Cisne Negro
Cisne Negro
Por: Carol Catalani
Mel que veio do céu

" Ele era um anjo, mas tiraram-lhe as asas, machucando-o no processo". 

12 anos antes...

O auditório do teatro estava lotado, aquele era o dia mais feliz de toda a minha vida. Pelo menos deveria ter sido...

Eu havia conseguido o papel principal, eu era Julieta, uma Julieta negra. 

Fiz toda a performance, eu flutuava no palco e sentia a conexão que tinha com meu par. Luigi dançava lindamente. Sua graça no palco encantava todas as garotas da ONG. Ele tinha uma história triste, mas assim como eu, se superou na dança. 

No final da apresentação, recebi um buquê de rosas amarelas. As minhas favoritas. Antes de ler o cartão eu já sabia de quem eram.

Gabo.

Li o cartão simples, como o nosso amor.

" Para a Julieta de todos os meus sonhos"

Do seu Romeu 

Gabo.

Lindo e poético como apenas ele era capaz. 

Guardei o cartão na bolsa e tirei a roupa da apresentação. Encontraria Gabo na portaria. Ele não havia conseguido vir a apresentação, tinha algo importante a resolver, mas viria me buscar.

Depois de receber inúmeros cumprimentos, consegui sair. Senti a brisa quente da noite. Era fevereiro e estava um calor delicioso no Rio. 

Gabriel estava parado, ele estava recostado no carro, de braços cruzados. Ele usava uma camiseta e uma calça jeans. Seus tênis custavam três meses do meu salário do mercadinho da dona Ló. O carro era um Gol quadrado muito bem equipado. Eu sabia que Gabo fazia algo errado, só não sabia o que era. O pai tinha uma grana, mas eles não se viam há algum tempo. Mais especificamente, desde que Gabo veio morar no morro com a mãe e o irmão. Ele tinha onze anos. A mãe dele deixou o marido e veio para cá, ele a maltratava e aos meninos. 

Eu tinha vinte anos, e Gabo tinha dezoito. Ele era tão bonito com os seus 1,80 de altura. Mas as vezes sua autoestima não condizia com a sua beleza. Ele havia nascido com uma doença congenita. Mielomeningocele. Ele tinha uma perna maior que a outra e mancava um pouco. Ele tinha outras sequelas também, mas nunca me disse quais eram. Ele sorriu ao me ver. Eu retribui o sorriso.

- Oi. Está linda esta noite.

- Obrigada. Sempre tão galante.

- Você me inspira.

Eu sorri com o comentário que sempre me fazia. Ele dizia que eu era sua musa inspiradora. Que suas poesias eram todas para mim. E eu amava.

Quando estávamos prestes a entrar no carro Luigi surgiu.

- Ei Malu! Você esteve perfeita! 

- Obrigada Luigi.- falei já dentro do carro.

Gabo bateu a porta com força e fez a volta se sentando no assento do motorista.

Luigi fechou a cara e saiu.

- Carinha inconveniente esse...

Gabo ronsnou. Ele morria de ciúmes de qualquer ser humano do sexo masculino, mas Luigi era de longe o que mais o deixava nervoso. Talvez pelo fato de que ele fosse meu par na dança. Gabo dizia que nunca poderia ser. 

- Não precisa ficar nervoso amor. Luigi é apenas meu amigo.

- Será que ele pensa assim? 

- Não sei o que ele pensa, mas eu amo você.

- Talvez ele seja mais homem para você do que eu.

- Talvez eu precise descobrir.

- O que? Quer ir para a cama com ele? Então vá!

- Calma Gabo! Não foi o que eu disse! 

Ele suspirou e colocou a mão no meu rosto, finalmente se acalmando.

- Me desculpe.

- Você precisa entender que é você que eu amo.

Gabo ficou em silêncio e ligou o carro. Paramos na frente da casa dele e descemos. Dona Fátima conversava com a tia dele e ambas acenaram quando passamos.

Entramos no quarto dele e ele trancou a porta atrás de si. Antes ele dormia com a mãe, mas após começarmos a namorar ele passou a ter o seu próprio espaço. Não que o usaremos para algo além de conversar. 

Gabo e eu, em seis meses de namoro, jamais havíamos tido nenhuma experiência sexual. Ao menos não física. Apenas por chamada de vídeo, na qual ele sempre via tudo e eu nunca via nada. Mas eu não me importava. Eu o amava.

Ele se sentou na cama de cara feia.

- O que foi bebê?

- Estou aborrecido.

- Não fique. Estou aqui pra você.

Ele sorriu.

- Amor, quero te contar algumas coisas. Mas não sei se tenho coragem. Não quero te perder.

- Você não vai.

Gabo ficou em silêncio. Eu toquei seu rosto e ele sorriu.

- Você espera eu tomar um banho?

- Sim. Você não tomou ainda?

-Tomei. Mas quero te mostrar algo, porém quero estar limpo antes.

- Tudo bem.

Ele tomava banho rigorosamente duas vezes no dia, por volta das nove da manhã e das seis da tarde.

Se eu estivesse aqui, sempre me pedia para aguardar no quarto, enquanto isso. E todas as vezes retornava totalmente vestido. Ele nunca deixava toca-lo da cintura para baixo. E eu aprendi a me acostumar.

Fiquei ali...olhando seus livros, seus CDs e suas coisas enquanto ele tomava banho. 

A porta se abriu e ele entrou. Usava uma bermuda jeans e uma regata. Estava descalço. Eu sabia que quando ele estava de tênis, usava uma órtese para ajudar com o equilíbrio. Mas em casa Gabo estava sempre descalço. Ele não usava chinelos, pois seus pés tinham pouca sensibilidade e eram tortos. Descalço ele ficava mais a vontade. 

Caminhou até mim e se sentou.

- Minha mãe perguntou se quer jantar.

- Sim. Estou morta de fome.

- Imaginei.

Ele mal fechou a boca e dona Fátima entrou trazendo dois pratos de comida. Arroz, feijão preto, costelinha e salada de maionese.

Nos entregou os pratos e depois trouxe dois copos com limonada.

Eu me sentia desconfortável dela colocar comida para mim, mas ela dizia não se importar e não deixava que eu colocasse.

O cheiro estava maravilhoso e eu comi a primeira garfada apreciando o tempero delicioso da minha sogra. Ela cozinhava muito bem. Quando acabamos de comer, fomos os dois para o banheiro, Gabo escobvou os dentes e eu também. Observei que no lixo havia uma fralda geriátrica. Não quis perguntar para ele. Decerto era de sua tia. Eu nunca havia visto uma ali. Gabo pegou um potinho que havia numa prateleira e me chamou para o quarto.

Me sentei na cama ao lado dele e ele suspirou.

- Vou te contar agora, tudo sobre mim. 

- Sou toda ouvidos.

- Você já sabe que nasci com mielomeningocele, e que quando nasci os médicos disseram para minha mãe tentar ter outro filho, por isso ela teve o Breno?

- Sim.

- Sabe também, que ela assinou um termo de responsabilidade e me tirou do hospital?

Eu sabia que era uma pergunta retórica e não respondi.

- Ela correu comigo para um hospital aqui no Rio, ele estava em greve e não queriam nos atender. Mas ela disse que se eu morresse a culpa era deles. Assim os médicos descobriram que eu também tinha hidrocefalia. Fiz várias cirurgias a partir daí. Disseram que eu não iria andar, que seria um vegetal. Mas eis- me aqui...

- Até aqui eu já sabia...

- Eu sei. Essas cirurgias foram para colocar a minha coluna vertebral para dentro da pele, corrigir os meus pés, que eram ainda mais tortos, entre outras coisas. Fiz uma também para criar um orifício. 

Ele abriu o potinho.

- Está sonda serve para tirar urina por ele.

- Deixa eu ver?

- A sonda?

- Sim.

- Não. Depois eu deixo. Vou continuar a história.

- Tá.

- Sabe que não gosto que responda assim.

- Desculpa amor.

- A mielo me deixou com muitas sequelas. Uma delas é a incontinência...urinária e intestinal, então eles fizeram uma cirurgia para correção, eles uniram os dois intestinos na tentativa de resolver o problema, mas deu errado. Ainda elimino urina pelo pênis.

- E...

- Eu uso o vaso sanitário Maria Luiza.

Fiquei em silêncio. Quando ele me chamava assim era por que estava aborrecido. Ele mal me chamava de Malu. 

- Pelo menos para defecar. Mas a urina sai...então eu tenho que...

- Usar fraldas.

- Isso.

- Eu vi uma no lixo do banheiro.

- Parte da urina eu retiro com a sonda.

Ele ergueu a regata e me mostrou o orifício da sonda. De quebra vi a pontinha da fralda.

- Isso não é o pior.

- Sabe que isso não muda nada né?

- Mas tem mais.

Ele se levantou e trancou a porta do quarto. Me olhou nos olhos e começou a tirar a bermuda e a fralda. Então seu pênis surgiu. Minha boca se encheu de água ao ve-lo nu, da cintura para baixo. Ainda que não estivesse excitado.

- Eu não tenho tanta sensibilidade no meu pênis, por isso é bem complicado ter uma relação sexual.

- Já teve alguma?

- Já. Várias.

Não gostei muito de ouvir aquilo.

- Mas no geral não é tão simples. Eu sou muito visual. Eu preciso te ver, te tocar e você também precisa me tocar. E...

- E?

- O sexo oral ajuda bastante. Porque senão eu não...

- Tá, já entendi.

Estiquei minha mão para tocar ali e quando o fiz, Gabo fechou os olhos.

Eu me levantei e passei a beijar sua boca. Me livrando de sua regata. Ele estava nu para mim. O beijei novamente e ele quebrou o beijo.

- Melhor não Malu...

- Só quero ver até onde podemos chegar...

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Mielomeningicele: Doença congênita que faz com que um bebê nasça com a coluna vertebral pra fora da pele, e o nome quer dizer "mel que veio do céu".

Ortese: tipo de aparelho externo usado para imobilizar ou auxiliar os movimentos dos membros ou da coluna vertebral.

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