que sua esposa encontrava-se agora na frente dele, dava a resposta que ela estava sofrendo em silêncio há algum tempo. Quando finalmente tomou uma decisão, não foi dita, mas foi um gesto. Seus braços envolveram a esposa numa tentativa de abraçá-la. Mas apenas ficou como tentativa, pois logo Elizabeth desvencilhou-se, murmurando um "não". Agora, mais do que nunca, ele ficou sem reação. Olhou nos olhos da amada, procurando por respostas, mas não encontrou. A expressão em sua face estava irreconhecível e pela primeira vez Byron temeu pelo pior.

— Não posso continuar a viver nessa casa. — Disse por fim Elizabeth. — as paredes parecem zombar de mim, a atmosfera grita que sou pecadora. Byron, não quero o seu perdão, não quero uma palavra sua. Deus tomará a providência de castigar-me eternamente...

— O que está havendo? — Interrompeu ele, a angústia tomando conta do seu ser. Alguma coisa terrível havia acontecido, disso ele sabia. Mas o discurso que Elizabeth estava tentando completar não fazia sentido em sua mente.

— Eu poderia mentir, sim eu poderia ter tomado essa decisão. — Continuou ela, agora com a voz mais firme do que outrora — mas se assim o fizesse, minha consciência mais do que nunca me odiaria. Byron, eu estou grávida.

A vontade que ele teve após essa fala, foi de questionar. Mas não o fez pois a euforia foi maior e tão logo substituída pela angústia. Ela estava chorando porque estava grávida e havia associado essa situação com a palavra pecado. Ele pensou, respirou pausadamente, mas não chegou a quaisquer conclusões pois sua mente impunha a negação. Optou por olhar nos olhos da amada e se arrependeu amargamente: era o que o seu coração estava sentindo e a mente queria negar.

— Não há motivos de tristeza, meu bem... — A voz de Byron não era a mesma. Era um esboço de receio, de desespero.

— Byron... — Elizabeth enxugou as lágrimas mas não pôde olhá-lo.  — O filho não é seu.

A prontidão que tudo, de repente, explodiu no mundo de Byron foi desumana. Naquele momento haviam destroços de sua alma e sentimentos, não obstante, a vergonha fazia-se presente. Uma forte corrente de adrenalina passou pelo corpo de Byron e foi até suas mãos que, sem ao menos lembrar que encontrava-se em frente à sua amada mulher, um soco certeiro atingiu o rosto de Elizabeth e fez seus lábios sangrarem. Depois desses milésimos segundos de total irracionalidade, ambos passaram à fazer acusações. Acusações estas que não cabe-me dizer aqui, pois foram sem nexo. A raiva deturpou os sentimentos e apagou memórias. Haviam dois estranhos, quebrados por dentro, cuspindo palavras de ódio contra o outro. 

O que mais há de dizer?

Naquela madrugada, Byron ameaçou Elizabeth de morte. Não seria tão relevante pois o ódio dominava sua parte racional, mas sinto que estarei em dívida caso não deixe transparente esse detalhe. E após essa grotesca ameaça Elizabeth é deixada sozinha, chorando e lamentando-se pelos seus erros. Byron Mansfield caminhou durante longas horas em uma pérfida escuridão que tirou-lhe a alma. Sua mente parecia embriagada pois voltou a consciência quando já estava de volta à antiga casa de seus pais e não lembrava como havia parado ali. Continuava a mesma: sem presença nenhuma, mas convidativa. Faziam anos que a casa encontrava-se desabitada pois sua mãe mudara um tempo atrás. E como nunca fora de grande importância, Byron nunca visitara essa casa depois da mudança de seus progenitores.

Ela estava quase toda vazia, porém havia uma TV, um rádio velho e lindas decorações de vidro. Haviam alguns pratos e talheres na cozinha também. E em um piscar de olhos, todos os objetos estavam no chão, quebrados, estilhaçados. Byron encontrava-se em uma fúria imensurável e esquecera que era de madrugada e haviam vizinhos. Foi se dar conta quando uma voz aguda gritou com ele perto da sua porta e um dos seus maiores erros foi responder. Era Emily Gutterberg, uma antiga amiga de sua mãe. Sucedeu-se então uma guerra com a mulher que não esforçou-se para continuar ética e abriu prontamente a porta da casa antiga dos pais de Byron.

Caro leitor, é nessa cena que falho contigo. Dei ênfase na fúria de Byron, na sua devastação mental e em seu perigoso temperamento durante essas poucas palavras que vos escrevo. Falho agora pois nem mesmo Byron se lembra. Ele escondeu da memória que nem mesmo a suave brisa da madrugada acordou para presenciar o horrendo acontecimento.

Byron Mansfield matou Gutterberg à facadas. Ato este, tão cruel e irracional, que o número de facas excedeu quinze. O vermelho já manchava o chão e sua consciência voltou quando o corpo já estava enterrado no quintal dos fundos.

Novamente, vou salientar que vou pecar nos detalhes. Mas você leitor, já sabe: o plano amador de Byron não foi planejado, portanto, haveria, mais para frente, lacunas que o incriminaria.

✺✺✺

Depois dessa terrível tragédia, Byron Mansfield mudou-se de país. Passou a morar na Inglaterra, largou seu trabalho como pintor em Cleveland, Ohio e passou a contribuir para a arte em Londres. Ele não sentiu arrependimento, era orgulhoso e confiante demais. Aceitava e se perdoava, acreditava que havia cometido um erro, porém a culpa era de Elizabeth. Para Mansfield, Elizabeth havia feito com que ele matasse a senhora Gutterberg, portanto, sua consciência não causou-lhe insônia, apenas uma leve dor de cabeça que tão logo foi substituída com a maturidade de sua fama em Londres. Seu reconhecimento foi tanto, que fez fortuna lá durante quatro meses. Criou uma obra-metáfora para expressar a dor do amor. O quadro onde fora pintado à óleo uma rosa sangrando representava o sentimento puro que fora amaldiçoado e consequentemente condenado. Essa pintura levou Mansfield às grandes galerias. Viveu assim, até sentir-se profundamente vazio. Esse buraco em sua alma o dinheiro e o álcool jamais fora capaz de preencher. E foi esse mesmo sentimento que o fez voltar para Cleveland e tentar uma vida confortável lá.

Porém Byron era ingênuo. A vida já havia provado à ele que era cruel e ele esquecera disso. Quando finalmente se estabilizou em sua casa na Seventeen Six Street, uma rua com um conjunto de casas nobres, passou a viver tranquilamente durante três meses. Essa paz não durou muito. Descobriu mais tarde, por obra de alguma maldição ou mera coincidência, que Elizabeth havia ocupado a última casa da rua. E seu tormento voltou, pois ela estava sempre acompanhada e com a estrutura física diferente: carregava o pecado dentro de si.

Após ter conhecimento disso, sua vida virou uma tragédia. Ele passava o maior tempo que possuía na rua, observando o movimento do casal que arruinara sua vida. Logo, suas telas e pinturas foram esquecidas e consequentemente, o dinheiro que delas provinham.

Byron não conseguia acreditar que em menos de um ano ele havia provado tamanha balbúrdia e sofrimento. E como está relatado no início, toda história tem um marco inicial para o desenrolar. O marco inicial deste livro é este mostrado: a tragédia sem máscaras O sofrimento amargo arrancado das vísceras do mundo.

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