O céu está coberto por nuvens pesadas, a chuva de fim de tarde ameaçando a cair, como se o próprio mundo sussurrasse para que eu não saísse. Mas não consigo mais ficar parada. Cada batida do meu coração ecoa a ausência de Hiran, uma ausência que aperta o peito com garras invisíveis.Sentada em um canto escondido do refeitório, mordi o lábio com força, sentindo a ansiedade fervilhar em meu sangue. Eles disseram para esperar. Disseram que é perigoso. Que deveria confiar. Mas como confiar quando a única pessoa que já me protegeu estava lá fora, talvez ferido, talvez... Balanço a cabeça, recusando-me a terminar aquele pensamento.— Eu não posso ficar aqui — sussurro para mim mesma, a voz trêmula. — Preciso fazer alguma coisa.O medo serpenteia em minha mente, sibilando todas as formas em que poderia falhar, em que poderia ser capturada, em que poderia atrapalhar mais do que ajudar. Abraço os joelhos e fecho os olhos com força. "Sou só uma humana" penso, sentindo-me pequena, fraca. Mas en
ToryÉ madrugada e a chuva cai forte, agora. Por sorte trouxe a capa de Hiran, que, além de me camuflar entre a escuridão da floresta, também me mantém seca e aquecida.Meus olhos monitoram a fortaleza. A distância, as torres de vigia que se erguem austeras, dentro delas não é iluminado, o que não me dá uma boa visão do soldado bruxo que está lá dentro, mas os holofotes que clareiam a construção, me permitem ver todo os arredores.Escondida atrás de uma formação de pedras e arbustos, passo horas observando, mesmo que a umidade em meus pés comecem a me incomodar.Os soldados patrulham em duplas, mas percebo que, após longas rondas, alguns voltam sozinhos para trocar de turno ou buscar suprimentos. Esse é minha chance.O cheiro de terra molhada acerta minhas narinas, a lama sob meus pés está escorregadia, conforme me levanto e me preparo para agir. Com cautela, me coloco em, uma posição favorável e observo. A cada passo de um guarda, a cada chamada abafada na noite chuvosa, o medo latej
Hiran FuryO frio úmido da cela me corrói até os ossos. O chão é de pedra bruta e a única luz que entra vem de uma única lâmpada presa do lado de fora. A fome me queima o estômago, mas pior que isso é a impotência.Não sei quantas horas se passaram desde que nos capturaram, porém é como se já tivesse passado dias.Eu falhei.Nós falhamos.E agora estamos impotentes e sem saída.Lioren está encolhido no canto oposto, com os olhos semicerrados, o rosto manchado de hematomas. O sangue seco em sua têmpora é visível na pouca iluminação. Mas ele ainda está ali. Firme, quieto, respirando. Vivo.— Os três prisioneiros que estavam aqui quando chegamos... eles os levaram não se sabe para onde — minha voz sai rouca, arranhada, como se engolisse poeira a cada palavra.Lioren não responde de imediato. Ele ergue o olhar devagar, pesado.— E nenhum voltou.Silêncio. A única resposta é o som do gotejar constante em algum ponto do teto. Pingos, muitos deles. Estaria chovendo? Cada gota parece marcar o
ToryMe encolhi atrás de uma pilastra larga, a respiração presa na garganta enquanto passos ecoam no corredor. Meus pés doem, o estômago ronca baixo, mas me forço a permanecer imóvel. Já faz horas que circulo silenciosamente pelos cantos escuros da fortaleza, estudando as rotas dos guardas, tentando memorizar a estrutura, tudo para encontrar onde haviam levado Hiran.Os últimos soldados bruxo que segui entraram em uma ala ampla, cheia de corredores e portas que não fazia ideia do que poderia ser, então começo a explorar o lugar.Vi os bruxos arrastando homens desacordados mais cedo, e o pavor gelou meus ossos. Mas também acendeu algo dentro de mim. Seja lá o que for que estão aprontando, não vou deixar Hiran morrer aqui.O som de uma porta de ferro rangendo interrompe meus pensamentos. Me esgueiro até a beirada da parede e espio com cuidado.Do outro lado do corredor, uma mulher de aparência nobre caminha com passos calmos, porém determinados. Seus cabelos grisalhos caem por um manto
ToryO alarme não tardou. As sirenes ecoam pelo corredor e os bruxos começaram a vir de todos os lugares, criando uma confusão. Enquanto estavam distraídos, procurando o foco do incêndio, saio do meu esconderijo e bato na lâmpada no centro do corredor, explodindo-a. O som chama a atenção, mas atribuem à explosão, e a escuridão formada auxiliará no meu disfarce.Permaneço escondida e vejo a porta ao lado de onde Hiran está se abrir, o bruxo sai tão desesperado que deixa a porta aberta. Antes dela se fechar, enfio o corpo pela fresta e entro, sem pensar.— Lioren! — sussurro, surpresa.Ele está preso por uma corrente que permite que ele caminhe da cadeira até um vidro. Do outro lado do vidro está Hiran, sentado em uma cadeira, olhando, de uma maneira que não consigo decifrar, para alguém a sua frente. Preciso tirá-lo de lá.— Tory...? Como...? — Os questionamentos de Lioren me despertam;— Sem tempo. Vou tirar você daqui.Encontrei a chave pendurada em um gancho na parede. O cheiro do i
Izys GhalagerQuando abro a porta do meu apartamento, acho tudo muito estranho. Geralmente é muito silencioso, pois meu noivo está no trabalho a essa hora, mas há um som vindo do quarto.O apartamento é pequeno, apenas um refúgio que meu noivo e eu achamos necessário para nos encontrarmos e ter algum momento juntos, porém com toda a minha rotina de trabalho e cuidados com minha minha mãe, idas e vindas a hospitais, poucas foram as vezes que desfrutamos da privacidade deste apartamento.Caminho cautelosamente até o quarto, o som está mais alto. Primeiro notei o som de uma música sensual, depois ouvi gritos, mas não de dor, eram gritos de prazer e isso fez meu estômago pesar, meu coração se apertar e fiquei estagnada na porta, tomando coragem para abrir.De certa forma eu já sabia o que estava acontecendo ali dentro, mas abrir e ver, tornaria aquilo tudo real demais. Porém, respiro fundo tomando coragem, e abro a porta.Albert leva um susto e a mulher cai de bunda no chão.— Izys... o qu
Killan FuryDepois que meu irmão e eu ficamos presos no mundo dos humanos, tivemos que aprender a viver como um deles. Aqui se você não trabalhar, não terá onde morar, o que vestir e o que comer. Então, tivemos que arrumar um emprego.Hiran e eu já estávamos acostumados a trabalhar para os bruxos, então não foi difícil arrumar um trabalho por aqui também. A única diferença ´que no mundo dos humanos existe uns pedaços de papel chamado de “documento”, coisas que meu irmão e eu não tínhamos, então precisamos inventar uma mentira.Dissemos aos empregadores que nossa casa e tudo o que havia nela foi destruído pelo ataque dos bruxos, e como havia muitas pessoas nessa situação, não foi difícil arrumar um trabalho informal, como dizem por aqui. Agora trabalhamos para uma empresa que presta serviço para condomínios, empresas, hospitais... quem precisar de nossos serviços.Dois anos depois, já estamos adaptados a vida por aqui. Já até conseguimos documentos falsos.Depois de um dia de trabalho
Izys GhalagerMinha mãe recebeu alta do hospital um dia depois de eu ter flagrado Albert na minha cama com outra, de ter tentado me matar e de ter sido salva por um homem que nem prestei atenção em seu nome quando ele me disse. Me sinto culpada por isso, pois o homem salvou a minha vida. E eu só peço aos céus que possa reencontra-lo algum dia para agradecer pelo o que fez por mim.Dona Yolanda, a minha mãe, ficou em casa por uma semana, parecia estar tudo bem, até que ela simplesmente amanheceu com febre, sem fome e sem força para nada. E mais uma vez fui obrigada a chamar a ambulância e levá-la para o hospital.— Doutor, como está a minha mãe? — inquiro ao médico que a atendeu.Sou enfermeira neste mesmo hospital, e nem pude assumir meu posto de atendimento, pois estava acompanhando a minha mãe.— Izys — diz o médico que já está habituado a falar comigo de modo informal, devido ao trabalho. — Não vou mentir para você, o estado da sua mãe é delicado.As lágrimas voltam a escorrer por m