Dario via Scarlet dormir com Helena, que se encaixava nas costas da garota, protegendo-a. A moça chorou até dormir, Helena ficou ali, firme. Era um rochedo na tempestade. Dario entendia aquela doação. Ela dava exatamente o que lhe faltava. Ele pediu o café e foram servidos no quarto. Ambas se banharam e comeram bem. Estariam em Pueblo em três horas. No aeroporto, Sullivan chegava a um guarda-volumes e a informação de saída para Maryland. Houve check-in, mas não houve embarque. Ele percebia, pelas câmeras, apenas uma mulher no guarda-volumes, estonteante, de olhos de uma loba, gelados, de um azul sutil e acinzentado, ferozes. Ela encarou a câmera e sorriu, divina. Era a primeira vez que via Helena. Não era uma foto frívola, era alguém descarada e destemida. "Deve ter um gênio péssimo! Bem ao estilo do Greg." Ele sorriu. — Achem essa mulher! - A ordem era dada. - É a provável sequestradora. Considerem perigosa, mesmo desarmada. - Sullivan determinou. Scarlet estava sob o procediment
— Está sim. Acabamos de liberar. Não tem nada contra ela. - Sullivan percebia algo difícil de constatar: o irmão não se preocupava com a filha. Não tocou no assunto, queria ver até que ponto havia sido manipulado. — Graças a Deus. Posso ir buscá-la? - Gregory perguntou, omisso a Scarlet. — Já saiu, Greg. - Gregory ouvia o pesado soco na mesa. - Espero que tenha ido para o inferno. Vou baixar sua notícia de sequestro. É só um desaparecimento. Procure a polícia local. - Sullivan disse, desligando a chamada. Helena o humilhara. Ele fora envergonhado diante de sua equipe. Helena caminhou, tranquilamente, para longe do escritório. Scarlet estava segura e tinha Carlos com ela. Voltaria logo para casa, em segurança. Aquilo era tudo o que precisava. Dever cumprido. Ela se levantou e ligou para o escritório. Deveria se apresentar em três dias. Dali, pegou um ônibus e voltou para Laredo. Rompia laços e ligações. Estava sozinha outra vez, mas de consciência tranquila. Helena se hospedou
— Helena, não faz isso com a gente. Estou pedindo. Em nome da nossa história. - Gregory implorava. Aquelas palavras esfaquearam a alma de Helena. - Por favor, querida. Não faz isso conosco. Não assim, por telefone. — Eu preciso pensar, Greg. Não estou preparada para isso. - Ela suspirou. Doía se desfazer daqueles tantos anos de história, mas ela se sentia sufocada. A reação de Gregory, a algo, a havia assustado. Sequer sabia por quê ele estava irritado, o olhar frívolo dele, aquela ausência, a sensação de punição, de abandono, a confissão a Scarlet, tudo pesava tanto. Ela se sentia sonolenta, precisava beber algo, mas sabia que, se iniciasse aquele novo ciclo de auto punição, não acabaria bem, não desta vez, não sentia que alguém ligasse para aquilo. O silêncio e o passar do tempo, em um completo branco, suspensa de si, a tomavam. Nada fazia sentido.— Helena? - A pergunta vinha com as batidas à porta. Era a voz de Howard. Ela abriu a porta do quarto, ele a abraçou, fortemente, beija
Molly entrou no quarto de Helena, logo cedo, recebendo o cano de uma arma apontada para si. Impressinou-se, mas não ficou assustada.— Está bem alerta, não, querida? - Molly trazia uma caneca de café com leite para Helena. — Me desculpa, Molly. Força do hábito. - A moça se sentou na cama. — Toma isto, põe uma legging e vai se exercitar, filha. - Molly disse, gentil, se sentando ao lado dela, na cama, como uma boa tia solteirona. Molly meio que tinha adotado Helena como uma afilhada depois do que aquela mulher havia feito por ela. Nem seus filhos tinham sido tão generosos. — Obrigada, Molly. - Ela pegou a caneca, estava morna, com cheiro de "Bom dia". Helena agradecia, de coração, pela existência daquela velha rabugenta que ela tanto amava. — Quando voltar, vou deixar seu café na mesa. Não quero o Renard importunando você logo cedo. - Molly avisou. - Por falar em importunação, onde foram parar suas coisas?— Austin. Estão na casa do Gregory, mas dei uma pisada muito forte na bola c
Exames, testes, documentos, posses, assinaturas. Helena passava outra vez pelo processo de promoção. Quando entrou, era apenas uma soldada, sem qualquer qualificação. Ascendia, agora, a capitã. Recebeu do General Della Rosa sua nova identidade, a medalha, as insígnias, em uma formalidade rápida e simples, como a de Stuart, que seria reintegrado ao serviço médico. Outras pessoas, de outros departamentos, vieram, para além dos amigos, Renard, Roberts, Carlson e Rosenbauer surgiam entre os participantes. Aquilo deixava Helena desconfortável. Foi parabenizada, elogiada e bem recebida pela maioria das pessoas presentes, os desafetos lhe prestavam as continências, em apertos de mãos firmes e olhares assassinos. "Definitivamente, prefiro o deserto." Ela pensou consigo, sustentando o sorriso orgulhoso no rosto em cada um daqueles contatos. À noite, Molly deixou seu jantar sobre a mesa, um gostoso sanduíche, bem recheado e uma cerveja. Helena sorriu. Precisava contar para Molly que tinha pro
— Quando ela quiser. Tem o contato? Eu gostaria de chamá-la para conversar. Me pareceu tão desamparada, sabe? Me lembrou um pouco de mim quase na mesma idade. Quero poder ajudar, de algum modo. - Helena suspirou. Dario se percebia ainda apaixonado por aquele coração generoso.— Vou mandar para você. - Ele afirmou, terno. - E como foi seu primeiro dia? — Fui promovida a capitã. - Ela comemorou. - Minha amiga, a Molly, da cafeteria, me deu um quarto e já consegui comprar um carro. Precisei de outro celular. Você é a primeira pessoa que recebeu minha ligação. Ó, que chique! Pioneiro! - Ela o divertia. - Fui inventar de treinar hoje. Estou um caco. Eu faria um acordo com o diabo para que a Martha estivesse aqui. Aquela mulher tem mãos de fada, sabia?— Sua amiga? - Dario esticava a conversa. — Sim. O Gregory contratou ela para meio que ser minha babá. - Helena riu, gostosamente. - Não aceita que eu quero encerrar meu sofrimento, sabe?— O que quer dizer com isso, Helena? - Dario se espa
DESERTO DE CHIHUAHUA — Una migra! Una migra! Una migra! Mira! - O coiote apontou para um ponto, no alto da colina, sobre o rochedo, sozinho, com uma arma de grosso calibre no colo. Dario Garcia estreitou os olhos, a figura estava parada no alto da rocha, inerte. Não parecia fazer mira ou algo assim, aliás, sequer parecia viva. Ele tratou de instruir os coiotes que trabalhavam para ele e seguiu, perpendicular, em direção à figura agourenta sobre o rochedo. Aproximou-se, devagar, passo após passo, esquivando-se, entre a rala vegetação rasteira do deserto, em seu paramento militar da cor da areia. "Uma migra, sozinha, mulher?" Ele identificava a silhueta da policial. Dario julgava: ou ela tinha se perdido ou estavam em solo estadunidense. Qualquer hipótese era problemática. Conforme se aproximava, o contrabandista percebia as nuances. Filetes de sangue seco partiam do nariz; a boca rachada, a pele exposta. Se estivesse viva, aquela criatura miserável, em pesado paramento militar,
Dario passou horas observando sua paciente. Trocou a bolsa de soro e umedeceu seus lábios com o algodão molhado. Ela era bonita para uma militar, admirava-se do motivo de alguém, como ela, ter virado uma. Com o fim da segunda bolsa, ele a rolou e pôs sob o corpo um tapete descartável higiênico, para cães, para o caso de ainda estar inconsciente quando todo aquele líquido resolvesse sair. Adormeceu, com a pistola em punho, pronto para matá-la, se fosse necessário. Helena sentia a dor excruciante lhe roer a alma, forçando-a a perceber-se. Algo lhe tampava os olhos, estava viva e aquilo bastava naquele instante. A cabeça doía um inferno e os olhos, mesmo fechados, ardiam. A boca e a garganta secos, algo lhe feria o braço, dolorosamente. Ela gemeu, baixinho. Dario despertou. A mulher respirava, ofegante, inquieta. Se não estivesse desperta, logo acordaria. — Me ouve? Me entende? - Ele perguntou, em espanhol, percebia o gesto de cabeça dela, confirmando. Estava desperta. - Qual seu