Capítulo 2
Meu espírito estava preso na sala de estar, forçado a assistir àquela cena familiar acolhedora.

Meu pai, que normalmente ia dormir cedo, continuava acordado, sentado ao lado de Ella enquanto ela abria os presentes de formatura. Minha mãe navegava por lojas online, escolhendo vestidos deslumbrantes e prometendo um guarda-roupa inteiramente novo para a viagem de formatura da Ella.

— Mãe, eu já tenho tanta roupa, meu armário tá lotado. — Disse Ella com uma voz doce.

— Então vamos colocar no quarto da Sophie. Ela vive tão focada nos deveres que nunca compra roupas novas mesmo. Não precisa do espaço do armário.

— Tem certeza? A Sophie vai ficar chateada...

Mamãe franziu a testa.

— Ella, você não precisa ser tão insegura. Isso é o mínimo que a Sophie deveria fazer por você, como irmã mais velha.

Conner estava sentado por perto, descascando pistaches com dedicação para a Ella.

Eu não podia dizer uma palavra, apenas observar a cena calorosa se desenrolando.

Acontece que... Um espírito pode chorar.

O calor era deles; a solidão, minha.

— Mas a Sophie ainda não voltou, e ela não tá respondendo minhas mensagens. — Disse Ella, com a voz cheia de pesar. — Será que ainda tá brava com a gente? Me sinto péssima com ela não estando aqui.

Ao som da voz da Ella, os três finalmente desviaram a atenção dela... e se lembraram de mim.

Papai franziu a testa automaticamente.

— Não liga pra ela. Sempre quer que a gente gire em torno dela. Quando é que vai crescer?

Mamãe demonstrou um leve traço de impaciência no rosto.

— É só um Prêmio de Serviço Distinto. Eles entregam um a cada dois anos. Ela não entende que a formatura da Ella é uma vez só? Precisava fazer birra justo hoje?!

Ella fez um biquinho brincalhão para a mamãe.

— Mãe, não fala assim. A Sophie vai ficar triste se ouvir isso. Ela teve que praticamente implorar por esse prêmio... Ah, falei isso em voz alta?

Apesar do tom fingidamente inocente, o brilho triunfante nos olhos dela era impossível de esconder.

Eu sabia que Ella nunca foi inocente.

Durante a infância, as notas dela nunca foram tão boas quanto as minhas. Mesmo que papai, mamãe e Conner a adorassem e sempre colocassem ela em primeiro lugar, Ella ainda inventava, de vez em quando, alguma prova de que eu tinha plagiado trabalhos. E toda vez, papai me batia sem fazer perguntas.

Desde pequena, eu dizia a mim mesma que um dia encontraria meu próprio companheiro... E sentiria como era ser a primeira escolha de alguém, só uma vez.

Mas jamais imaginei que, dois anos depois de conhecer Ryan, o coração dele também começaria a se inclinar para Ella.

Eu deveria estar triste, mas talvez já estivesse entorpecida demais. Minha alma estava dormente, incapaz de sentir sequer um leve arrepio de dor.

A governanta trouxe uma bandeja de sobremesas, todas as favoritas da Ella. Naturalmente, pararam de falar de mim.

— Ella, a faculdade deve ter sido difícil. Aqui, come mais das suas favoritas.

Papai e Conner não paravam de alimentar ela, e logo suas bochechas estavam estufadas como as de um esquilo. Ela sorria radiante, se gabando das conquistas da faculdade. Já tinha conseguido um estágio num dos principais bancos de investimento de Wall Street; seu futuro parecia ilimitado.

Papai e Conner a ouviam com atenção, enchendo-a de elogios.

E eu apenas flutuava silenciosamente ao lado.

O relógio marcou uma da manhã. E eu ainda não tinha aparecido.

Mamãe pareceu sentir uma pontada de culpa, finalmente se lembrando de mim. Pegou algumas fatias de torta de morango, um sabor que Ella detestava, colocou num prato vazio e estendeu para meu irmão.

Seu rosto trazia uma expressão um tanto forçada.

— Conner, guarda isso pra Sophie. Ela pode comer quando acabar com essa birra e voltar. É bom pra ela não achar que só mimamos a Ella. Tá vendo? Guardamos pra ela também.

Olhei para as fatias de torta... E não senti nada.

Conner pensou por um instante, então estendeu a mão para pegar o prato.

De repente, Ella soltou um grito agudo e puxou a mão de volta do lugar onde estava encostada, perto de um dos presentes.

— Mãe, tá doendo! Esse presente... é de prata!
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