Termino de passar o batom e encaro meu reflexo no espelho. As mãos descem instintivamente até o vestido enquanto sorrio, satisfeita com o resultado.Agora que estou pronta, o vestido de alça larga, justo até os joelhos e com um corte impecável, parece ainda mais bonito. Destaca minhas curvas na medida certa: elegante, mas com intenção.Respiro fundo, tentando acalmar os nervos. Um jantar familiar. Com a sogra que me odeia. O que poderia dar errado?O som da porta que conecta nossos quartos se abrindo me pega de surpresa.Ettore aparece no reflexo do espelho, impecável em um terno grafite. O cabelo penteado para trás realça ainda mais o azul-claro dos olhos.Nossos olhares se encontram no espelho e, por um instante, o quarto inteiro para. Ele me observa em silêncio, os olhos percorrendo meu corpo com uma intensidade que ele nem tenta disfarçar.Engulo em seco, ignorando o calor que sobe pelas minhas bochechas.— Você está… — ele começa, mas hesita, como se buscasse a palavra certa.— A
Chiara nos avista quase imediatamente. Seus olhos param primeiro em Ettore, com aquele carinho maternal; depois em mim, onde a temperatura cai vários graus.Ela se aproxima, com Isabella ainda ao seu lado, como um pequeno comitê de boas-vindas ao caos.Minha sogra cumprimenta Sofia com um beijo na bochecha, que aceita o gesto com um incômodo evidente, depois se vira para Ettore.— Querido filho — ela diz, dando um beijo na bochecha dele. — E Liz.Forço um sorriso ao cumprimentá-la, ignorando o desdém habitual.— Boa noite, mãe — Ettore cumprimenta, formal como sempre. — Isabella — acrescenta, com um aceno breve.— Ettore, querido — Isabella responde, sorrindo até demais. — Que coincidência encontrá-lo aqui.— Uma coincidência num jantar familiar? — Sofia comenta, irônica, levantando sua sobrancelha branca. — Por falar nisso… Alessandro, você não disse que seria uma reunião familiar? Não me lembro dessa moça ser parte da nossa família.Um silêncio constrangedor se instala, e Isabella c
Um silêncio constrangedor se instala. O que posso responder? Que nosso casamento é apenas um contrato com data de validade? Que filhos nunca fizeram parte do acordo? — Vovó — Ettore finalmente consegue dizer. — Não acha que é um pouco cedo para isso? — Besteira! — Sofia rebate, com um gesto despreocupado. — Vocês são jovens, saudáveis e, pelo jeito como se olham, já devem estar praticando bastante. Isabella se engasga com o vinho, enquanto Chiara parece horrorizada. Alessandro ri abertamente, completamente entretido pela situação. Sinto meu rosto queimar como se tivesse sido jogada numa fogueira. E Ettore, surpreendentemente, não esconde o desconforto muito melhor do que eu. — Além disso, estou ficando velha — Sofia continua, então seu olhar se fixa em mim. — Ou vocês têm algum problema em me dar um bisneto, querida? Todos os olhares se voltam para mim. Inclusive o de Ettore, que parece tão curioso quanto os outros pela minha resposta. Não há escapatória. — Claro que não — r
“Ettore Bianchi” Olho para Liz, me perdendo por um instante em seus olhos verdes enquanto me lembro do quanto foi difícil desfazer aquela má impressão. — Persistência — respondo finalmente, me permitindo um sorriso. — E um resfriado. Liz ri baixinho, provavelmente se lembrando daquela manhã. Sorrio um pouco mais. — Um resfriado? — minha avó pergunta, franzindo as sobrancelhas. Enquanto continuamos contando, deixo as memórias surgirem livremente pela primeira vez em anos… “Bolonha, Itália — Cinco anos atrás” Já faz duas semanas que essa garota atrevida começou a cruzar meu caminho diariamente. E, contra toda lógica, virei cliente fixo da mesma cafeteria só para vê-la. Ridículo, eu sei. Mas o atrevimento dela parece ter trazido algo realmente interessante após quase três anos aqui, aguentando números e exigências do meu pai. Na manhã de segunda-feira, chego como sempre, pego meu café e me sento na mesa perto da porta. A ideia é ver Liz Montesi chegando com seu coque
— Tem certeza de que é uma boa ideia fazer uma surpresa, Liz? — minha melhor amiga pergunta, pela quarta vez só nessa ligação. — Sei lá… surpresas nem sempre acabam bem. E, sinceramente? Não confio nesse seu namorado. — Você implica com o Marco desde que o conheceu, Giulia. Admita, você o odeia porque ele é sério demais, diferente de você. — E você devia desconfiar justamente por isso. — Você disse que estava feliz por mim — sussurro, estacionando em frente à empresa. — E estou, mas… só tome cuidado, ok? Gosto de ver esse brilho voltando aos seus olhos, mas odeio imaginar que alguém possa apagá-lo de novo. Sorrindo diante da proteção excessiva da minha amiga, desligo o motor do carro. Após tudo o que aconteceu há três anos, o simples fato de me envolver com outro homem já é quase um ato de coragem. — Te ligo mais tarde, amiga. Vou tentar convencê-lo a almoçar comigo. Quero comemorar esses seis meses juntos. — Bem, boa sorte, amiga. Encerro a ligação e respiro fundo antes de
Por um segundo, tudo em mim congela. O coração, a respiração… até a lógica. E ele só me encara, como se estivesse me vendo pela primeira vez.Os traços continuam os mesmos — o maxilar marcado, os olhos azuis intensos, os cabelos escuros perfeitamente alinhados.Mas, ainda assim, Ettore está diferente. Nem sombra do garoto apaixonado que um dia me olhou como se eu fosse o centro do universo.Agora, aos 27 anos, aqueles olhos que já me adoraram me examinam como um executivo, analisando um investimento ruim.Tento não demonstrar o choque que é vê-lo depois de tanto tempo.Fingir calma é tudo o que me resta. Mesmo que, por dentro, o que eu realmente queira seja gritar, chorar, correr.Especialmente depois do dia que estou tendo.— Espero que atrasos não se tornem um hábito, Srta. Montesi — ele diz, num tom grave, impassível.Meus lábios se entreabrem sem querer. Depois de tudo que vivemos, ele vai me tratar assim? Tão frio? Tão formal?— Ettore… — sussurro, odiando o jeito frágil como min
As palavras saem de mim como uma rendição, como a sentença de algo que jamais escolheria. Ettore se vira lentamente, e, apesar de seu rosto parecer calmo, seus olhos o entregam. Ele está saboreando cada segundo disso.— Excelente escolha, Srta. Montesi — ele diz, com a voz controlada, quase indiferente.Enquanto ele se aproxima, meu pai solta um suspiro aliviado ao meu lado. Satisfeito por finalmente me quebrar para satisfazer seu desejo.— Ótimo, podemos voltar à sala e finalizar…— Na verdade, Sr. Montesi — Ettore o interrompe —, acho que agora é uma questão entre minha filha e eu. Meu advogado nos espera para finalizar o contrato.— Entendo, mas como presidente da Montesi, eu deveria…— Os documentos referentes à empresa serão enviados ao seu departamento jurídico ainda hoje — Ettore interrompe novamente, com um tom que não permite argumentos. — Porém, o acordo matrimonial é uma questão privada.— Claro — meu pai finalmente aceita, claramente insatisfeito. — Liz, não me decepcione
“Ettore Bianchi”Observo a lágrima solitária escorrendo pelo rosto de Liz, caindo sobre o contrato recém-assinado. A satisfação me faz sorrir.Passei mais de dois anos ao lado dela. Já a vi chorar antes, claro. Mas é a primeira vez que não sinto o impulso de enxugar suas lágrimas.Há alguns anos, eu teria movido montanhas para evitar sua dor. Hoje, cada gota que cai é uma pequena vingança.— Parabéns, piccola — digo, deixando o apelido sair com um veneno sutil. — Acabamos de dar o primeiro passo para o nosso futuro.Ela finge coçar os olhos antes de levantar o rosto para me encarar. Aqueles mesmos olhos que, um dia, prometeram amor eterno, agora estão vermelhos, vulneráveis. Exatamente como os meus estavam da última vez que nos vimos.Perfeito.— Tudo pronto, Max? — pergunto, me levantando com calma.— Quase — ele responde, estendendo uma pasta para Liz. — Aqui está seu cronograma até o casamento. Provas do vestido, detalhes da cerimônia…Ela apenas assente, sem dizer nada, aceitando