5 - NOMEADA

Cheguei à Nova Roma bem antes do amanhecer e escalei, com relativa facilidade, os muros inconclusos que envolveriam toda a cidade quando completos. Existiam alguns sonolentos soldados de guarda que não representaram obstáculo.

No centro da cidade, uma muralha completa, mais alta e, evidente, mais forte, cercava o castelo. Escalei mais uma vez, sem ser notada e lá de cima vi que aquelas paredes não abrigavam apenas um majestoso palácio, mas duas grandiosas construções além dele: uma réplica do Coliseu de Roma ainda inconcluso e, para meu total espanto, uma gigantesca catedral recebendo os últimos retoques na decoração externa. Composta de uma enorme nave central e uma gigantesca torre tão alta quanto as torres do palácio central, ostentava no ponto mais alto uma cruz cristã. Sinal de que os ensinamentos de Jesus Cristo não atravessaram apenas o tempo, mas também o espaço, alcançando o remoto mundo no qual eu acabara de chegar.

Admirei a tudo boquiaberta ao concluir que as três construções, quando prontas, formariam uma trindade poderosa de elementos influenciadores para o povo: o poder do reino, o poder de Deus e o entretenimento. Tudo protegido dentro de uma colossal fortificação guardada, depois eu soube, pelos mais bem treinados soldados a serviço de Nova Roma: os paladinos.

Em tempos de guerra, aquele centro poderia proteger a maioria da população. Nos topos das torres, catapultas, trabucos e balistas poderiam ser acoplados e nas amuradas milhares de besteiros poderiam ser alocados, tornando um inferno a vida de qualquer pretenso invasor.

Furtiva, esgueirei-me pelas sombras, dirigindo-me ao palácio, onde a dificuldade para entrar foi nula, apesar dos paladinos em suas reluzentes armaduras prateadas. Troquei meu vestido maltrapilho pelo vestido da baronesa que trouxera. Esperei até perto do amanhecer, voltei à entrada e apresentei-me a um dos paladinos. Mais uma vez, minha empatia funcionou melhor do que o normal, ficando cada vez mais evidente que ninguém resistia ao meu sorriso e aos meus pedidos educados.

O rei em pessoa apressou-se em me atender. Convenci-o que fora assaltada na estrada e que escapara com um pouco de sorte que meu pobre condutor e dois oficiais não tiveram.

A partir daí, tudo aconteceu muito rápido. No dia seguinte fui nomeada pelo rei Vincenzo Pagliari como protetora da futura rainha e incumbida de ensiná-la o que fosse necessário para torná-la uma majestosa rainha para os súditos e uma boa parideira para o rei.

As pessoas se encantavam comigo à primeira vista e mais tarde entendi que esse dom fora adquirido com minha nova condição. Todos, em minha presença, ficavam suscetíveis a concordar alegremente com o que eu dizia, por mais absurdo que fosse. Apenas muito tempo depois começaram a aparecer pessoas mais inteligentes que, vez ou outra, impunham alguma resistência mental a mim, ou eram menos suscetíveis, mas, mesmo assim, era raro representarem problemas. Aos poucos adquiri muita influência. A rainha, o rei e o papa tinham confiança cega em mim.

Protegida pelo palácio, e por um grande aposento reservado a mim conjugado de quarto, escritório, laboratório e biblioteca, eu tinha dias e noites com aproveitamento máximo do tempo. A posição adquirida aliada aos meus poderes, permitiram-me acesso a todas as bibliotecas do reino de Nova Roma, inclusive, a da Pontifícia Academia Cristã de Magia e, mais tarde, até algumas de reinos aliados.

Minha nova memória, mais eficiente, permitiu-me, com muita facilidade, decorar cartas topográficas, assimilar a história e as lendas dos reinos de Ômnia. Cheguei a buscar incessantemente uma pista que me levasse de volta para casa, estudando tudo o que eu encontrei sobre a poderosa magia citada por Rambertino, mas foi em vão. Não havia nada de concreto. Entretanto, inevitavelmente tropecei em uma coisa que muito me atraiu e que era novidade para mim da forma como se apresentava: magia. Interessada, estudei tudo o que pude. Li todos os acervos, aprendi poderosos encantamentos e até criei alguns. Um deles, em especial, batizado por mim como “Vácuo de Mana”, criei por acidente. Nem imaginava o quão útil seria no futuro, a magia mais útil de todo o meu vasto grimorium.

Com o tempo e depois de muitos testes, aprendi a transformar humanos em seres como eu: bastava sugar-lhes o sangue sem matá-los e fazê-los beber do meu sangue. Foi o que aconteceu, por acidente, com Rambertino.

E em um dos testes criei, sem querer, um “lacaio”: humano que bebe meu sangue antes que eu beba o dele. Isso torna-o completamente subserviente a mim por um período de tempo, além de ficar mais forte, mais rápido e mais resistente. Uma gota por dia é o suficiente e os humanos que provam, viciam-se. Assim, mesmo depois de passado o efeito, costumam obedecer na esperança de conseguir mais uma gotinha. Dei a isso o nome de “vício de sangue”.

Os transformados, entretanto, não eram subservientes, apesar de naturalmente sugestionáveis por mim. Também foi isso o que ocorreu com Rambertino. Mas sinto que estou me adiantando um pouco e não quero que percam nada de vista.

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