(Ponto de Vista de Aria)
Já era tarde quando voltei para a casa da alcateia.
No entanto, não descansei. Em vez disso, comecei a arrumar tudo.
As vestes cerimoniais de Alfa do Ethan, os brinquedos de lobo dos filhotes, os marcadores de aroma da família…
Fui jogando tudo em caixas, um por um.
— Aria, o que está fazendo? Perdeu o juízo? — A voz baixa de Ethan soou atrás de mim.
Ao me virar, vi que ele estava parado na porta, com os dois filhotes.
Seus olhos dourados de lobo pareciam ainda mais frios sob a luz da lua, enquanto a testa se encontrava franzida.
— Por que a mamãe está jogando fora nosso boneco de treino? — Maya correu até mim, com as perninhas curtas se movendo rapidamente.
Assim que viu o cervo de capim, seu brinquedo favorito feito de pelos de cauda de lobo, jogado dentro de um cesto, seu rosto ficou vermelho de raiva e suas orelhas de lobo se ergueram em alerta.
Ao lado, Mason também exibiu os dentinhos de filhote, rosnando para mim:
— Foi só uma visita rápida na casa da titia Isabella. Será que precisava mesmo desafiar a autoridade do papai desse jeito?
Logo, o olhar afiado de Ethan pousou sobre mim, como se observasse uma loba desobediente e de posição inferior.
— Os filhotes gostam de ficar perto da Isabella. Como Luna da alcateia, vai mesmo causar uma cena por algo tão insignificante e perturbar a harmonia do local?
— Não estou causando cena. — Respondi com calma, e a voz sem emoção.
— Mentirosa! — Gritou Maya. — Você só está com ciúmes porque a titia Isabella recebe a atenção do papai! Por isso jogou fora meu brinquedo! É uma mãe horrível!
— Depois da minha cerimônia de maioridade, vou morar com a titia Isabella. — Declarou Mason, agarrando a mão da irmã e rosnando com firmeza. — E nunca mais vou voltar para te ver!
Ethan não impediu a grosseria dos filhotes, apenas franziu levemente a testa, com os olhos profundos de lobo percorrendo meu rosto. Era o mesmo olhar que lançava a um estranho rebelde da alcateia.
— Chega! — Seus lábios mal se moveram, mas a voz baixa carregava a autoridade natural de um Alfa.
Enquanto ajustava distraidamente o colar de dentes de lobo em seu pescoço, acrescentou:
— O conselho dos anciãos terá uma reunião importante. Jogue fora o que quiser, mas evite barulho. Não perturbe a paz da alcateia!
No momento em que a porta se fechou, as lágrimas que eu havia segurado finalmente caíram, silenciosas.
A dor em meu peito era cortante, como se garras de lobo me rasgassem por dentro, e cada respiração se transformasse em uma punhalada.
Entretanto, limpei as lágrimas e encarei a bagunça espalhada pelo chão.
Então, ri.
"Não se preocupe. Eu não vou mais incomodá-lo.
Nem agora… Nem nunca mais."
...
A partir do momento em que Ethan assinou aquele contrato, abri mão dos cuidados com os assuntos da alcateia.
Deixei de me levantar ao amanhecer para preparar sucos de ervas com orvalho matinal que fortaleciam os filhotes, bem como parei de esperar até tarde pelo retorno de Ethan, sem mais preparar o orvalho de flor da lua para restaurar suas energias.
Dessa forma, todas aquelas tarefas que antes considerava deveres de Luna passaram a ser negligenciadas.
A princípio, nenhum lobo da alcateia notou qualquer anormalidade.
Contudo, tudo começou a mudar quando Mason chegou atrasado ao treino de combate dos filhotes por estar sem energia, sendo duramente repreendido pelo instrutor Beta.
Depois, veio o momento em que Maya não encontrou seu osso de oração especial durante o ritual de sacrifício à Deusa da Lua.
E, como se não bastasse, a marca de Alfa de Ethan, o totem que simbolizava seu poder e autoridade, passou a perder o brilho característico.
Embora os ômegas responsáveis pela rotina da alcateia se esforçassem, não conseguiam manter o padrão deixado pela antiga Luna.
Já que a pia da cozinha vivia cheia de louça suja, enquanto os brinquedos dos filhotes permaneciam espalhados pela sala.
Até mesmo a túnica cerimonial de Ethan, que precisava ser impregnada com ervas específicas, exalava um cheiro estranho.
Assim, a casa da alcateia, que antes se mantinha organizada graças aos meus cuidados e ao meu aroma curativo de ômega, passou a se tornar um verdadeiro caos, repleta de bagunça e de uma inquietação crescente.
Quando Ethan empurrou a porta de madeira do quarto lateral onde eu estava, encontrava-me sentada à janela, lendo um antigo guia de ervas dos lobisomens.
E a luz da lua atravessava a janela, projetando sombras suaves sobre mim.
— Até quando vai continuar testando meus limites? — Ele parou à entrada, emitindo uma voz grave.
Fechei o livro e ergui os olhos para ele, mantendo o olhar calmo e vazio.
— Não estou testando seus limites.
— Então por que deixou de cumprir seus deveres como Luna? — Ele se aproximou alguns passos.
Logo, seu cheiro familiar de Alfa preencheu o ambiente, mas, em vez de conforto, me causou sufoco.
— Ainda está emburrada por causa da Isabella?
— Não estou emburrada. — Respondi, colocando o guia de lado. — Só não quero mais fazer nada.
Diante da minha resposta, Ethan estreitou os olhos dourados e perigosos, tamborilando os dedos longos contra o parapeito de pedra.
— E qual seria o motivo?
— Estou cansada. — Disse com tranquilidade. — Não faltam ômegas na alcateia. Se eu me recusar, outras estarão prontas para fazer com prazer.
Naquele instante, recordei minha vida passada, quando despertava antes do amanhecer diariamente, usando minha habilidade curativa de loba para equilibrar a energia da alcateia.
A água destinada a Ethan precisava vir do ponto mais iluminado pela lua, e sua carne assada, obrigatoriamente, tinha que ser o coração do alce mais tenro.
A pelagem dos filhotes era lavada com sucos extraídos de flores e ervas específicas, e até a grama onde costumavam brincar era purificada com meu cheiro, como forma de afastar os maus espíritos.
E o que recebi em troca?
O aroma gentil de Ethan entregue, sem reservas, a Isabella…
A total dependência dos filhotes pelo doce aroma ômega da "tia Isabella".
E minha morte solitária em uma noite de lua cheia, aos sessenta e dois anos, com minha alma lupina se dissipando no ar.
— Aria. — Sua voz assumiu um tom gélido, carregado com o aviso de um Alfa. — Se tem um problema, resolva como uma lobisomem. Não aja como uma filhote mimada fazendo birra.
Curvei os lábios em um sorriso sarcástico.
— Não é birra. Só quero... paz.
No entanto, antes que eu pudesse concluir minhas palavras, a porta foi aberta com brutalidade, revelando Mason e Maya entrando no quarto com os rostinhos tomados pela fúria.
— A mamãe simplesmente está com preguiça! — Gritou Maya, com a voz quase se transformando num uivo. — Queremos que a titia Isabella cuide da gente! O cheiro dela é o mais confortável!
Mason completou:
— A titia Isabella é tudo o que você não é: mais legal, mais forte… Ela é infinitamente melhor! Ela sim é a verdadeira Luna da nossa alcateia!
Os olhos de Ethan permaneceram fixos em meu rosto, como se esperasse que eu cedesse, liberando novamente meu aroma calmante de ômega.
Contudo, apenas respirei fundo e declarei com suavidade:
— Se acham que ela é tão maravilhosa assim, tragam-na para a casa principal. Não me oponho.
Diante das minhas palavras, o ar congelou de imediato.
E até a luz da lua pareceu hesitar.
Ao lado, o semblante de Ethan escureceu por completo.
Onde sua pressão de Alfa tornou-se quase insuportável.
— Tem certeza? — Perguntou ele, palavra por palavra, enquanto seus olhos dourados ardiam como uma tempestade prestes a se formar.
Ainda assim, resisti à pressão, respirando com dificuldade, mas sem deixar que minha voz vacilasse:
— Absoluta.
— Papai, vamos! — Maya puxou as roupas de Ethan com impaciência. — Quero que a titia Isabella se mude agora! A casa dela é muito pequena!
— Com a titia Isabella, não precisamos de você! — Mason fez uma careta raivosa para mim. — Pode ir embora! Saia da alcateia! Não precisamos de uma ômega inútil!
Foi então que Ethan lançou um último olhar na minha direção.
E, ao perceber que eu permanecia imóvel, sem sequer piscar, ele finalmente se virou e saiu, levando consigo os filhotes, que vibravam de empolgação.
Permaneci ali, ouvindo o som dos passos se afastando, acompanhados pelos gritinhos animados das crianças, e fechei os olhos com suavidade.
"Logo, eu entregaria a eles aquilo que mais ansiavam...
Minha partida completa.
Eu deixaria esta alcateia para trás.
E, por fim, me libertaria desse vínculo sufocante de companheirismo…"