capítulo IV

Eu só podia estar ficando louco, trazer duas desconhecidas para casa. E como se isso já não bastasse fui baleado e levei uma bela cabeçada.

Tinha sido um dia de cão, a partir do momento em que sai de casa para ir atrás de Mag era como se toda minha vida tivesse saído do controle e eu só me fodi.

Depois que aquela mulher de olhos perturbadores se foi eu pude respirar em paz, pois graças a sua presença no quarto era ficasse até difícil de respirar. Eu não era dado a carícias e cuidados, mesmo assim deixei que ela o fizesse.

Se o Doutor estivesse aqui, seriam os pontos rápidos e secos enquanto eu resolveria coisas no telefone como sempre, depois tomaria um banho e iria para minha cama. Mas por algum motivo eu deixei que ela cuidasse de mim, cheia de frescuras e preocupação, não era sempre que se conseguia isso por aqui.

Mas eu tinha que assumir, ter as mãos dela sobre mim era muito melhor do que de um médico bruto.

Deixei que meu corpo relaxasse e se não fosse graças aos remédios com toda certeza não dormiria naquela posição de merda. Mas eu o fiz, do jeito que ela me deixou eu peguei no sono, só para ter visões durante a noite com seus olhos grandes e castanhos.

Acordei de manhã como se um trator tivesse passado em cima de mim, com certeza a morfina já tinha acabado e seu efeito havia passado.

Dando por encerrado tudo aquilo puxei a agulha que estava enfiada em minha veia e me levantei, sentindo o corpo reclamar um pouco, especialmente quando me curvei para levantar, mas sai daquela cama voltando para minha rotina.

Subi até meu quarto e tomei um bom banho, até sentir minhas forças revigoradas, troquei meus curativos da melhor forma que consegui e desci para tomar meu café, enquanto lia as informações que Bob tinha conseguido sobre elas em tão pouco tempo.

Aparentemente as duas eram pessoas comuns, com trabalhos e vidas de merda, mas que até ontem viviam em paz, sem nenhum envolvimento com a polícia ou algo do tipo, mas eu iria esperar por mais detalhes.

Me encaminhei para o escritório que tinha em casa, enquanto não conhecesse cada pedaço do passado e o presente dessas garotas não as deixaria sozinha com Mag, cuidaria de todo o trabalho de casa.

Horas depois enquanto lia alguns relatórios ouvi a gritaria que afirmava que as mulheres na casa tinham acordado.

— Bom dia. — Cumprimentei entrando na sala de jantar e notando que apenas Mag e Ane estavam sentadas a mesa.

— Bom dia, maninho.

— Bom dia, garotão. — Ane provocou, as duas deram uma risadinha cúmplice que eu não compreendi, nem fiz questão de tentar entender.

— Gabriela não acordou ainda? — acabei soltando a pergunta por curiosidade.

— Não, por quê? — sua amiga questionou sem pestanejar e eu me arrependi, pois rapidamente elas pareciam interessadas de mais.

— Ela ainda não acordou, mas você pode ir até o quarto acordá-la como ontem. Só cuidado com as cabeçadas. — Mag falou tentando parecer séria e gargalhando no final. — Ela está no último quarto do lado esquerdo.

Mag e as piadas eu já estava acostumado, agora ela tinha arrumado uma amiga e as duas tinham acordado alegres de mais para o meu gosto.

Saí de lá decidido a ignorá-las e me concentrar no trabalho pelo resto da manhã. Tinha muita coisa para resolver e estar longe do escritório só ia fazer meu dia menos produtivo.

Estava em uma vídeo conferência com alguns investidores quando bateram na porta, as pessoas dessa casa sabiam bem como as coisas funcionavam, se eu não liberasse a entrada é porque estava muito ocupado e não deveriam me interromper. Mas bateram de novo e de novo.

— Perdão senhores, vamos ter que terminar isso mais tarde. Preciso resolver algo urgente agora. — Minha voz soou mais contida do que eu realmente estava naquele momento.

Desliguei a chamada e me levantei já preparado para cuspir fogo em quem tinha atrapalhado minha negociação, era bom que fosse realmente urgente ou cabeças iam rolar. Cheguei à porta antes da quarta batida. Gabriela!

— Bom dia... — murmurou constrangida ainda com o punho erguido para a batida e um sorriso amarelo estampado.

— O que você quer? — se ela estava procurando cortesia tinha vindo no momento errado.

— Eu só queria olhar seus pontos e talvez conversar sobre toda essa situação. Quando você acha que podemos voltar pra casa? Ou até mesmo onde posso arrumar um emprego na cidade e deixar tudo para trás?

Ela queria conversar? Jogar conversa fora? Só podia ser brincadeira! Eu não estava com tempo agora e havia acabado de perder horas de negociações com aqueles homens, para ela chegar e acabar com tudo.

— Eu tenho coisas mais importantes no momento para resolver, volte só quando eu disser que pode.

Ela me encarou chocada como se tivesse levado um tapa, mas não se deixou abater por muito tempo, vestindo uma expressão fria, com os olhos semicerrados.

— Só se certifique de estar sem as ferraduras quando for falar com as pessoas! —bradou erguendo a sobrancelha e sustentando meu olhar.

Garota petulante, com quem ela pensava que estava falando?

— É melhor medir suas palavras, não se esqueça de que está na minha casa! —Rosnei enquanto a observava se afastar.

— Não seja por isso, eu saio hoje mesmo seu estúpido! — ela parecia pronta para me matar, seu olhar transbordava fúria, mas sua postura a estava negando pois cada vez que eu chegava mais perto ela se afastava.

Gabriela estava claramente incomodada com o que eu falei, mas era orgulhosa de mais para deixar transparecer em seu semblante.

— Além de ingrata é mal-educada! — Murmurei dessa vez sem tanta vontade de atingi-la, não gostei de ver que ela estava se sentindo acuada, mas sabia que era necessário. Ontem as coisas tinham fluido de forma tão fácil entre nós e agora eu sentia uma necessidade de afastá-la.

Enquanto ela fugia mantendo os olhos presos aos meus notei que estava alheia a tudo a sua volta e não havia se dado conta do vaso que se encontrava no seu caminho. Eu poderia deixá-lo quebrar, não era tão valioso assim, mas ela poderia cair e se machucar, e isso eu não permitiria.

Então assim que ela tropeçou sobre o vaso me lancei para segurá-la. Meu braço direito rodeou sua cintura com firmeza e rapidamente afastei o vaso com o outro. Meu corpo reclamou pela posição, especialmente o local dos pontos recentes, mas não a soltei.

Mesmo a segurando firme contra meu corpo suas mãos se agarraram às lapelas do meu terno com força, como se para garantir que eu não a deixaria cair. Isso não aconteceria!

Ergui meus olhos de suas mãos em busca de seus olhos, querendo passar para ela segurança, mas acabei perdido na imensidão marrom, linda e tão expressiva. Gabriela me olhava tão intensamente que me incomodava, era como se quisesse descobrir meus segredos mais profundos.

Não pantera, você não vai querer entrar ai! Não vai querer ver as trevas e todos os demônios que carrego dentro de mim.

Franzi minha testa na tentativa de intimidá-la e afastar seu olhar, mas assim como na noite passada ela olhou para o vinco em minha testa, como se estivesse atenta a cada mudança de expressão em meu rosto que mesmo algo tão banal ganhava sua atenção.

Mas do que eu podia falar, estava igualmente preso a todas as nuances, detalhes e mudanças em seu rosto.

— Oh! — Mag e Ane exclamaram nos tirando da nossa bolha e trazendo de volta a realidade.

Estava tão concentrado na mulher em meus braços que não tinha escutado elas se aproximando.

— O que aconteceu aqui? — Ane questionou quando me viu erguendo Gabriela em seus pés novamente.

— Não seja curiosa Ane. — Mag disse insinuando algo com a voz. — Deixa eles juntos aí, vamos.

— Sua amiga tropeçou no vaso e eu a peguei antes que caísse e o quebrasse. — expliquei, enquanto alinhava novamente meu paletó e forçava uma carranca para camuflar a dor que espalhou quando me voltei a ficar ereto.

— Você só estava preocupado com o vaso? Tanto que a manteve colada em você? Estou vendo.

— Magie! — rosnei irritado com aquela situação e com as insinuações dela, a última coisa que precisava agora era esse tipo de perda de tempo. — Vou trabalhar e espero que agora não me interrompam mais.

Passei o restante da manhã resolvendo coisas da empresa, contratos para avaliar e fechar. Mal me dei conta da hora até que Mag me arrancou do escritório para almoçar, meus olhos estavam cansados de tanto tempo diante do computador e lendo papéis, o que me fez agradecer por sua distração, ainda mais por serem raras às vezes em que eu conseguia passar o dia em casa e aproveitar sua companhia.

— Deus Gabriela, você vai morrer de fome se continuar comendo assim. — Mag reclamou me chamando a atenção.

Não tinha conseguido deixar de notar como ela havia chegado de mansinho a mesa e se sentado encarando a comida sem muito ânimo e não colocou praticamente nada no prato.

Jenna era uma ótima cozinheira e eu duvidava que ela teria comido algo melhor na sua vida toda.

— Não estou com fome. — Gabriela murmurou em resposta enquanto espalhava com o garfo a pouca comida que tinha colocado no prato.

— E não estava no café da manhã também. — Sua amiga disse se juntando a Mag.

— Ótimo, agora eu tenho duas fiscais? — ela questionou irritada.

Já tinha notado que ela não gostava que se intrometessem em sua vida, e muito menos de ser questionada. Tinha pensado que fosse apenas reação ao estresse que ela havia passado, mas agora via que era algo natural dela.

Antes que eu percebesse estava encarando ela comer, comia tão devagar, quase como se não quisesse, sem nenhum interesse pelo que estava a sua frente.

Por que diabos eu estava reparando tanto nessa garota? Me perguntei, mas antes que eu entrasse em uma discussão comigo mesmo tentando justificar minha atitude, fui interrompido por uma ligação, que sendo de quem era e a essa hora do dia significava más notícias.

— Alô? — atendi já cansado, antes mesmo de saber o que era.

— Chefe, temos um problema. — Como eu tinha previsto.

— O que aconteceu agora Tony?

— O nosso carregamento foi interceptado pela polícia. Perdemos tudo.

— Mais que porra! — esbravejei me esquecendo que estava na mesa rodeado de mulheres. — Pegaram algum dos nossos homens?

— Não senhor... eles jogaram a van contra um muro explodindo tudo assim que viram a viatura. A polícia conseguiu pegar apenas o que sobrou da carga, mas dos nossos homens não restou nada.

— Inferno! — praguejei e me controlando ao máximo para não socar a mesa. — Quero os nomes de quem estava levando aquele carregamento, estou indo até aí.

— Ok senhor.

Esse tipo de coisa não costuma acontecer, sempre calculamos as rotas antes de trazermos algum carregamento para dentro da cidade, sempre usamos as estradas mais desertas. Ter uma batida policial ali e meus homens não terem sido avisados era muito estranho, tínhamos um informante para isso, para prevenir esse tipo de coisa. A perda do carregamento não só ia me trazer dor de cabeça como chamar atenção para onde não queríamos.

— Vou ter que sair para resolver algumas coisas Mag. — falei voltando a me acalmar, ao menos por fora.

— Está tudo bem?

— Sim. — Enquanto encarava minha irmã senti os olhos de Gabriela queimarem em mim, então sem aviso me virei para intimidá-la. Meu show na mesa e o olhar duro não pareceram ter efeito sobre ela, já que a mulher sustentou meu olhar com a mesma intensidade. — Não sei a que horas volto, se forem sair já sabe, não é?

— Como se você me deixasse esquecer. — Mag resmungou revirando os olhos como a garota mimada que era.

— Ótimo. — Dei um beijo em sua testa me despedindo. — Tenham um bom dia. —Desejei já indo em direção à porta, mas não sem antes notar que apenas Ane se dignou a responder.

Só consegui voltar para casa por volta de meia noite, estava cansado, com fome, dor no corpo, a cabeça explodindo e puto, muito puto com tudo o que aconteceu.

Pelas nossas investigações a batida tinha sido surpresa até mesmo para os policiais, a justificativa era que há muito tempo não havia uma fiscalização no local. Não engoli muito bem isso, não acreditava que as coisas aconteciam ao acaso.

Nos registros dos carregadores constava que estavam há um bom tempo comigo e como todos os outros não tinham família. Essa era uma das minhas exigências, não queria ninguém com família se ferrando por minha causa, sabia bem o sentimento de crescer sem os pais e não queria isso para ninguém.

Os homens beberam em sua memória e contaram histórias sobre os dois por boa parte da noite, quando não aguentei mais meu corpo reclamando decidi vir embora.

Entrei na cozinha apertando minhas têmporas em uma tentativa inútil de aplacar a dor, mas assim que ergui a cabeça tive uma visão maravilhosa.

Gabriela estava com a geladeira aberta a procura de algo e sua bunda estava empinada para cima acenando pra mim, o conjunto da obra era ela descalça, com um short preto curto e uma regata branca, quase transparente.

— Assaltando a geladeira? — minha voz a fez dar um pulinho para trás, o que me deu vontade de rir pela primeira vez naquele dia.

— Que merda. — Reclamou com a mão no peito quando se virou para me olhar. — Estava pegando um pouco de água.

Apenas a encarei enquanto me livrava do terno. Gabriela era sem dúvida uma mulher linda, com um corpo esguio e com curvas nos lugares certos. Os cabelos longos castanhos sempre soltos e selvagens eram uma moldura perfeita para o rosto que transparecia força e sensualidade. Isso sem falar naqueles olhos, que pareciam me hipnotizar a ponto de me fazer esquecer por um tempo qualquer coisa a minha volta.

Minha comparação mental era sempre de uma pantera, poderosa, sexy e letal. Podia parecer errado pensar assim, mas sua influencia latina aumentava esse seu lado de sensualidade e poder.

Ela me observava na mesma medida, atenta a tudo que eu fazia. Eu adoraria perder o resto da noite conversando ou até mesmo fazendo obscenidades com ela em cima daquele balcão, mas não queria ter de lidar com ninguém agora, estava com um humor pior do que pela manhã, o estresse e a dor estavam me consumindo.

— Tudo bem? — perguntei arqueando uma sobrancelha, torcendo para que ela entendesse o recado e se mandasse da cozinha o mais depressa possível.

Gabriela piscou rapidamente parecendo constrangida por ter sido pega me olhando, ela se limitou a concordar com a cabeça voltando à atenção ao copo de água.

— Jenna deixou o seu jantar na geladeira. — Ouvi sua voz baixa falar depois que me viu abrir várias portas em busca de algo para comer. — Você trocou os curativos? Posso dar uma olhada neles se quiser.

Era a segunda vez no dia que ela se oferecia para cuidar do meu ferimento, já deveria ter aceitado e deixado que ela fizesse o seu trabalho, mas a ideia de ter suas mãos sobre mim como ontem no estado que eu me encontrava não era a melhor coisa. Eu sabia bem o tipo de pessoa que me tornava quando nada saía como planejado e ter perdido o controle na minha vida por dois dias seguidos tinha me levado ao limite.

Olhei de relance e não consegui desviar os olhos dela quando levou o copo à boca, me concentrei em como seus lábios se abriam, a forma sedenta que tomou a água e continuei com minha análise acompanhando o descer de sua garganta, meus olhos indo até seus seios.

Diabos, ela estava sem sutiã, percebi no momento em que seus mamilos ganharam vida sobre a regata fina, como se me saudassem.

Agora era eu quem estava sedento! Inferno precisava transar, parecia um adolescente tarado.

— Estava trabalhando até agora? — Ela questionou me tirando dos meus pensamentos, quando viu que não fiz menção de responder sua primeira pergunta

— Não é da sua conta. — Respondi sendo grosseiro e torcendo para que ela se fosse. Ter sua raiva era melhor do que seu afeto nesse momento, sabia bem o que viraria agora que o estresse tinha batido a porta. E ainda teria que controlar o meu amigo, já que ela continuava praticamente grudada contra a geladeira, a última coisa que precisava era que Gabriela notasse o meu estado. — E eu posso me virar com os curativos.

— Você é mesmo um imbecil! — Rosnou indo em direção a pia para lavar o copo, me fazendo agradecer a distância entre nós.

Eu não queria tocá-la, em breve ela estaria fora daqui e uma noite de sexo duro e forte não era o que ela ia querer lembrar quando fosse embora.

— Já avisei que é livre para ir embora a hora que quiser. — Assim que terminei a frase Gabriela passou por mim pisando duro indo guardar o copo, mas parou no caminho me encarando de forma dura e decidida.

— Pode ficar tranquilo que não vai me ver mais por aqui. — Dito isso ela saiu da cozinha, me deixando sozinho com meus arrependimentos.

Porra! Me irritei por me importar tanto com a tempestade que vi refletida em seus olhos quando ela me olhou antes de deixar a cozinha.

Gabriela com raiva era uma força da natureza, mas ver seus olhos desapontados era como machucar algo inocente e precioso.

Sabia que era estupidez agir daquela forma, mas seria melhor que ela mantivesse distância de mim, o medo às vezes era preferível a admiração.

Trazer ela pra cá foi a única forma de garantir que aquele “chefe” dela ficasse longe. Mas ter ela em minha casa era correr o risco que algum inimigo meu a visse por aí, isso seriam problemas bem maiores. Assim como se ela acabasse se sujando na lama que era minha vida.

Gabriela não pertencia a esse mundo e era assim que deveria continuar sendo!

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo