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Convite para a caçada

A manhã seguinte amanheceu clara e gelada. O céu azul se estendia sobre a cidade como um lençol limpo, e o ar tinha aquele cheiro fresco de folhas úmidas e café recém-passado.

Lyanna caminhava pelos corredores da escola equilibrando os livros contra o peito. Seus olhos verdes ainda carregavam o peso do pesadelo da noite anterior, mas o som dos colegas, os gritos animados no pátio e a conversa alta nas salas de aula ajudavam a espantar a sensação incômoda.

Foi quando Emma, sua melhor amiga desde os onze anos, surgiu ao seu lado como quem não queria nada.

— Bom dia, apaixonada. — provocou com um sorrisinho malicioso.

Lyanna fez uma careta, mas não conseguiu evitar o rubor que tingiu suas bochechas.

— Para com isso, Emma. Nem conheço o cara direito.

— Conhece o suficiente pra ficar babando nele desde o primeiro “oi” — Emma respondeu, passando o braço pelos ombros dela. — E aquele sorriso? Aqueles olhos? Lyanna, por favor, o cara parece ter saído de um livro de fantasia. Se eu não te conhecesse, diria que você tá caidinha.

Lyanna mordeu o lábio, disfarçando o sorriso. Não sabia explicar o que sentia quando olhava para Darian. Era mais do que atração. Mais do que interesse. Era uma espécie de saudade de algo que ela nem sabia que tinha perdido.

— Ele é… diferente.

— Hum. Diferente. E bonito pra caramba. — Emma riu.

Enquanto elas caminhavam, não perceberam de imediato a figura que as seguia a poucos metros.

Kylle

O ex-namorado de Lyanna.

Os olhos escuros fixos nela, o maxilar travado, os punhos fechados dentro dos bolsos da jaqueta. Desde o término no ano passado — depois de meses de brigas, crises de ciúme e desconfianças — ele nunca aceitara o fim.

E agora, ver Lyanna sorrindo assim, falando de outro cara, despertava nele um ressentimento amargo.

Ele se aproximou de leve, forçando um tom casual:

— Lyanna… Ei. Você sumiu. Tava pensando em passar na sua casa ontem à noite.

Ela se virou, o sorriso se desfazendo instantaneamente.

— Kylle, já conversamos sobre isso. Eu pedi pra você respeitar o meu espaço.

Emma arqueou a sobrancelha, já pronta pra intervir.

E foi nesse instante que Darian surgiu no final do corredor. Ele não ouviu a conversa, mas bastou ver o jeito como kylle se colocava à frente de Lyanna e o desconforto no rosto dela pra sentir o velho instinto crescer.

Aquele mesmo calor protetor que o acompanhava desde antes de ter forma humana.

Os olhos dourados de Darian brilharam sutilmente por um segundo antes dele caminhar até elas.

— Tudo certo por aqui? — perguntou, com a voz firme e o olhar pousando diretamente em Kylle.

Kylle mediu Darian de cima a baixo, o peito inflando.

— Tá sim. Só conversando com a Lyanna. — falou, forçando um sorriso cínico.

Lyanna se afastou um passo.

— Vou indo para a sala. Vem, Emma.

Ela puxou a amiga pelo braço, e as duas passaram por Darian.

Darian ficou parado ali, observando Kylle se afastar pelo corredor com raiva nos olhos. Ele sabia — aquele garoto seria um problema. Mas algo dizia que os perigos rondando Lyanna eram muito maiores do que o ex ressentido.

Muito maiores.

A sala estava cheia do burburinho matinal. Alunos ajeitando cadernos, conversas animadas sobre o jogo do final de semana e as inevitáveis fofocas sobre os novos alunos.

Lyanna sentou-se em seu lugar habitual, com Emma logo atrás, ainda rindo da conversa no corredor. Darian ocupava a carteira ao lado da janela, observando tudo em silêncio, atento a cada movimento, a cada sinal.

Foi então que a porta se abriu.

A professora Margaret entrou com seu passo rápido e preciso, os cabelos castanhos presos em um coque firme, óculos de aro tartaruga repousando sobre o nariz e o blazer bege impecável, como sempre.

Ela carregava uma pasta contra o peito e, mesmo com a expressão neutra, seus olhos castanhos varreram a sala até pousarem em Lyanna.

— Muito bem, turma. Silêncio. Vamos começar.

As conversas cessaram.

Margaret deixou a pasta sobre a mesa e apoiou as mãos sobre ela.

— Antes de mais nada… quero lembrar a todos sobre o trabalho que passei semana passada. Aqueles que não entregaram vão perder ponto.

Ela fez uma breve pausa, os olhos se estreitando quando se fixaram novamente em Lyanna.

— Lyanna, você trouxe o seu, querida? — perguntou num tom doce, que soava falso aos ouvidos atentos de Darian.

Lyanna, como sempre impecável, retirou o caderno da mochila e uma folha organizada.

— Sim, professora. — respondeu com um leve sorriso, estendendo o trabalho.

Margaret caminhou até ela, pegou a folha e lançou um olhar rápido, como se já soubesse que estaria perfeito.

— Excelente, como sempre. — elogiou, mas havia algo mais no tom. Um interesse disfarçado de admiração. — Você é uma aluna muito dedicada. Eu… gosto disso.

Darian, do canto da sala, observava cada movimento. Algo naquele jeito de Margaret o incomodava profundamente. O modo como ela se dirigia a Lyanna era gentil demais, interessada demais… como uma predadora estudando sua presa.

Então, Margaret voltou-se para a turma e pigarreou.

— Tenho uma notícia para vocês. — anunciou. — Finalmente saiu a aprovação da excursão da turma de literatura. Vamos passar o próximo final de semana em uma pousada histórica fora da cidade. Uma viagem educativa, claro. A pousada tem mais de duzentos anos e está cheia de relíquias e histórias antigas. Um prato cheio pra quem gosta de lendas.

Houve um burburinho animado entre os alunos.

— Vai ser demais! — murmurou Emma atrás de Lyanna.

Darian, porém, ficou tenso. Sentiu a aura da professora mudar por um breve instante. Aquela viagem não era um simples passeio escolar. Ele sabia.

Margaret olhou novamente para Lyanna.

— Espero muito que você participe, Lyanna. Eu adoraria que você estivesse conosco. Vai ser… especial.

Lyanna, sem notar a sutileza, sorriu com educação.

— Claro, professora. Parece divertido.

Margaret assentiu satisfeita e voltou à mesa, mas não antes de lançar um olhar discreto para Darian, tentando decifrá-lo.

Ele, impassível, manteve o olhar fixo nela, como quem desafia. Seus dedos apertaram o lápis, rachando novamente a madeira com facilidade.

A caçada estava armada. E ele não permitiria.

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