Na manhã seguinte, a atmosfera na Alcateia da Nascente de Pedra ainda parecia mergulhada em luto por causa da cerimônia da Lua de Sangue.
Logo, levei Finn até a área comum, onde os membros da alcateia costumavam se reunir para as refeições.
Foi então que vi Kael, bem ali, arrancando com delicadeza um pedaço suculento da perna de um cervo para Alina. Depois, afagou com ternura a filhote que estava ao lado dela, uma pequena loba que parecia ter a mesma idade de Finn.
Aquela cena ardeu nos meus olhos.
Já que antes de conhecer a verdade, imaginei incontáveis vezes como seria se Kael estivesse vivo. E, em meus devaneios, era exatamente assim que nós dois estaríamos.
Naquele momento, Alina se aninhava contra ele, aproveitando a proteção de seu Alfa, enquanto eu só podia observar de longe.
Meus instintos de loba estavam em ebulição depois da revelação da noite anterior, mas me obriguei a engoli-los, visto que não havia mais ninguém para lamber minhas feridas ou acalmar minha fúria.
Logo, o olhar de Kael recaiu sobre meu rosto pálido. Em seguida, ele deixou de lado a carne que segurava, pegou um pedaço menor, ainda que igualmente digno, e o estendeu para mim e para Finn.
— Você precisa se alimentar melhor, Elara. Finn ainda está crescendo.
O tom dele continuava distante, como se o Kael que havia morrido não tivesse qualquer relação com aquele homem. Era apenas um tio responsável, nada mais.
— Tio Ronan, eu sei cuidar da mamãe sozinho.
Com o queixo erguido e o tom sereno na voz, Finn empurrou, de forma desajeitada, um pedaço de carne cozida na minha direção, usando a patinha.
A reação imediata fez Kael manter a mão suspensa no ar, ainda segurando o pedaço de cervo, até que, ao ser tomado por um leve choque, sua expressão se desfez e a carne caiu de sua mão.
Visto que havia sido a primeira vez que Finn o chamou de “Tio Ronan” de forma tão clara, tão distante.
Até então, mesmo com as correções constantes de Kael, Finn insistia em murmurar “papai”.
Assim, naquele dia, ao dizer “Tio Ronan” com tanta clareza, foi como se tivesse erguido uma muralha invisível entre os dois.
— Finn, você... Não via seu tio como uma sombra do seu pai? O que mudou hoje...? — Ele tentou manter a voz firme, vasculhando o rosto de Finn em busca de alguma resposta.
Finn mostrou os dentinhos de filhote em um pequeno sorriso em resposta, com os olhos límpidos.
— Tio Ronan, naquela época, o Finn apenas sentia muita falta do papai e se confundia. Só que agora eu cresci e já sei que meu pai Alfa, o Kael, foi para junto da Deusa da Lua, lá no Penhasco da Lua de Sangue, há cinco anos.
Kael pareceu querer dizer algo, mas as palavras não saíram. No fim, apenas disfarçou com um comentário forçado:
— O Finn está tão sensato agora.
No entanto, o olhar dele passou a oscilar entre mim e Finn, como se tentasse enxergar direto em nossas almas.
Embora o osso em sua mão tenha estalado com a força do aperto, ele sequer deu uma mordida.
Enquanto isso, Finn e eu compartilhamos a refeição, e meu filhote, querendo se portar como um verdadeiro lobo adulto, até rasgou os melhores pedaços para me entregar.
Esse gesto deixou Kael ainda mais desconcertado. Ele continuava nos observando e, quando finalmente falou, sua voz carregava um traço nítido de ansiedade.
— Mesmo que eu não seja o Kael... O Finn e eu ainda compartilhamos o mesmo sangue.
— Se algum dia precisar de algo, é só dizer. Não precisa carregar tudo sozinha.
Diante desse comentário, soltei uma risada curta e afiada, que cortou o ar da manhã como uma lâmina.
“Seria o instinto possessivo de Alfa finalmente despertando?
No entanto, foi ele mesmo quem decidiu assumir aquela identidade falsa, quem nos afastou deliberadamente e quem, por tanto tempo, repreendeu Finn sempre que o chamava de pai!”
Logo, larguei o osso que mordiscava e fiz um sinal para Finn, que já estava satisfeito, se levantar.
No entanto, antes de partir, encarei os olhos confusos de Kael e disse:
— Ronan, você tem razão. Mesmo sendo gêmeo de Kael, você não é o verdadeiro pai de Finn.
— A Alina e a filha dela são as únicas que você deveria proteger agora.