Capítulo 4
Depois de enviar a mensagem para a Alcateia da Lua de Prata, eu sabia que ainda havia um último ritual, crucial e doloroso, que precisava realizar antes de aceitar oficialmente o presente de cortejo do Alfa Lucian e iniciar uma nova vida ao lado deles.

Eu precisava romper por completo o vínculo de companheirismo com Kael... Aquele que ele havia traído e manchado.

Na antiga tradição dos lobos, uma vez selado, o vínculo de companheirismo marcava a alma como uma marca em brasa.

Quase impossível de romper, a menos que um dos companheiros morresse ou que ocorresse uma traição definitiva.

Romper esse vínculo exigia uma ida às Cataratas da Sombra da Lua, um lugar sagrado passado por gerações, no auge da Lua de Sangue. Era necessário oferecer o próprio sangue e a vontade absoluta à Deusa da Lua, sacrificando o amor morto e tomando de volta a parte da alma que o outro ainda retinha.

O ritual trazia riscos reais, visto que bastava um erro para que a alma se rompesse, deixando a loba fraca e, talvez, incapaz de se vincular novamente.

Sempre acreditei que nosso vínculo permanecia forte porque eu amava Kael demais.

No entanto, jamais imaginei que era porque ele nunca esteve morto.

Logo, outro dia se passou. Quando a Lua de Sangue surgiu novamente no céu, levei Finn comigo, saímos furtivamente da Alcateia da Nascente de Pedra sem sermos vistos ou ouvidos, e deixamos o território em silêncio.

As Cataratas da Sombra da Lua ficavam numa faixa de terra esquecida entre os territórios da Nascente de Pedra e da Lua de Prata.

Por ser cercada de perigos desconhecidos, quase ninguém se aproximava daquele lugar. No entanto, era o único onde o ritual proibido poderia ser realizado.

Durante o percurso, Finn seguiu ao meu lado, com o corpinho tremendo de leve. Era evidente que sentia o peso da energia daquela noite, mas não se afastou em nenhum momento.

Contudo, para acalmá-lo, levei suas frutas preferidas, embebidas em mel selvagem.

Em seguida, tirei do pequeno saco de couro uma túnica cerimonial especial que eu havia preparado há muito tempo.

Ela fora tecida com a resistente erva-estelar da noite, em um tom profundo de azul meia-noite: símbolo de finais e recomeços.

A tradição dizia que, ao romper um vínculo e se preparar para uma nova vida, uma loba não podia vestir a cor prateada como a lua do primeiro acasalamento.

Já que era um gesto de total sepultamento do antigo amor e respeito ao novo companheiro em potencial.

Logo, parei ao pé das Cataratas da Sombra da Lua. Na minha frente, a enorme queda d’água rugia ao descer da encosta.

Sob o luar vermelho-sangue, a paisagem parecia um dragão gigante sangrando, rugindo alto o suficiente para ensurdecer.

E a névoa era gélida, cortante.

Foi então que me preparei: inspirei profundamente e, em seguida, vesti a túnica cerimonial.

O toque gélido do tecido percorreu meu corpo, fazendo-me estremecer.

Ao encarar meu reflexo na água, percebi que os cinco anos de tristeza haviam começado a desaparecer, e que a esperança voltava a brilhar em meu olhar. No entanto, senti-me atordoada, uma vez que durante cinco anos, quase esqueci que um dia fui uma Luna orgulhosa.

Orientei Finn a esperar de longe, em um ponto seguro. Então, deslizei a mão até minha cintura e retirei o punhal cerimonial afiado.

Já me preparava para cumprir o ritual ancestral: cortar minha palma, deixar o sangue fluir e clamar à Deusa da Lua que rompesse aquele vínculo maldito quando…

— Elara! O que você está fazendo aqui?

Uma voz como um trovão ecoou vinda da mata próxima.

Virei-me num sobressalto e vi Kael parado entre as sombras, bem na borda da floresta. Logo atrás dele, com expressões confusas, Alina e a filhinha o acompanhavam.

Parecia que haviam vindo caçar sob a Lua de Sangue e, por acaso, me encontraram ali.

No entanto, os olhos de Kael estavam presos em mim: ou melhor, na túnica especial que eu usava e no punhal em minha mão.

Ele não era tolo. Como herdeiro Alfa da Nascente de Pedra, sabia exatamente o que aquela vestimenta, aquele lugar, naquela noite, significavam.

Diante disso, o rosto dele empalideceu, e seus olhos foram tomados por um pânico evidente.

— Elara. — Ele cambaleou alguns passos para fora da sombra. — Você... Você está usando essa túnica... Está segurando esse punhal... Está nas Cataratas da Sombra da Lua... O que... O que está planejando fazer?!

Desde o dia em que ele “forjara a própria morte”, eu cortara quase todo e qualquer laço desnecessário com o mundo além das nossas fronteiras, quem dirá trazer Finn sozinha para as Cataratas da Sombra da Lua numa noite de Lua de Sangue.

No entanto, não queria discutir com ele, tampouco revelar meus planos diante de seus olhos.

Então, apenas o encarei, fria, com a voz firme e calma:

— Ronan, isso não tem nada a ver com você. Pegue sua família e vá embora. Não se meta no que estou fazendo.

— Não tem nada a ver comigo?

No momento em que disse isso, minhas palavras o atingiram como um golpe. Ele avançou na mesma hora, e a aura intensa de um Alfa de nível mais alto quase fez sua falsa persona como “Ronan” desmoronar.

— Elara! Você está usando uma Túnica de Rompimento! Está segurando uma Lâmina Corta-Almas! Como pode dizer que isso não tem nada a ver comigo? Você... Você pretende... Pretende mesmo romper completamente... O nosso...

Ele mal conseguiu pronunciar as últimas palavras.

Limitou-se a me encarar, com aqueles olhos azuis que, outrora, transbordavam tanto amor, agora repletos de dor.

Na mesma hora, recordei que, cinco anos antes, durante nossa grandiosa e sagrada cerimônia de acasalamento, eu usara uma túnica prateada como a lua quando juramos fidelidade à Deusa.

E agora, eu, que ele ainda enxergava como a “viúva de Kael”, estava ali, parada às margens das Cataratas da Sombra da Lua, sob a luz sombria da Lua de Sangue.

Uma loba “viúva” jamais ousaria realizar um ritual tão perigoso e blasfemo, a menos que tivesse sofrido a traição suprema... Ou estivesse decidida a romper de vez com o antigo companheiro.

Foi por isso que Kael permaneceu ali, paralisado por um longo momento, com os olhos em completo turbilhão.

Atrás dele, Alina finalmente se deu conta de que havia algo profundamente errado naquela reviravolta inesperada. Nervosa, puxou o braço de Kael e sussurrou:

— Ronan... Ronan? O que foi? O que... O que ela está tentando fazer?

Mas Kael simplesmente não estava conseguindo prestar atenção em mais nada.

Já que sabia que, se eu completasse aquele ritual, tudo entre nós dois estaria perdido eternamente.

E que ele me perderia de verdade. Para sempre.
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