Lyanna caminhava pelo corredor, ainda tentando se livrar da sensação estranha que sentira na sala. Mas assim que virou a esquina e viu Darian vindo em sua direção, tudo se dissipou como fumaça.
Ele caminhava com passos firmes, a mochila jogada por um ombro, os olhos presos nela. O cheiro suave, a presença forte e serena… tudo nele fazia seu coração bater descompassado e o ar parecer mais leve. Do outro lado do pátio, Emma, sua melhor amiga desde a infância, observava a cena com um sorriso de canto. Emma sabia. Tinha visto os olhares da amiga e a mudança no tom de voz quando falava do novo aluno. E mesmo curiosa, decidiu manter distância naquele instante. Aquele momento era dela. Darian se aproximou, parando a poucos passos. — Oi… Lyanna, né? — perguntou, com um meio sorriso. Ela sentiu o estômago revirar de leve. — Sou eu. E você é… Darian. — Isso. — Ele ergueu a folha de inscrição. — Tô meio perdido. Cheguei essa semana e achei que devia pegar o conteúdo do começo do ano. Me disseram que você é a melhor aluna daqui. Ela corou levemente, desviando os olhos por um segundo, antes de sorrir. — Ah… sou dedicada só. Mas claro, posso te ajudar. Quer… sentar no jardim? É mais tranquilo. Darian assentiu. A verdade é que pouco lhe importavam as matérias. Estar perto dela, naquele momento, era o necessário. Enquanto eles se afastavam conversando, Emma cruzou os braços e sorriu. — Vai, garota! — murmurou baixinho, se virando para dar espaço. Do alto da janela da sala de aula, a professora Margaret os observava, os olhos brilhando de ódio e frustração. O jardim da escola era um refúgio escondido entre as construções de concreto. Um espaço com bancos de madeira, árvores altas e flores silvestres que Lyanna sempre amou. O cheiro suave de terra molhada e pétalas flutuava no ar. Sentados num dos bancos, Darian e Lyanna conversavam. Ela explicava as matérias com facilidade, rindo ao descrever as manias dos professores e contando pequenos detalhes da rotina da escola. Havia uma leveza nela que Darian não conseguia explicar. Como podia se sentir tão calmo, tão… certo, ali ao lado dela? Ele a ouvia, mas na maior parte do tempo, sua atenção estava presa nos pequenos gestos dela: a maneira como o cabelo caía sobre o rosto e ela o ajeitava atrás da orelha, a forma como seus olhos verdes se iluminavam quando falava de poesia, e aquele leve rubor nas bochechas quando ele a elogiava. Darian se pegava querendo… protegê-la, cuidar dela, manter o mundo afastado. Mas o que era aquilo? Instinto? Dever? Ou algo além? Foi então que o som de passos apressados se aproximou, e Kyle, o ex-namorado de Lyanna, passou pelo caminho. Ele lançou um olhar venenoso para Darian e depois para ela. — Vejo que você não perde tempo, Lyanna. Trocou bem rápido. O tom carregado de raiva e inveja fez Darian se erguer meio centímetro no banco, o maxilar tenso. Os olhos profundos faiscaram. “Se ele tocá-la, eu arranco o braço.” Mas Lyanna, tentando manter a compostura, apenas sorriu sem graça. — Vai cuidar da sua vida, Kyle. A nossa história já acabou. Kyle bufou, lançou mais um olhar fulminante para Darian e seguiu o caminho. Darian o acompanhou com o olhar até ele sumir pelo corredor. Era mais um inimigo. De outro tipo, mas ainda assim um risco. — Quer que eu dê um jeito nele? — Darian perguntou em tom leve, mas com um brilho perigoso nos olhos. Lyanna riu, sem perceber a seriedade oculta naquela frase. — Não. Deixa ele. Ele não vale o esforço. E naquele instante, sob a luz dourada do entardecer, Darian soube. Ele não podia mais negar. Não era só o dever. Era ela. A conversa entre eles fluía de forma fácil, como se já se conhecessem há anos. Lyanna falava das poesias que gostava de escrever e dos livros antigos que lia escondida no sótão de casa. Darian ouvia cada palavra, mas seus sentidos continuavam atentos, como um predador em território estranho. Enquanto ela gesticulava animada, os olhos dele, por vezes, se desviavam para a janela do corredor. Lá dentro, atrás do vidro, a professora Margaret caminhava de um lado para o outro em sua sala vazia. Mas o modo como ela se movia… havia algo ali. Algo não humano. Darian observou os gestos dela, os pequenos detalhes: o jeito como ela fechava as cortinas como se temesse a luz direta, o modo estranho como os dedos dela se alongavam sutilmente quando achava que ninguém via. Os olhos, por instantes, refletindo um brilho amarelo esverdeado, como olhos de fera no escuro. Qual era a espécie dela? Ele tentava decifrar. Os anos o ensinaram a identificar demônios, licantropos, corrompidos… mas aquilo parecia diferente. Uma criatura ancestral, talvez da linhagem das sombras metamórficas, ou uma variação degenerada de súcubo. O cheiro era doce, mas podre ao fundo, e a aura pesada. Ela notou o olhar de Darian e, mesmo à distância, lançou-lhe um sorriso disfarçado, porém repleto de veneno. Darian disfarçou, voltando a olhar para Lyanna, que o fitava, curiosa. — O que foi? Tá me ouvindo? — ela perguntou, com um sorriso suave. Ele sorriu de leve. — Desculpa… me distraí com o pôr do sol. Lyanna olhou para o céu alaranjado, sem desconfiar. Ele, porém, sabia. Aquilo não acabaria ali. Margaret faria outra investida. E ele precisava descobrir o que ela era antes que alguém se ferisse. Mas naquele instante, ouvindo a risada leve de Lyanna e o modo como seus olhos brilhavam refletindo a luz dourada, Darian fez algo que não fazia há anos. Permitiu-se relaxar. Nem que fosse por um breve segundo.