Capítulo 62 Mariana Bazzi Eu nem sabia que o coração podia doer tanto só por olhar. Mas doía. Doía como se tivessem me furado com cacos de vidro enquanto eu fingia que aquilo não estava acontecendo. Só que estava. Estava bem diante dos meus olhos. Sara entrou como se ainda pertencesse àquele lugar, ou melhor, a Ezequiel. Como se os dias que passaram, as cicatrizes que o Don deixou, não significassem nada. E o pior? Ela foi direto até Ezequiel, se jogando nos braços dele como se o tempo nunca tivesse passado. E ele... ele não a afastou. Fiquei paralisada. Aquilo não era justo. “É só um abraço”, repeti para mim mesma, tentando encontrar um sentido, uma desculpa, qualquer coisa que amenizasse a angústia no peito. Talvez ele só estivesse surpreso. Talvez quisesse manter as aparências. Talvez… talvez nada. Meu maxilar travou quando vi os dedos dela escorregarem pelo braço dele, como se o corpo dele ainda fosse território dela. E ele permitiu. Ele se virou para mim pouc
Capítulo 63Ezequiel Costa Júnior Fechei a porta do escritório atrás de mim e respirei fundo, sentindo o cheiro de madeira polida e lembranças distorcidas. Sara se encostou à escrivaninha como se o tempo não tivesse passado, como se ainda soubesse exatamente onde pisar pra me deixar desconfortável.— É verdade que você não lembra de nada? — perguntou com aquele tom que misturava curiosidade e ironia.A encarei com firmeza. — Não de tudo. Algumas coisas voltam em flashes. Lugares, nomes… sensações. Mas não o suficiente pra entender tudo.Ela sorriu, inclinando o corpo pra frente, como se compartilhasse um segredo. — Eu posso te ajudar, Don. Te lembrar de tudo. De nós dois.Ignorei a insinuação e fui direto ao ponto.— Não precisa, Sara — me afastei — Só me responde uma coisa. Aquele velho… o Ezequiel. É verdade que ele era meu pai ou não?O sorriso dela se desfez em um riso abafado, debochado.— Claro que não. Ezequiel nunca foi seu pai. Isso era só fachada. Uma mentira conveniente p
Capítulo 64 Ezequiel Costa Júnior Empurrei a porta do quarto com um suspiro mais pesado do que pretendia. Meus ombros estavam tensos, e a raiva de antes ainda martelava dentro do peito, mas quando vi Mariana ali, em pé, olhando pra mim com aqueles olhos grandes e desconfiados, algo dentro de mim afrouxou. Ela estava segurando alguma coisa — talvez uma escova, talvez só buscando algo pra manter as mãos ocupadas. Mas ao me ver entrar, o objeto escorregou de seus dedos e caiu no chão com um som seco. — Calma — falei, abaixando imediatamente. Peguei o que ela deixou cair e entreguei de volta, devagar. Mas meu olhar se prendeu no dela. Notei que ela olhava, com uma insistência muda, pra minha cintura. Mais precisamente, pra arma presa ali. A mesma que ainda não tive tempo de arrumar no coldre. — Está tudo bem? — perguntei com a voz mais baixa, tentando medir a tensão dela. Ela hesitou. Seus olhos foram da arma pro meu rosto, como se quisesse confirmar algo ali. Depois mor
Capítulo 65 Mariana Bazzi A água escorria pelos meus ombros, quente, contínua, tentando apagar a raiva e o medo que fervilhavam sob a pele, mas não conseguia. O som abafado de Ezequiel batendo na porta, chamando meu nome, me arrancava da tentativa de calma. Cada batida era como um lembrete incômodo de que ele estava ali e eu estava me escondendo, porque tinha medo. Medo de me machucar, de estar me enganando. Medo de que tudo isso não passasse de mais um papel no teatro da máfia — e que, no final, eu fosse só mais uma mulher na lista dele. Ele disse que não lembrava o que aconteceu com Sara. Mas e se lembrar? E se acordar um dia e tudo voltar? Ele mesmo falou que não era mais aquele homem… Mas se voltar a ser? Aquele homem antigo tinha várias mulheres. Quantas? Quantas antes de mim? Ele pode querer sua vida de volta. Ele dizia que queria só a mim. Mas por quanto tempo? A voz dele ficou mais alta, mais irritada, eu continuei no banho. A água continuava escorrendo
Capítulo 1 Mariana Bazzi — Nem acredito que é real... ainda hoje estarei livre desse lugar — sussurrei para mim mesma, com os olhos marejados ao encarar os papéis impressos e assinados sobre a mesa do escritório. Agarrei os documentos contra o peito como se minha vida dependesse disso — e, de certa forma, dependia. Saí quase saltitando entre as mulheres do cassino, com um sorriso no rosto, levando a pequena sacola com minhas poucas coisas. Guardei os papéis lá dentro com o cuidado de quem carrega um tesouro. Lágrimas escorriam, mas dessa vez eram de alívio. O presente de aniversário de vinte anos mais precioso que eu poderia receber: a minha liberdade. Hoje faz exatamente dez anos que fui vendida para esse cassino. Um acordo nojento de covardia, por quem deveria me proteger: meu pai. Mas não... hoje eu não queria pensar nisso. Hoje, eu voltaria pra casa. Veria o rosto da minha mãezinha de novo. Sentiria o abraço das minhas irmãs mais velhas. Subi as escadas desse infer
Capítulo 2 Mariana Bazzi Não tive tempo para pensar, um dos guardas apontou para o carro e desci uma pequena escada de cabeça erguida. Meu pai estava caído, gemendo de dor, incapacitado. Ele sentiu na pele um pouco da violência que sempre infligiu a mim e à minha mãe. Mas meu coração batia contra o peito. Entrei num dos veículos de luxo. Uma limusine. Meus olhos ainda estavam embaçados pelas lágrimas. Observei o outro lado da porta aberta enquanto os homens conversavam do lado de fora. Se eu descesse por ali e corresse na direção da escada me daria segundos extras. Abri com cuidado e discretamente movi meu corpo. Escorreguei pelo acento de couro, mas fui surpreendida pelo homem que me comprou. Imediatamente dei um salto pra trás, batendo as costas na porta contrária. O mesmo homem de óculos escuros entrou e sentou-se ao meu lado, cruzando as pernas com elegância. Me afastei como um animalzinho enjaulado. O olhar desse homem era diferente, talvez terno... Ou eu esta
Capítulo 3 Mariana Sentei na beirada da cama e demorei para conseguir levantar. Havia um banheiro, vi que dava para trancar, então entrei, fechei e fiquei ali por bastante tempo, olhando para tantas marcas roxas no meu corpo que eu tanto gostaria de apagar. Não havia janela ali, nada útil nas gavetas que eu pudesse usar para soltar a janela do quarto. Liguei o chuveiro, tomei um banho. Quando saí segurei a roupa que estava separada. Era um vestido bonito, diferente do que meu pai me fazia usar. Discreto, elegante e sem vulgaridade. Ele lembra um que ganhei do único homem que já confiei, junto com uma agenda. Tudo porque era o papai Noel de uma noite de natal há quase dois anos. Mas estava naquela sacolinha que perdi no caminho até aqui. — Com licença... — Alguém abriu a porta do quarto pelo lado de fora — Sou Luciana. Vim avisar que o senhor Ezequiel está esperando. — Me encolhi na toalha. — Ele só quer conversar e explicar o que está acontecendo. Depo
Capítulo 4 Mariana Bazzi — Por um momento pensei que pudesse estar dizendo a verdade, que fosse diferente. Que realmente pudesse ter algo bom, libertar mulheres — me afastei — Mas é igual todos os homens. Odeio você e toda a sua raça! Odeio todos! Me deixe em paz, e me deixe ir embora! — Me soltou imediatamente, como se nada tivesse acontecido. — Você não jantou. Sente-se e faça o que veio fazer. Está pedindo coisas, mas não cede em nada? — apontou para a mesa e puxou uma cadeira. — Se não está mentindo e sou realmente livre, me deixe sair pela porta da frente sem que ninguém venha atrás de mim. — O encarei e disse com uma coragem que não pensei que eu tinha. — Está ciente dos riscos? Porque vão te encontrar e não vou te salvar novamente se for vendida. — Eu... quero sair daqui. — Não, você não vai — entrou na minha frente com o semblante enfurecido. Seu porte grande se sobrepôs perante mim. Seu olhar estava severo. A raiva e o medo ferveram no meu peito. El