Capítulo 3

     Os dias foram se passando, David foi conhecendo Abelle mais e mais, descobrindo que em muitas coisas eles tinham algo em comum, uma amizade foi plantada, regada e cuidada, e uma linda árvore cresceu e se fortificou. O que David mais precisava, sempre esteve bem perto, e ele nunca pode ver, mas o destino decidiu ser generoso.

     O dispertador flutuante acionou o alarme. David levantou da cama, tomou um banho, pegou um dos raros papéis que existia na Sociedade e rabiscou alguma coisa. Ele fez um desenho perfeito da sua mais nova amiga, Abelle, e o guardou em uma gaveta da escrivaninha onde haviam vários papeis com textos, desenhos, idéias. Para David, usar o lápis e o papel era uma dadiva da qual o ser humano cometeu a maior tolice em abster-se.

     Quando ele saiu do quarto, foi até a cozinha, pegou algo para comer e foi para a sala de estar assistir no televisor alguns vídeos que mostra como era o mundo há muitos anos atrás. Hoje é aula de História, a única aula que não é com a professora Dimond, e David queria estar mais aprofundado.

     Ele sentou-se no estrado acolchoado azul-anil da sala e automaticamente um vídeo-lembrete ativou através do sensor de proximidade no monitor. Apareceu o rosto da sua mãe dizendo: Filho, eu quase ia me esquecendo, não queria te acordar mas estou deixando um recado pra que você se lembre de trocar as suas lentes de contato, essas que você deixa nos olhos até na hora de dormir está perdendo a validade, já tem quase um ano, então faça o favor de trocar hoje, a reserva está numa gaveta no banheiro da cozinha. Beijos.

     Encerrou o vídeo.

     Já arrumado para o Instituto Acadêmico, David estava perto de sair de casa quando lembrou-se das lentes de contado, e voltou para o banheiro pegá-las. Ele retirou as lentes dos olhos revelando a verdadeira cor, um lilás-esverdeado.

     David nasceu com os olhos iguais aos da mãe, até que, quando fez sete anos, o pigmento dos olhos foi mudando para uma cor incomum, sua mãe teve e até hoje tem medo de que os cientistas da Sociedade o aparte dela para estuda-lo, ou pior, deduzir que ele é um mutante, e despacha-lo, pelo bem da Sociedade, para fora da muralha, então ela decidiu segredar essa situação, como ela sempre trabalhou no Instituto da Saúde, foi muito fácil arranjar lentes de contato para o filho. Daí então David nunca deixou de usá-las.

     Ele lavou o rosto e deixou a torneira aberta, a torneira é desligada automaticamente mas David prefere o modo manual. Ele abriu uma gaveta embutida na parede e pegou uma caixinha qual continha duas lentes de contato novas, porém a caixinha escorregou das suas mãos molhadas e caiu na pia, a torneira ligada levou as novas lentes pelo ralo e as velhas já estavam no lixo. E agora, o que David faria?

     David praguejou pela seu hábito de usar as coisas no manual, ficou muito preocupado. Como ele iria para o Instituto com aqueles olhos? Ele não podia dizer que eram lentes, pois não existem desta cor, nem faltar a aula e esperar sua mãe trazer outras. Então ele teve uma ideia.

     Quase fica do lado de fora, o portão já estava fechando. David chegou no Instituto de óculos escuros, e foi imediatamente para a sala da direção. O diretor Backer Amaury está sentado em sua mesa falando com alguém em seu comunicador. David aguardou até ele terminar.

     — Diga meu jovem. — Falou o diretor, ele é magro, negro, usa óculos, tem uma cicatrir no rosto e uma voz forte e rouca.

     — Bom dia senhor. É… eu quero pedir permissão para usar estes óculos durante as aulas.

     — Por que meu filho? Você sabe que não é permitido.

     — É que eu tive um acidente e ficou um pouco roxo... Oh diretor, por favor, está muito feio.

     — Por que não foi no Instituto da Saúde.

     — Agora pela manhã, eu perderia a aula. — David sabia que para o Diretor Amaury, não pode existir barreiras para um aluno que se dispõe totalmente aos estudos.

     Nesse caso, o Diretor suspirou e disse:

     — Tudo bem, mas amanhã você não poderá usar, está certo?

     — Muito obriago Diretor.

     A porta da sala número dez se abriu com a permissão que estava introduzida na pulseira de David. Sorte que hoje é aula de História, ou seja, não é aula da Professora Dimond, se fosse desta, ele teria a certeza de que não permaneceria na sala de aula com os óculos, mesmo com o atestado do Diretor.

     David saudou a professora de História, a Srt. Camille Jupter e se dirigiu até seu acento. Todos o olharam com curiosidade mas somente Abelle perguntou:

     — O que aconteceu?

     Ele respondeu em alto e bom som para que ninguém mais o perguntasse:

     — Eu caí e bati o rosto no chão. Fiquei com um olho roxo.

     — Posso ver?

     — Não, vou ficar sem graça. Está muito feio. Depois eu te envio uma fotografia.

     — Okay turma, vamos começar a aula. — Disse a professora Jupter.

     Ela é uma mulher jovem, branca, grandes cabelos ondulados, olhos da brilhantes e uma voz bem aguda. O dia de sexta-feira é uma dia em que os alunos mais almejam que chegue logo – justamente porque é o ultimo dia de aula da semana – mas na sala numero dez não. A professora Jupter é uma pessoa bastante alegre, divertida, dinâmica. Os alunos ficam tão saturados com a professora Dimond que quando aparece a professora Jupter, é como se durante quatro dias escuros e chuvosos, o sol aparecesse para iluminar e aquecer toda a terra.

     Mas neste dia, algo iria acontecer que mudaria as vida de David e de Abelle de uma forma muito estranha.

     — Então meus amores — disse a professora Jupter —, eu tive uma ideia que eu sei que vocês vão gosta. Eu quero fazer uma atividade em campo com vocês. — A turma aplaudiu. Uma atividade em campo era tudo que eles precisavam para sair um pouco do rigor estressante de estar sempre dentro da sala. — Vocês vão até o Bosque da muralha e tirem fotografias de qualquer planta que quiserem, daí vocês apresentam informações sobre ela.

     — Professora, eu tive uma ideia melhor. — Disse Abelle. A turma estava tão empolgada com a idea da professora que nem prestaram atenção nela, não imaginavam que pudesse haver ideia melhor.

     — Diga, minha linda.

     — E se a gente fizesse essa atividade fora da muralha?

     Todos da sala se viraram para Abelle. O silêncio predominou a turma.

     David amou a ideia.

     — Ela está certa professora, pense, nos bosque da muralha, a variedade de planta é limitadíssima, mas lá fora e tão perto, existe tanta coisa que acabariasmos num instante.

     — Não! — Disse a professora, séria e objetiva. — Não posso arriscar a vida de ninguém desta turma, ficaram loucos, vocês imaginam o perigo que existe lá fora.

     — Mas professora Jupter —, insistiu Abelle, — nós não correriamos perigo, nós sairiamos com uma patrulha da Corporação de Elite, qualquer perigo seria abatido antes que chegasse perto de nós. Temos a melhor segurança do mundo, e seria uma experiencia inigualável.

     A maioria da turma começou a concordar e se interessar mais sobre o que há fora da muralha.

     — Olhem! — A professora exalou um ar de suspense que silenciou a turma. — Todos vocês sabem o porquê de nenhum civil poder sair da Sociedade. Vocês cresceram ouvindo essas histórias. Histórias que meus avós ouviram quando eram crianças, e naquela época, eram contos de fadas, e vocês nasceram num período em que se tornou real. Sei que estão carecas de saber, mas vou falar assim mesmo. Há muitos anos atrás, o mundo era normal, as ruas, as cidades, as casas, o comercio, a vida, a tecnologia, tudo funcionava de forma muito diferente como vivemos agora, a humanidade seguia sua rotina, até quê, em um não tão belo dia, um meteoro eletromagnético caiu neste planeta, outrora chamado Terra e atualmente chamada planeta Gama. Felizmente, este meteoro caiu em uma parte bem isolada do planeta, porém ele continha uma radioatividade muito potente, que, de qualquer forma, teria a capaz de matar a biodiversidade do planeta inteiro. Mas não foi o que aconteceu. Aquele meteoro não resistiu ao impacto e explodiu num solo rochoso libertando todo o gás toxico que se proliferou com o dióxido de carbono do planeta. Muitas plantas, animais e pessoas morreram, todo o sistema e a logística do planeta caiu. Mas nem tudo acabou, milhares de pessoas no mundo todo sobreviveram a toxina. Essa toxina perdeu o efeito mortal, mas evoluiu para um efeito mutacional, muitos humanos se transformaram em mutantes e perderam totalmente a lucidez, não sendo mais considerados humanos, por sorte a toxina se conteu e não afetou mais nosso planeta. Mas como sempre, os sobreviventes se reorganizaram e se reestabeleceram, criando novas civilizações, novas organizações e ainda estamos lutando para conseguirmos sobreviver. Este lugar no qual todos vocês estão seguros um dia foi um pais, chamado Brasil. Hoje é conhecido como Restabelecimento da America do Sul, e nele existem cinco regiões, a Região Norte, a Região Nordeste, a Região Centro-Oeste, a Região Sudeste e a Região Sul. Cada região resgatou seus sobreviventes e criou uma Sociedade, menor que um Estado. nós estamos na Região Nordeste, logo somos da Sociedade do Nordeste, os únicos seres humanos desta região. O que está fora da Sociedade não nos favorece de modo algum, é perigoso, assassino, cruel, enfim, ninguém pode e nem vai sair deste lugar, a não ser que você se torne um cientista, o que é quase impossível, ou um militar escolhido para escoltar os cientistas.

     A turma ficou em silêncio por alguns segundos até que um dos alunos falou:

     — É só? Acabou?

     — Bom… Tem muita coisa, mas se eu falar minúcias, só vamos sair daqui ano que vem.

     — Professora, não vai contar a história do cientista que achou o meteoro e depois ficou louco…

     — Oh meu amor, essa história pode não ser totalmente verídica.

     Alguns alunos insistiram para que a professora contasse esse pedaço da história.

     — Okay, okay. Vou contar. Depois de alguns anos de Restabelecimento, um cientista formou um grupo de pesquisadores para irem em busca do meteoro que causou a catástrofe mundial. Com equipamentos de detecção de radioatividade eles conseguiram encontrar o meteoro dentro de uma caverna, e depois de longos estudos, este tal cientista, chamado Jolles Angellus, descobriu que dentro do meteoro continha uma esfera bem transparente feita de um tipo de diamante e dentro deste havia um líquido de cor estranha. Com muita cautela ele abriu a esfera e o liquido desuniu-se em pequenas porções. Com muita curiosidade e ganância, sozinho, o Dr. Angellus estudou o liquido, e com uma amostra, ele percebeu pelo microscópio que aquele liquido era um conjunto de criaturas vivas e instáveis, principalmente ao contato com humanos, aquele líquido podia dar a saúde que o planeta precisava para resolver muitos problemas. O próprio veneno era o antídoto. Descobrindo isso, algumas autoridades decidiram apartar o Dr. Angellus da função, ele passava muito tempo com o liquido tóxico e já estavam desconfiandos de alguma coisa. Porém sutilmente, o Dr. Angelus fugiu com a substância, mas assim como ele sempre era achado por causa dos detectores de radioatividade, também desaparecia. De alguma forma ele descobriu que a substância perdia a possibilidade de ser detectada em corpos humanos. Um hospedeiro vivo camuflava a ação radioativa da substância, então ele invadiu uma maternidade e injetou cada porção da substância em cada criança escolhida, mais uma vez conseguiu fugir, só que, desta vez, para sempre. Os cientistas até hoje não sabem quem foram as crianças, pois haviam muitas na maternidade e as mães não foram convencidas em deixar seus filhos fazerem parte de testes cruéis para saber se foram injetados em algum deles.

     A turma continuou calada, esperando alguém se manifestar. Abelle tomou a iniciativa:

     — Bem… como a Srt. disse, não pode ser verídica, mas e a atividade em campo.

     — Já está decidido, ou no Bosque da Muralha, ou cancela a atividade.

     A turma se agitou quanto a questão, a maioria queria deixar como estava no inicio, a minoria queria insistir na ideia de trabalhar fora da Sociedade.

     — Chega! — Gritou a professora Jupter, a turma silenciou mais uma vez. — Já está decidido, ninguém vai sair daqui e eu espero que vocês tirem essa ideia da cabeça ou teram sérias consequências. — A turma ficou perplexa com o que disse a professora Jupter, até porque ela é uma pessoa doce, alegre e paciente. — A aula acabou, podem ir, e vocês dois, fiquem. — Disse esta última frase apontando para David e Abelle.

     Quando todos saíram e só ficaram os dois escolhidos na sala, a professora, que séria, os encarava, pediu para que a acompanhassem, eles a seguiram.

     — Para onde será que ela está nos levando? — Sussurrou Abelle.

     — Não faço ideia. — Respondeu David.

     — Será que vamos morrer?

     — Não… O quê você acha que aqui é? — David sorriu.

     A professora abriu uma porta num corredor do Instituto e os mandou entrar.

     — Num banheiro? — Disse David confuso.

     — E dos meninos!? — Disse Abelle.

     — Não questionem. — Disse a professora entre os dentes. Eles entraram imediatamente.

     A professora fechou a porta e trancou com uma chave. Ela ligou todas as torneiras e disse com calma mas num tom de preocupação:

     — Prestem atenção. Eu vos peço por favor que na próxima aula vocês tirem da cabeça dos alunos essa ideia de sair da Sociedade. Vocês não sabem o que acontece com pessoas que se sujeitam contra a Sociedade? Eles capturam e fazem lavagem cerebral, sei que vocês são inteligentes e não vão contar isso para ninguém, pois fiquem sabendo, essa ideia está fora do padrão da Sociedade, e tudo que está fora do padrão, eles dão um fim. Vocês me promentem que vão mudar de ideia?

     — Prometemos! — Disseram os dois juntos, um pouco assustados com a seriedade da professora, mas não havia nenhuma informação que já não saibam.

    — Ai! Graças a Deus. — Disse a professora com ar de alívio. — Vocês são meus melhores alunos, eu não me perdoaria se algo acontecesse… Não quero nem pessar. Nosso mundo é novo, temos regras novas, e temos que respeita-las para sobrevivermos. Vocês me entendem?

     Eles fizeram que sim, e a Srt. Jupter os abraçou, desligou as torneiras que estavam em modo manual e destrancou a porta para sair.

     — Só um minuto professora. — Quis saber David. — Por que a Srt. decidiu conversar aqui no banheiro?

     — Guardem este segredo, este é o único lugar que não tem câmeras nem microfones. Não sei o porquê mas confio em vocês. Espero não estar errada. — E saiu.

     Ficaram a sós por alguns minutos no banheiro discutindo vários assuntos, principalmente sobre o que ocorreu entre eles e a Srt. Jupter. Até que em um momento de distração, David tirou os óculos para lavar o rosto, Abelle viu seu olhos e se assustou, pondo as mãos sobre a boca para abafar um grito. David imediatamente colocou-os e tentou se explicar.

     — Abelle, por favor não se assuste. É que é uma longa história. E se eu tentar te convencer do que se passou na minha vida, você pode não acreditar ou me denunciar para a Corporação de Elite, mas eu te peço…

     — David.

     — Sim!

     — Tire os óculos.

     David suspirou.

     — Okay, mas não grite. Minha mãe vai me matar se souber que eu mostrei para alguém. — Com muita cerimônia ele retirou.

     Ela ficou uns segundos admirando, então correu para uma das cabines de banho e fechou a porta. David imaginou que ela fosse vomitar, ou respirar um pouco, não pensou em nada mais coerente para a reação dela.

     Três minutos e ela sai da cabine. David estava de costas e sem os óculos, queria que ela continuasse vendo seus olhos até acostumar. Ele estava cansado de se esconder, algum dia ele ia ter que mostrar para alguém. Quando se virou, ficou paralisado com o que viu. Abelle estava segurando uma caixinha de lentes de contato igual a que ele usa desde criança. Mas o que o paralisou foi os olhos dela, de uma cor exótica, idêntica aos olhos dele.

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