A campainha soou, e a turma se ajeitou nas carteiras enquanto a porta da sala se abria. A professora Margaret entrou, como fazia há anos. Uma mulher magra, de aparência rígida, com os cabelos castanhos presos em um coque impecável no alto da cabeça. Usava óculos de aro de tartaruga e roupas sóbrias e antiquadas, tão discretas que quase se misturavam às paredes da sala.
Darian observou enquanto ela caminhava até a mesa, empunhando uma pilha de papéis. Mas ao contrário dos outros estudantes, não enxergava só a figura da professora. Ele sentiu. O ar ao redor dela era diferente, carregado de uma energia disfarçada, como se algo se ocultasse sob aquela pele humana. E então, por um breve segundo, quando ela passou diante dele, os olhos de Darian captaram — garras. Longas, finas, que se retraíram instantaneamente quando ela percebeu ser notada. E as presas, pequenas e afiadas, reluziram antes de se esconderem de novo atrás de um sorriso falso e amável. Lyanna estava distraída, rabiscando corações e palavras em seu caderno, completamente alheia ao que se passava. Darian manteve a expressão impassível, mas por dentro, cada músculo se preparava para o ataque. Ele sabia reconhecer uma ameaça disfarçada quando via uma. E o mais preocupante era o fato de ela estar ali há tanto tempo, tão próxima de Lyanna, sem que ninguém jamais suspeitasse. A professora Margaret lançou um olhar breve para Lyanna, e naquele instante, o instinto protetor de Darian rugiu silenciosamente dentro dele. A caçada tinha começado. A professora Margaret começou a distribuir as folhas de atividade, andando lentamente pela sala. Cada passo dela parecia ecoar nos ouvidos de Darian, e a raiva subia como um incêndio dentro do peito. Por fora, ele mantinha a postura calma, quase entediada, como qualquer outro aluno. Mas por dentro, sentia o sangue ferver. Como ousava? Como ousava se aproximar dela, mascarada sob aquela aparência frágil e respeitável, quando ele estava ali, jurado a protegê-la? Darian inspirou fundo, tentando conter o ímpeto. Mas sua mão, fechada em punho sob a carteira, encontrou o lápis. Sem perceber, apertou-o com tanta força que a madeira cedeu, partindo-se ao meio com um estalo seco. Ninguém ouviu. Exceto a professora. Os olhos dela, castanhos e estreitos, desviaram rapidamente para ele. Por um instante, a máscara caiu. Ela havia sentido. Sabia que algo nele era errado. Ou… perigoso. Mas ainda não tinha certeza. Darian ergueu os olhos e sustentou o olhar dela, frio, impenetrável. Margaret forçou um sorriso falso e seguiu distribuindo as folhas, mas a tensão no ar era quase palpável. Enquanto isso, Lyanna estava distraída, com os olhos baixos, desenhando no canto da folha o nome “Darian” cercado de corações. Ela sequer notava os olhares carregados que passavam por cima dela, nem a corrente de energia que pairava sobre aquela sala. Para ela, o mundo era cor-de-rosa. Para Darian, era a iminência de guerra. E ele sabia… aquilo era só o começo. O sinal soou ao final da aula, e os alunos começaram a se levantar, pegando mochilas e cadernos, enquanto a professora Margaret organizava os papéis na mesa. Lyanna estava distraída demais, ainda pensando no novo aluno ao seu lado e no jeito como ele parecia tão… familiar. Foi quando a voz da professora ecoou pela sala: — Lyanna, querida. Poderia ficar um instante? Gostaria de conversar com você. A garota ergueu os olhos, surpresa, mas sorriu de leve, achando natural. Margaret demonstrara interesse por ela desde sempre. Ninguém nunca estranhou. Afinal, quem não gostava de Lyanna? Darian, no entanto, sentiu os músculos enrijecerem. Aquilo não era um convite inofensivo. Era uma armadilha. Os outros alunos saíram, e Darian fez questão de ser o último a deixar a sala. Mas antes de passar pela porta, lançou um olhar rápido para Lyanna. Ela retribuiu o olhar e sorriu, inocente, sem saber o perigo que rondava. Margaret fechou a porta e sentou-se à beira da mesa, cruzando as pernas. — Você tem se sentido… diferente, ultimamente, Lyanna? Algum sonho estranho? Algo que não consiga explicar? A garota riu, desconcertada. — Não… Bem, só algumas coisas comuns. Sonhei com um dragão outro dia. Mas deve ser porque assisti um filme antigo com meu pai. Margaret arqueou as sobrancelhas, analisando cada expressão da jovem. Ela não sabia, a garota não fazia ideia do que carregava dentro de si. Isso complicava as coisas. Mas Margaret precisava ter certeza. — Dragões? Que curioso. E como era esse dragão, Lyanna? Do lado de fora, Darian, encostado na parede do corredor, ouvia cada palavra, o sangue fervendo. O instinto gritava para arrombar a porta e tirar Lyanna dali, mas sabia que precisava se conter. Se agisse agora, revelaria sua natureza. E ainda não era o momento. A raiva queimava, ardia como fogo sob a pele. Eles não sabiam. Nenhum deles. Nem Margaret. Nem as criaturas à espreita. Ninguém havia percebido que a esfera não estava escondida… ela havia se tornado Lyanna. E se descobrissem, seria tarde demais. Lyanna ajeitou uma mecha de cabelo atrás da orelha, desconfortável com a pergunta. Havia algo no olhar da professora Margaret que lhe causava um leve arrepio, embora não soubesse explicar o motivo. Ela forçou um sorriso e respondeu de forma casual: — Ah… não lembro direito. Era só um dragão grande, eu acho. As asas eram enormes… — ela hesitou, sentindo que a boca queria continuar, que havia mais a dizer, mas algo dentro dela — uma voz, talvez instinto — a impediu. —Era só um daqueles sonhos esquisitos, sabe? De batalha, fogo… coisa de filme antigo. —completou, dando de ombros. Margaret manteve o sorriso, mas por dentro a impaciência crescia. Sabia que Lyanna escondia algo, ou talvez nem ela própria soubesse o que tinha. Era sempre assim… a esfera antiga deixava marcas. E a professora precisava descobrir. Ela se inclinou um pouco, com a voz doce, mas carregada de veneno. — Você devia tentar se lembrar, querida. Os sonhos às vezes nos mostram… quem realmente somos. Lyanna sorriu, desconcertada. Sentia o coração bater mais rápido, sem razão aparente. Um desconforto que não sabia nomear. Ela mexeu na pulseira que usava e, sem perceber, olhou pela janela. Foi então que seus olhos encontraram os de Darian, parado do lado de fora, casualmente encostado no batente da janela do corredor. Ele estava calmo, mas o olhar dizia tudo. Cuidado. O peito de Lyanna apertou. Não sabia por que, mas ver Darian ali fez a tensão diminuir, como se uma presença invisível a envolvesse em segurança. Como se, de alguma forma, estivesse protegida. Ela respirou fundo e sorriu para a professora. — Bem… eu preciso ir, minha mãe me espera. Posso ir? Margaret cerrou os dentes, mantendo a máscara. — Claro, querida. Vá. Até amanhã. Lyanna se levantou rápido, pegou o material e saiu da sala, passando por Darian no corredor. Sentiu o perfume suave dele e, sem saber o motivo, o coração acelerou.